Folha de S. Paulo


Alta dos serviços e calor mudam o pico de energia para meio da tarde

Desde o apagão do governo FHC que se diz que o horário de pico de consumo de energia no país ocorre das 18h às 20h, em razão, entre outros motivos, do aumento do uso de chuveiros elétricos nesse horário, com a chegada das pessoas as suas casas após o horário comercial tradicional.

Verões intensos e o novo perfil da economia, mais baseado no setor de serviços em detrimento do industrial, têm feito, contudo, com que esse pico de consumo de energia mude para o meio da tarde, entre as 14h30 e as 15h30.

Os oito últimos recordes de produção de energia no país ocorreram nesse intervalo, segundo o ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico). Os dois mais recentes, na quarta e na quinta-feira da semana passada, foram registrados às 15h21 e às 15h24, respectivamente.

Na quinta, o país demandou de suas usinas a produção de 83.307 megawatts (MW), volume nunca antes registrado.

O sistema funciona assim: as distribuidoras informam ao ONS sobre o aumento de demanda e o operador avisa às usinas para produzirem mais.

REFRESCO

Segundo especialistas ouvidos pela Folha, o ar-condicionado é quem puxa o consumo de energia para cima no meio da tarde.

Calor intenso e serviços a todo vapor têm feito o uso do ar-condicionado disparar no meio da tarde em todo o país, apontam especialistas.

A partir de 28ºC o corpo humano sente necessidade de se refrescar. Na última quarta-feira, a Folha mostrou que a média da temperatura de janeiro em São Paulo, de 31ºC, é a maior desde 1943.

Em dias de temperaturas mais baixas, o pico continua sendo no horário antigo.

"As pessoas não estão em casa, mas estão no shopping center, no restaurante, no escritório. E em todos esses locais o ar-condicionado está no máximo", afirmou o professor Reinaldo Castro Souza, do departamento de Engenharia Elétrica do Centro Técnico Científico da PUC-Rio.

Editoria de Arte/Folhapress

O chuveiro elétrico, antigo "vilão" do consumo, deu lugar ao ar-condicionado, que, ainda que a uma potência menor, fica ligado, em média, oito horas por dia nas residências. No comércio, essa média sobe para dez.

Pelos cálculos de Souza, 80% do consumo de energia do setor são com refrigeração.

Os dados da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) mostram que até novembro de 2013 o crescimento do consumo de energia do comércio e serviços ficou acima da média brasileira.
A estimativa da EPE é que o consumo comercial em 2014 supere o dos setores residencial, industrial e da média do país, com alta de 4,4%.

"Além do calor, há a mudança da participação dos serviços na economia. O padrão de consumo tem sido alterado também em razão disso", afirmou a ex-diretora da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica) Joísa Campanher Dutra.

De 2004 a 2012, o setor de serviços elevou sua participação relativa no PIB em 5,7 pontos percentuais, de 63% para 68,7%.

EFEITOS

Não há um consenso entre especialistas sobre os possíveis riscos do deslocamento do horário de pico.

Nivalde de Castro, coordenador do Gesel/UFRJ (Grupo de Estudos do Setor Elétrico), não vê risco de desabastecimento, pois a demanda por energia é suprida com o sistema atual.

Reinaldo Souza é menos otimista. Avalia que consumo elevado em um horário não convencional, poucas chuvas, reservatórios baixos e uso intensivo de energia térmica pode induzir o sistema a falhas maiores e mais regulares.

Para Joísa Dutra, ex-diretora da Aneel, pode surgir debate sobre elevar a tarifa no novo horário de pico.


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