Folha de S. Paulo


Antes da derrocada, Eike investiu em uma fábrica de jipes que fechou sem explicação

Dos 15 anos como dono de um jipe JPX, o advogado Adriano Moura estima tê-lo deixado parado por 7. Não conseguia peças para o conserto depois que Eike Batista encerrou seu projeto da montadora, de mesmo nome, no início dos anos 2000.

Muito antes da derrocada das empresas X, Moura e outros proprietários já conheciam bem uma empreitada malsucedida de Eike.

Ex-concessionários afirmam ter o maior prejuízo. Acreditaram na aposta de Eike, investiram em lojas e um dia acordaram com a fábrica fechada, sem explicações.

Estima-se que ao menos mil veículos da marca ainda circulem pelas ruas e, principalmente, pelas terras do país. É quase um terço do que a montadora de Pouso Alegre (MG) produziu durante a sua operação, de 1994 a 2001.

Os primeiros afetados pelo empresário criaram uma rede de contatos no início dos anos 2000: um clube de jipeiros que, além de promover passeios, ajuda a buscar peças para quem precisa consertar seu veículo.

No Clube do JPX, os "órfãos do Eike", como costumam se chamar, compartilham técnicas de adaptação de peças de outros fabricantes para driblar a falta de reposição causada pelo fim da fábrica.

"Ele [Eike] vendeu o carro e não se preocupou com o pós-venda", diz Moura.

Por vezes, os jipeiros usaram a rede para se unir em pedidos a fabricantes de autopeças, para que abrissem uma exceção na linha e produzissem componentes do jota, como é conhecido o carro.

O mecânico João Antônio, ex-funcionário da fábrica do JPX, já viajou pelo país para fazer a manutenção dos jipes. São os donos do veículo que pagam o transporte e a hospedagem, além do serviço.

Da última vez, um cliente pagou mais de R$ 1.500 para que ele levasse um cabeçote de Pouso Alegre ao interior do Paraná, onde ficou mais de dois dias para fazer o reparo.

FANATISMO

Apesar do sacrifício e do custo, os jipeiros não se cansam de repetir: "Quem tem um jota não troca". Vários deles têm mais de um.

Por trás das aquisições, há uma boa dose de fanatismo. Afinal, amantes de raridades automotivas são comuns a outras marcas extintas.

O caso dos jipes de Eike é singular pela qualidade da suspensão, citada por todos os proprietários.

"É a limusine dos jipes. Tem uma suspensão muito boa, nem parece jipe", diz o engenheiro Carlos Delgado, que, há cerca de um ano, pagou R$ 20 mil por um JPX com 110 mil km rodados.

Não fossem os problemas de potência e superaquecimento que mancharam sua reputação, a marca X, profetiza o grupo, existiria até hoje e seria forte como a irmã mais nova Troller, outra montadora brasileira mais tarde comprada pela Ford.

JUSTIÇA

Para alguns proprietários, os jipes são uma opção de lazer. Mas há uma ala entre os "órfãos" que tratou as queixas mais a sério e entrou na Justiça contra Eike. São os proprietários e os concessionários que buscam indenização pelos problemas que tiveram com o fechamento repentino da fábrica de Pouso Alegre.

O ex-concessionário mineiro Eduardo Cunha processou Eike por tê-lo deixado na mão numa encomenda para a estatal de desenvolvimento agrário de Minas Gerais. Ele vencera a licitação da estatal, mas não tinha jipes para entregar.

Cansado de ouvir promessas ao telefone, diz, foi pessoalmente à fábrica. Encontrou grama no trilho de um portão de correr. "A fábrica estava fechada há muito tempo e eles me enrolavam pelo telefone", afirmou.

Mesmo com a vitória em diversas instâncias –a última foi no STJ (Superior Tribunal de Justiça), em 2010– Cunha dúvida que vá receber algo. "Com quem tem dinheiro não acontece nada. O cara me tirou do ar", diz.

Uma tentativa de acordo no processo, iniciada a partir das manchetes sobre a figuração do empresário em rankings das maiores fortunas mundiais, falhou com a recente derrocada do grupo X.

"Meu advogado falou: `não tem acordo porque agora ele está quebrado'. Foi quando [a ação] a petroleira chegou a valer R$ 0,13"
Procurado, o empresário não quis comentar.

PREJUÍZO

A JPX é um fracasso reconhecido por Eike. As poucas páginas dedicadas ao tema em sua autobiografia citam o caso como um aprendizado e garantem que todas pendências foram resolvidas. Ele não fala sobre a decisão de fechar.

A versão mais repetida por ex-funcionários e concessionários diz que o negócio ficou financeiramente inviável. As estimativas do prejuízo acumulado variam de US$ 40 milhões a US$ 100 milhões.

Em 2010, o empresário deixou escapar seu desejo de voltar ao ramo: anunciou planos para construir uma fábrica de carros elétricos no Porto do Açu. O projeto, porém, nunca se concretizou.


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