Folha de S. Paulo


Índio e custo acirram debate sobre usina

Críticos ao modelo energético brasileiro e ambientalistas marcaram presença no debate sobre a construção da usina de Belo Monte (no Pará, no rio Xingu) anteontem no auditório da Folha.

Veja o site "Tudo sobre Belo Monte

A construção da usina demanda investimento de R$ 30 bilhões e a primeira turbina deve começar a gerar energia em 2015.

O debate, mediado por Marcelo Leite, jornalista organizador da reportagem "A Batalha de Belo Monte", reuniu o professor Wilson Cabral, do ITA, André Villas-Bôas, secretário-executivo do Instituto Sócio Ambiental (ISA), e Antônio Kelson Elias Filho, diretor de Construção da Norte Energia.

Fabio Braga/Folhapress
Wilson Cabral, Andre Villas-Boas, Antonio Kelson Elias Filho e Luiz Pinguelli Rosa em debate sobre usina
Wilson Cabral, Andre Villas-Boas, Antonio Kelson Elias Filho e Luiz Pinguelli Rosa em debate sobre usina

Representantes do governo federal foram convidados a participar do evento, mas não puderam comparecer por problemas de agenda. Foram convidados Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás e diretor da Coppe/UFRJ.

Kelson procurou responder um a um aos principais questionamentos dos demais debatedores e da plateia: 1) o valor da obra, que teria saído de casa de R$ 6 bilhões para os atuais R$ 30 bilhões; 2) o fato de que a obra aumentou em 50% a população local; 3) a viabilidade econômica do projeto; 4) o desmatamento ocasionado pela usina; 5) o impacto nas populações indígenas; 6) inundações na cidade de Altamira (PA), entre outros. Às respostas:

1) "O valor de Belo Monte foi R$ de 25,89 bilhões na data do leilão. Esse valor é reajustado pelo IPCA, daí os atuais R$ 30 bilhões. É o mesmo valor do leilão", disse.

2) "Não é verdade que a população aumentou mais de 50%. Fizemos as contas e, nos nossos cálculos, o aumento foi de 8%."

3) "A viabilidade [econômica] foi comprovada pelo leilão. Houve uma SPE [Sociedade de Propósito Específico], composta de empresas públicas e privadas, que chegou à conclusão de que era viável, e deu o lance."

4) "O desmatamento é menos de 5% do que ocorre anualmente na Amazônia. Belo Monte vai alimentar 60 milhões de pessoas em termos de energia", afirmou.

5) "Quase virou um dogma dizer que Belo Monte atrapalha a vida dos indígenas. Vocês sabiam que a aldeia mais próxima está a mais 30 km do ponto mais extremo da obra? Que não é atingido um milímetro quadrado de terra indígena?".

6) "Queria esclarecer também que a cidade de Altamira, mesmo sem barragem tem, historicamente, o rio a 99 metros acima do nível do mar. A barragem vai manter o rio em 97 metros para não ter inundação", disse.

VAIA

Para Kelson, é importante ressaltar os benefícios que serão dados à população local em termos de água, de esgoto, de escola. "Quem ganha é o povo brasileiro que vai pagar uma tarifa de R$ 78 por MWh, quando se sabe que as térmicas têm custo superior a R$ 400, além da poluição."

Em um determinado momento, quando se referia aos desejos dos índios, Kelson foi vaiado ao afirmar que "índio também quer ser gente", pelo que prontamente se desculpou. "Então me desculpe... vamos dizer que eles querem ter os mesmos direitos do cidadão brasileiro. Não quer ser isolado. Ele quer a comodidade da cidade, quer uma vida melhor."

Para Villas-Bôas, o poder público não está preparado para responder à altura a todos os impactos ambientais e sociais que uma obra como Belo Monte trouxe a região.

"Um projeto que custa R$ 30 bilhões e mobiliza 25 mil trabalhadores tem um impacto muito grande. Não acredito que todos os investimentos socioambientais que deveriam ser minimamente realizados acrescentariam custo adicional. Essa conta nunca foi feita", disse.

O ambientalista afirmou que foram gastos R$ 100 milhões no "relacionamento" com os povos indígenas, o qual chamou de "cooptação".

O questionamento foi prontamente respondido por Kelson, que reconheceu que as chamadas compensações acabaram mais por beneficiar lideranças indígenas do que as aldeias.

MODELO ENERGÉTICO

O professor Wilson Cabral, do ITA, centrou suas intervenções no modelo energético do país. Disse que foram vários os equívocos, especialmente no momento de definir a evolução da demanda de energia nos próximos anos. Ele lembra que essa evolução foi concebida com a premissa de que a economia brasileira cresceria 5% ao ano nos próximos dez anos, mas que o quadro atual é de 2% ao ano.

Também afirmou que houve uma mudança importante no consumo, cujo pico se deslocou do início da noite (entre 19h e 20h, devido ao chuveiro elétrico) para entre 13h e 14h, momento mais quente do dia, quando os aparelhos de ar condicionado estão em plena capacidade.

"Se tivéssemos 2% de energia solar, estaríamos resolvendo o problema do pico de consumo. O pico hoje não é mais das 18h às 20h; é das 13h às 14h por causa do ar condicionado. Esse é o pico da energia solar", disse.

Cabral diz que a usina de Belo Monte, apesar de ser PPP (Parceria Público Privada) com 51% de participação privada (incluindo os fundos de pensão estatais), tem 95% de dinheiro público.

"Quando eu dou um financiamento com taxa menor do que a Selic, é dinheiro público que está lá. Quando o governo autoriza a Eletrobras a comprar energia fora do valor normativo a R$ 129 o MWh, enquanto a média do mercado é R$ 79, isso é dinheiro público. É isso que está viabilizando a participação privada, a única que não vai ter prejuízo nesse processo."

O único consenso do debate foi em relação ao timing das chamadas medidas compensatórias para minimizar os impactos da obra, que hoje só ocorrem após o leilão. Para os debatedores, o governo poderia iniciá-las antes do leilão e depois cobrar a conta dos vencedores.


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