Folha de S. Paulo


Oásis fiscal em SP dá sede fictícia por R$ 100

Por telefone, solícitos atendentes explicam como é fácil e barato registrar uma empresa em Santana de Parnaíba, uma das cidades brasileiras que viraram paraíso fiscal com oferta de impostos reduzidos e burocracia mínima.

É possível registrar uma empresa ali mesmo sem nunca ter pisado no município e pretendendo operar, de fato, a 1.000 km de distância ou até fora do Brasil, afirmam representantes de três empresas especializadas em abrir negócios ouvidas pela Folha.

Para alugar um "endereço fiscal" na cidade colada a São Paulo, uma espécie de sede de fachada usada simultaneamente por mais de uma dezena de empresas, basta pagar de R$ 100 a R$ 203.

A atendente não informa, mas quem optar pela oferta de R$ 100 dividirá a "sede" a pouco mais de 1 km da prefeitura com quatro empresas investigadas pela Polícia Federal por um esquema de desvio de dinheiro público.

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A casa rosa numa rua pacata é um dos dois endereços oferecidos pela Lokal Assessoria, cuja atendente afirma não saber se todos os seus clientes são "de boa fé".

"Alugar endereço fiscal é prática comum. As empresas de fachada vão ser usadas de forma temporária, específica, pela organização criminosa", diz o delegado Cairo Costa, da divisão de repressão contra crimes financeiros da PF.

"Se é fácil para a pessoa comum abrir uma empresa porque a logística está construída, para a empresa usada pelo crime organizado ou na prática de ilícitos também é."

Santana é uma dessas cidades que, naturalmente, levanta suspeitas em investigações de crimes financeiros.

Ali estão registradas 13 das 16 empresas investigadas em São Paulo pela PF na operação Saqueador, que apura desvio de recursos públicos.

Além da casa rosa, há duas investigadas num número inexistente de uma rua na periferia. A poucos quilômetros, quatro empresas que movimentaram ao menos R$ 35 milhões funcionam numa sala com duas mesas, uma máquina de escrever à venda e um obsoleto fax, num sobrado na Estrada dos Romeiros.

SALTO

De 1997 a 2013, Santana de Parnaíba viu o número de empresas saltar de 2.000 para 20 mil, segundo a prefeitura. A fórmula de atração está, sobretudo, em benefícios fiscais na forma de leis municipais.

Um deles reduz a base de cálculo do ISS (Imposto sobre Serviços) que, por lei, deve variar de 2% a 5% mas, na prática, fica em torno de 0,7% para alguns setores.

Outro permite que um número infinito de empresas funcione no mesmo local, batizado de "escritório virtual" -a prefeitura exige apenas uma estrutura mínima com móveis e um funcionário.
O desacordo sobre a validade dessas leis transformou a guerra fiscal na Grande São Paulo numa disputa judicial.

A base de cálculo do ISS aplicada por Santana de Parnaíba já foi declarada inconstitucional pelo órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado em ação movida pela prefeitura da capital, vizinha.

Também no TJ-SP, o Ministério Público obteve decisão provisória para suspender a eficácia da lei que permite os escritórios virtuais.

Há duas semanas, o município sofreu duas derrotas: viu rejeitados no TJ-SP os recursos que defendiam a validade das duas leis. A prefeitura vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal.
O ISS é a segunda receita da cidade, que deve garantir neste ano R$ 102 milhões.

Os benefícios fiscais, oferecidos por Santana de Parnaíba e outros municípios próximos à capital como Barueri e Poá, passaram a atrair não só quem quer pagar menos imposto como também quem quer driblar o Fisco.

"Em muitos casos, o contribuinte de boa fé procurou o município atraído por essa legislação" afirma Fernando Fleury, assessor jurídico da Secretaria de Finanças da Prefeitura de São Paulo.

"Em alguns casos temos até hipóteses de crime contra a ordem tributária, uma simulação, que é uma abertura fictícia de um estabelecimento em outro município, mas de fato a empresa continua atuando em São Paulo."

Segundo ele, São Paulo perde nos dois casos: "Há uma evasão indevida de tributos". A prefeitura estima que, por causa da guerra fiscal, deixou de arrecadar R$ 500 milhões no ano passado.


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