Folha de S. Paulo


Debate sobre Belo Monte esquenta com questionamento de ambientalistas sobre índios

Ambientalistas e críticos ao modelo energético brasileiro marcaram presença ontem no debate sobre a construção da usina de Belo Monte, ocorrida no auditório da Folha.

A construção da usina, cuja obra foi suspensa novamente pela Justiça, demanda investimentos de R$ 30 bilhões e a primeira turbina deve começar a gerar energia, pelo prazo contratual, em fevereiro de 2015.

O debate, que foi mediado pelo repórter especial Marcelo Leite, organizador da reportagem "A Batalha de Belo Monte", primeira da série de dossiês digitais "Tudo Sobre", reuniu o professor Wilson Cabral, do ITA, André Villas-Bôas, secretário-executivo do Instituto sócio ambiental (ISA) e Antônio Kelson Elias Filho, diretor de Construção da Norte Energia.

Representantes do governo federal foram convidados a participar do evento, mas não puderam comparecer por problemas de agenda. Foram convidados Mauricio Tolmasquim, presidente da EPE (Empresa de Pesquisa Energética) e Luiz Pinguelli Rosa, ex-presidente da Eletrobrás e diretor diretor da Coppe/UFRJ

Sem representantes do governo, Kelson procurou responder um a um aos principais questionamentos dos demais debatedores e da plateia: 1) o valor da obra, que teria saído de casa de R$ 6 bilhões para os atuais R$ 30 bilhões; 2) o fato de que a obra aumentou em 50% a população local; 3) a viabilidade econômica do projeto; 4) o desmatamento ocasionado pela usina; 5) o impacto nas populações indígenas; 6) inundações na cidade de Altamira, entre outros. Veja as respostas:

1) "O valor de Belo Monte foi R$ de 25,89 bilhões na data do leilão. Esse valor é reajustado pelo IPCA, daí os atuais R$ 30 bilhões. Não é verdade que mudou; é o mesmo valor do leilão", disse.

2) "Não é verdade que mais de 50% da população aumentou. Só a cidade de Altamira tinha 105 mil habitantes; todos aqueles 11 municípios atingidos não ultrapassam 300 mil. Estamos falando da casa de 8%", completou.

3) "A viabilidade [econômica] foi comprovada pelo leilão. Houve uma SPE [Sociedade de Propósito Específico], composta de empresas públicas e privadas, que chegou à conclusão de que era viável, e deu o lance no leilão. Quem ganhou com isso foi o povo brasileiro que vai pagar uma tarifa de R$ 78 por MWh quando se sabe que as térmicas hoje tem custo superior a R$ 400, além da poluição", disse.

4) "O desmatamento da usina de Belo Monte é menos de 5% do que se desmata anualmente na Amazônia. Belo Monte vai alimentar 60 milhões de pessoas em termos de energia", afirmou.

5) "Quase que virou um dogma dizer que Belo Monte atrapalha a vida dos indígenas. Vocês sabiam que a aldeia mais próxima está a mais 30 km do ponto mais extremo da obra? Que não é atingido um milímetro quadrado de terra indígena? Isso é um fato".

6) "Queria esclarecer também que a cidade de Altamira, mesmo sem barragem tem, historicamente, o rio a 99 metros acima do nível do mar. A barragem vai manter o rio em 97 metros para não ter inundação. Então, me perguntam por que vocês estão fazendo tantas casas lá? É uma compensação. Por causa da barragem não precisava", completou.

VAIA

Para Kelson, é importante ressaltar os benefícios que serão dados a população local em termos de água, de esgoto, de escola. "Nós temos 28 escolas construídas. Nós temos salas de aula vazias hoje. Se isso foi uma compensação para a ida de trabalhadores para lá, veja quantos filhos de trabalhadores estão matriculados nessas escolas? Nenhum, porque a grande maioria foi para lá solteiro. Os casados estão vindo agora porque temos uma vila com escola própria", disse.

Fabio Braga/Folhapress
Da esquerda para direita: Antônio Kelson Elias Filho, diretor de Construção da Norte Energia, Marcelo Leite, repórter especial da Folha, André Villas-Bôas, secretário-executivo do ISA (Instituto Socioambiental)e Wilson Cabral (ITA), no debate da Folha
Da esquerda para direita: Antônio Kelson Elias Filho, diretor de Construção da Norte Energia, Marcelo Leite, repórter especial da Folha, André Villas-Bôas, secretário-executivo do ISA (Instituto Socioambiental)e Wilson Cabral (ITA), no debate da Folha

E um determinado momento, quando se referia aos desejos dos índios, Kelson foi vaiado ao afirmar que "índio também quer ser gente", pelo que prontamente se desculpou.

