Folha de S. Paulo


Análise: Vale a pena pagar tanto pelo 'patinho feio' dos aeroportos?

Parece estranho que o Aeroporto Internacional de São Paulo, que tem o dobro do faturamento e passageiros, tenha custado menos aos seus concessionários que o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. Guarulhos teve valor da outorga de R$ 16,2 bilhões no ano passado e Galeão (RJ), R$ 19 bilhões no leilão realizado nesta sexta-feira (22).

Alguns fatores relativizam essa estranheza. No caso do Guarulhos, o valor tem que ser pago anualmente por 20 anos. Já para o Galeão, são 25 anos. Cinco anos a mais, além de tornar a parcela menor, fazem uma enorme diferença numa concessão porque é no fim do período --com os maiores investimentos já feitos-- que entram muitos recursos e saem poucos.

Além disso, em Guarulhos, a concessionária tem que pagar 10% do faturamento anual ao governo, o que dava mais uns R$ 2 bilhões em valor presente no ano em que o leilão foi feito, contra algo como R$ 1,2 bilhão pelo Galeão.

Considerando esses fatores, o Galeão é levemente mais barato. Ainda assim, vale a pena pagar tanto por uma unidade considerada o "patinho feio" dos aeroportos do Brasil?

O leilão demonstrou que vale. E muito. Conforme a Folha mostrou em abril de 2012, logo após o fim da concorrência dos aeroportos de Guarulhos, Campinas e Brasília, haveria muita disputa pelo aeroporto do Rio de Janeiro.

Não foi apenas a dupla vencedora Odebrecht/Changi que fez proposta ousada. A EcoRodovias/Fraport também fez proposta maior que a que havia feito pelo aeroporto de Guarulhos (R$ 13 bilhões agora contra R$ 12 bilhões em 2012). O consórcio Carioca Engenharia/ACP e Schipol fez o mesmo.

PROJETO DOS MILITARES

Galeão vale tanto porque foi projetado pelos militares durante a ditadura para ser o maior aeroporto do Hemisfério Sul: o cisne dos aeroportos. Sua capacidade pode chegar a 80 milhões de passageiros ao ano, quase 500% a mais do que opera atualmente. Guarulhos não consegue crescer mais do que 60% a 70% de sua capacidade atual.

Além disso, a atual situação do aeroporto é basicamente causada por uma péssima gestão da Infraero, a responsável por torná-lo o "patinho feio".

A unidade, onde por muitos anos ficou a sede da estatal, era inchada, lenta e sem planejamento. Explora mal suas áreas comerciais e de carga e não consegue dar respostas a problemas simples.

Um exemplo: os apagões frequentes da unidade podem ser resolvidos por uma obra que não custa mais de R$ 500 mil. Mas, desde 2005, orçamentos são feitos, com, no mínimo, o triplo do valor necessário, e o problema não se resolve.

A vencedora terá um desafio que é o instável Rio de Janeiro continuar sua trajetória de crescimento e melhoria da gestão pública. Sem isso, por melhor que se trabalhe, não dá para ir muito longe. Passageiros e cargas locais sempre serão os principais originadores de receitas de um aeroporto. E um aeroporto depende da qualidade dos serviços públicos ao redor para ser bem avaliado.

O irônico é que o vencedor do Galeão foi um dos que mais reclamou do ágio dado pelo aeroporto paulista pelo consórcio Invepar e Acsa (África do Sul), fazendo coro aos que diziam que o pagamento ao governo tão elevado poderia tornar o aeroporto inviável. Terão o desafio de mostrar que não fizeram o mesmo com o Galeão, comprometendo assim sua transformação em cisne.


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