Folha de S. Paulo


Ilhas Cook atraem ricaços dos EUA

Imagine um paraíso onde você possa estar à prova de ações judiciais. Um lugar para esconder seus bens longe do alcance de ex-mulheres, sócios furiosos ou pacientes que poderiam processá-lo.

Advogados dizem ter encontrado o lugar perfeito: as ilhas Cook. Centenas de ricaços esconderam ali o seu dinheiro, incluindo um sujeito que administrava um esquema de pirâmide financeira que movimentou US$ 7 bilhões.

Essas ilhas minúsculas no meio do Pacífico não seriam nada mais do que lindos atóis de corais se não fosse por um detalhe: as Cook são pioneiras mundiais em fundos "offshore" de proteção de ativos, com leis criadas para proteger bens de estrangeiros contra ações judiciais em seu país de origem.

As ilhas Cayman, a Suíça e as Ilhas Virgens Britânicas permitem que corporações e pessoas ricas protejam seus rendimentos do governo americano. As ilhas Cook oferecem uma diferente forma de sigilo: elas geralmente ignoram ordens de tribunais estrangeiros.

Ganhou uma ação contra o seu médico por imperícia? Para receber, você terá de ir para o outro lado do planeta e abrir um novo processo numa corte das ilhas Cook, com base na lei local.

Howard Rosen, advogado de Coral Gables (Flórida), há mais de 20 anos cria fundos fiduciários nas ilhas Cook. Qualquer um com mais de US$ 1 milhão em ativos, segundo o site da sua empresa, deveria considerar o investimento em trustes das Cook para autopreservação, mas isso vale especialmente para incorporadores imobiliários, provedores de assistência médica, contadores, arquitetos e diretores de corporações.

Órgãos reguladores internacionais vêm assumindo uma atitude mais ofensiva em alguns casos, mas dão pouca atenção às Cook. Os americanos são os maiores clientes dos fundos de proteção de ativos, que podem ser mantidos apenas por estrangeiros. Há 2.619 desses fundos, de acordo com a Comissão de Supervisão Financeira das Cook. É contra a lei nessas ilhas identificar o proprietário desses fundos ou fornecer qualquer informação sobre eles.

Mas um conjunto de documentos obtidos pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (Icij, na sigla em inglês), com sede em Washington, revela os donos de cerca de 700 fundos fiduciários nas Cook. Os dados constam de um arquivo de 2,5 milhões de documentos com informações sobre clientes de paraísos fiscais em todo o mundo.

Um estudo dos documentos das ilhas Cook feito pelo "New York Times" e pelo Icij mostra que esses fundos são populares entre os abastados de Palm Beach, Nova York e Hollywood. Os proprietários dos fundos incluem condenados por fraude no Medicaid, em esquemas de pirâmide financeira e em trapaças nos fundos de pensão de funcionários. Muitos outros são simplesmente ricos.

Os documentos descreviam um fundo nas ilhas mantido por Denise Rich, ex-mulher do operador financeiro Marc Rich, que caiu em desgraça, mas foi perdoado no último dia da Presidência de Bill Clinton. O fundo gerido por ela continha mais de US$ 100 milhões em ativos, incluindo seu iate Lady Joy, um Learjet 60 e uma conta bancária na Suíça.

Não há nada de ilegal em criar um fundo fiduciário nas ilhas Cook, e colocar ativos num deles não elimina a obrigação de pagar impostos sobre os rendimentos desses bens. Mas os fundos exercem um atrativo para quem suspeita que poderá ser levado à Justiça: médicos acusados de imperícia no exercício da profissão, empresários evitando credores e algumas pessoas processadas pelo governo federal.

R. Allen Stanford, que cumpre pena de 110 anos de prisão por ter planejado uma pirâmide financeira, tinha o "Baby Mama Trust" nas ilhas Cook, assim chamado em referência a uma amante com a qual tinha dois filhos e era a beneficiária do fundo. O "Baby Mama" continha ativos provenientes da venda de uma casa de US$ 2,5 milhões na Flórida.

Para as ilhas, o negócio dos fundos tem sido bom. As Cook têm um governo estável e um Judiciário sofisticado, baseado no direito comum inglês. Os negócios gerados pelos fundos -taxas de registro, impostos sobre empresas administradoras e seus empregados e vários serviços de apoio- respondem por pouco mais de 8% dos US$ 300 milhões de dólares do PIB do arquipélago, ficando atrás do turismo e da pesca.

Autoridades locais dizem que estão querendo aproveitar seu sucesso com os americanos para fazer propaganda dos fundos a clientes na China e em outras partes da Ásia. Novos clientes asiáticos podem ajudar as ilhas caso as autoridades americanas venham a voltar sua atenção para os fundos de lá. Mas, no momento, essa mudança não está acontecendo.

"Washington olha para onde há muito dinheiro", disse o professor de tributação Stephen Shay, da Escola de Direito da Universidade Harvard. "Isso significa evasão fiscal de multinacionais. Mas, à medida que o governo espreme esses grandes lugares, mais dinheiro vai para rincões cada vez menores. Isso transformará as Cook em um alvo", disse ele.


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