Folha de S. Paulo


Energia solar vira fonte de renda no sertão baiano

Contemplada pelo programa Minha Casa, Minha Vida há dois anos, Gilsa Martins de Oliveira, 54, tornou-se proprietária de uma casa de dois quartos no condomínio Morada do Salitre, em Juazeiro (BA). A partir do final deste mês, ela passa a gerir também uma "microusina" doméstica de energia solar.

"Eu tô animada, já tinha ouvido falar dessas placas, mas sabia que existia só em casa de rico", conta.

Síndica do condomínio, ela se refere aos painéis fotovoltaicos plantados sobre os telhados de mil casas em dois projetos residenciais populares para transformar luz do sol em energia no sertão baiano.

A 395 km dali, em Feira de Santana (BA), a nova fábrica de pneus da Pirelli, prevista para ser inaugurada em meados do ano que vem, também vai utilizar coletores solares gigantes para produzir vapor, tecnologia inédita no mundo em escala industrial.

O calor do sol nordestino será colhido por espelhos gigantes espalhados por uma superfície de 2.400 m² e armazenado em tubos que manterão a temperatura a 500°C. "O equipamento solar será conectado diretamente às linhas de vapor utilizadas para a produção de pneus", explica Mario Apollonio, gerente de energia da Pirelli.

"Com o uso de energia solar, a emissão de carbono será zerada nessa etapa", explica o técnico. A estimativa é de redução de 2.000 toneladas na emissão de C0², em cinco anos, sem a queima de gás natural ou diesel para alimentar as caldeiras.

"É um projeto que começou a nascer na Rio+20", explica à Folha Paolo Dal Pino, presidente da Pirelli para América Latina. O investimento é de cerca de 2 milhões de euros, em parceria com o Ministério do Meio Ambiente da Itália. "É o começo de um percurso do compromisso de reduzir o uso de combustíveis fósseis na cadeia produtiva", diz o CEO.
energia limpa

As duas experiências-piloto são sinais de que o Brasil, terra das hidroelétricas gigantes, começa a despertar para outras formas de geração de energia limpa.

Parceria da Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal com a empresa Brasil Solair, o projeto também pioneiro no Minha Casa, Minha Vida foi regulamentado no mês passado pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica).

A estimativa é de que a instalação de 9.500 painéis solares nos dois condomínios produza 3.600 megawatts por ano. "Toda a energia gerada será medida e vendida para a própria Caixa", explica Nelson da Silveira, presidente da Brasil Solair.

O projeto tem capacidade instalada para gerar 3.500 MW/h, suficientes para abastecer 1.600 casas populares. Os sistemas de geração serão conectados ao de distribuição da Coelba (Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia).

Estudos preliminares calculam que a energia excedente a ser produzida nos dois residenciais corresponderá à quase totalidade do consumo anual do prédio central da Caixa em Salvador. O valor que o banco pagaria à Coelba será repassado então à associação de moradores pela distribuidora.

Orçado em R$ 7 milhões, o projeto de microgeração de energia é voltado para moradores com renda de até três salários mínimos, organizados numa associação que vai administrar os recursos.

Divulgação
Painel fotovoltaico é instalado em residência do Minha Casa, Minha Vida em Juazeiro (BA)
Painel fotovoltaico é instalado em residência do Minha Casa, Minha Vida em Juazeiro (BA)

GERAÇÃO DE RENDA

Depois de abatida as despesas, cada morador deve receber cerca de R$ 90, por mês.

Desempregada, Gilsa cria três netas e recebe R$ 180 do Bolsa Família, sua principal fonte de renda. "Todo dinheiro a mais é bem-vindo."

Ela consome 30 KW/mês de energia. Sua conta de luz oscila em torno de R$ 20. Paga R$ 60 de prestação da casa.

A ideia é associar geração de energia e renda. "Uma análise das áreas de maior incidência de sol no Brasil revela que quanto maior intensidade de luz solar maior é a pobreza", diz Silveira, da Brasil Solair. "As duas manchas são coincidentes no mapa."

A empresa também investe em projetos de fazendas solares no Nordeste. "Nosso negócio é criar demanda de painéis fotovoltaicos no país em projetos nos quais exista uma lógica econômica, social e ecológica", diz o empresário.

TECNOLOGIA ITALIANA

Os italianos também apostam no potencial brasileiro. "Além deste projeto na Bahia, estamos propondo o uso de tecnologia similar para geração de eletricidade em São Paulo, na construção civil, universidades e hospitais", explica Corrado Clini, diretor do Ministério do Meio Ambiente da Itália.

Os italianos estão em tratativas para levar a tecnologia --patenteada pelo grupo Angelantoni em parceria com o Politécnico de Milão-- também para empreendimentos em Pernambuco.


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