"O índio quer ser gente, quer ter oportunidade, quer ter direitos de estudar em uma escola, de ter educação. Ele quer isso aí que ele nunca teve. [vaias] Então me desculpe... vamos dizer que eles querem ter os mesmo direitos do cidadão brasileiro. Ele não quer ser isolado. Ele quer a comodidade da cidade, quer uma vida melhor", afirmou.

TV DE PLASMA PARA OS ÍNDIOS

Para Villas-Bôas, o poder público não está preparado para responder a altura todos os impactos ambientais e sociais que uma obra como Belo Monte trouxe a região.

"Um projeto que custa R$ 30 bilhões, mobiliza 25 mil trabalhadores, acrescenta mais de 50% da população na região, tem um impacto muito grande. Esse impacto não é devidamente dimensionado seja no sentido das ocupações, dos direitos, da qualidade de vida da população na região seja até no custo efetivo dessa opção energética. Não acredito que todos os investimentos sócio-ambientais que deveriam ser minimamente realizados nessa região, e sequer foram dimensionados, acrescentariam um custo adicional ao preço dessa energia. Essa conta nunca foi feita", disse.

O ambientalista afirmou que foram gastos R$ 100 milhões no "relacionamento" com os povos indígenas, o qual ele classifica como de "cooptação". "No caso indígena, a perversidade foi imensa. São nove povos com menos de 50 anos de contato. Em muitos desses povos, pouquíssimas pessoas falam português. Se quisesse fazer um processo de consulta prévia, deveria ter tradutores, para assegurar o entendimento. Não ocorreu esse diálogo", completou.

O questionamento foi prontamente respondido por Kelson, que reconheceu que as chamadas compensações acabaram mais por beneficiar lideranças indígenas do que às aldeias.

"Vimos o descalabro de equipamentos como carros vendidos por R$ 4 mil. Eram caminhonetes na média de valor de R$ 80 mil. Aquele dinheiro irá para cachaça e na aldeia mesmo não chegava nada. Temos que seguir as diretrizes da Funai. Mas todos os brasileiros têm que dar um jeito de obrigar a Funai a fazer a coisa certa. A gente nota que eles tem uma carência operacional", disse.

"O índio quer antena [parabólica] para pegar a televisão. Ele quer a pista de pouso [para avião] porque se precisar sair de uma maneira emergencial ele tem como sair. Nenhuma das aldeias indígenas lá, estamos falando de nove povos em 11 terras, que montam 3.000, nenhum deles quer que a obra pare. Os índios que hoje são contrários são os mundurucus, que estão a 800 km da obra, usando Belo Monte como palco para serem ouvidos nessas outras usinas que serão construídas nos próximos oito a dez anos [no rio Tapajós]", afirmou.

"Vamos ser realistas. O IBGE soltou uma pesquisa sobre a população brasileira. Temos uma população indígena de 900 mil e fiquei estarrecido ao saber que 74% mora fora das aldeias".

MODELO ENERGÉTICO

O professor Wilson Cabral, do ITA, centrou suas intervenções no modelo energético do país. Disse que foram vários os equívocos, especialmente no momento de definir a evolução da demanda de energia nos próximos anos. Ele lembra que essa evolução foi concebida com a premissa de que a economia brasileira cresceria 5% ao ano nos próximos dez anos, mas que o quadro atual é de 2% ao ano.

Também afirmou que houve uma mudança importante no consumo, cujo pico se deslocou do início da noite (entre 19h e 20h, devido ao chuveiro elétrico) para entre 13h e 14h, momento mais quente do dia, quando os aparelhos de ar condicionado estão em plena capacidade;

"Se tivéssemos 2% de energia solar estaríamos resolvendo o problema do pico de consumo. O pico hoje não é mais das 18h às 20h; é das 13h às 14h por causa do ar condicionado. Esse é o pico da energia solar", disse.

Para Cabral, a usina de Belo Monte, apesar de ser uma PPP (Parceria Público Privada) com 51% de participação privada (incluindo os fundos de pensão estatais), tem 95% de dinheiro público.

"Quando eu dou um financiamento com taxa menor do que a Selic é dinheiro público que está lá. Quando o governo autoriza a Eletrobras a comprar energia fora do valor normativo a R$ 129 o MWh, enquanto a média do mercado é R$ 79, isso é dinheiro público. É isso que está viabilizando a participação privada que é a única que não vai ter prejuízo nesse processo", disse.


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