Folha de S. Paulo


Justiça investiga suspeita de golpe em processos em série contra banco

A Justiça do Amazonas abriu uma sindicância para apurar possíveis irregularidades na tramitação de uma série de ações de servidores públicos contra o banco Bradesco. As ações questionam a cobrança indevida da cesta de tarifas e serviços oferecida pelo banco aos servidores.

A sindicância vai apurar a ação de uma suposta indústria de ações patrocinadas por advogados, com o apoio de servidores do Judiciário e de juízes contra o banco. Nenhum juiz ou advogado em particular foi citado.

Desde abril, as comarcas do Estado receberam 2.023 ações praticamente idênticas, reclamando indenização por danos morais e materiais ao Bradesco, pela cobrança indevida da chamada cesta básica de tarifas oferecidas aos servidores que recebem salário pelo banco.

O valor médio das ações é de R$ 2.600. Há suspeita de que mais da metade do valor das indenizações fiquem com os advogados.

A decisão foi do desembargador Yedo Simões de Oliveira, da Corregedoria-Geral do Estado do Amazonas, e abrange as comarcas de Manacapuru, Santo Antônio do Içá e Borba.

"As ações são ajuizadas em lotes de mais de cem, todas idênticas e patrocinadas pelos mesmos advogados nas comarcas", escreveu o desembargador, em seu despacho.

A captação coletiva de clientes, por meio de mandatos e de contratos padronizados, é vedada pelo código de ética da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).

No despacho, o desembargador aponta "evidência de captação de clientela" e "padronização de peças", que levaram o banco a ter dificuldade para se defender, uma vez que dezenas de audiências de conciliação são realizadas numa mesma data e em locais diferentes.

Entre as irregularidades apontadas, a mais frequente é o descumprimento do prazo legal de dez dias entre o recebimento da ação pela comarca e a citação do banco para sua defesa, contrariando o Código de Processo Civil.

No despacho, o desembargador determinou a suspensão dos processos da mesma natureza por 60 dias ou até que termine a sindicância. A decisão, porém, não impede a entrada de novas ações questionando o pacote de tarifas, como pedia o banco.

O desembargador ainda advertiu as comarcas de Tapauá, São Paulo de Olivença, Humaitá e Novo Airão para observar os prazos e procedimentos cabíveis para evitar abusos e cerceamento de direitos de defesa.

À Folha, o desembargador afirmou que algumas decisões foram tomadas pelos juízes do Estado sem o comparecimento do Bradesco para defesa. Ele afirmou que o banco é chamado para uma audiência em uma cidade do interior, no meio da floresta, que muitas vezes está a mais de 1.000 km de distância de barco, com menos de uma semana de antecedência.

"Estamos apurando para depois chegar a uma conclusão. São em torno de 2.000 ações que ingressaram de uma hora para a outra. É uma coisa surpreendente e um número de processos que realmente assusta", disse.

Para o desembargador, não cabe neste momento discutir se o banco deveria ou não cobrar as tarifas, mas se a Justiça observou os prazos e os aspectos processuais dos julgamentos.

Procurado, o Bradesco não quis comentar o caso. A Folha também entrou em contato com a Associação dos Magistrados do Estado do Amazonas, mas não obteve resposta até o momento.


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