Folha de S. Paulo


Best seller americano levanta discussão sobre carreiras das mulheres

Será que Sheryl Sandberg fala pelas mulheres dos Estados Unidos?

A julgar pela popularidade do best seller "Faça Acontecer: Mulheres, Trabalho e a Vontade de Liderar", a resposta pareceria ser sim. Mas Sandberg, vice-presidente de operações do Facebook e uma das mulheres mais ricas dos Estados Unidos, esbarrou em um paredão de críticas ao desconsiderar as barreiras institucionais que, para a maioria das mulheres, dificultam avançar em suas carreiras e ao mesmo tempo manter uma vida familiar satisfatória. Obstáculos como horários escolares impossíveis e falta de flexibilidade das empresas quanto à jornada de trabalho.

Ainda que as receitas de Sandberg possam parecer irrelevantes para as mães de classe média que não têm como pagar por um exército de babás, seu apelo à ação ainda assim atraiu atenção para um enigma que afeta as mulheres que nunca farão parte das listas de possíveis candidatos ao comando de uma grande companhia: o que dificulta a ascensão das mulheres?

Em 2006, escrevi que a ascensão das mulheres na força de trabalho, responsável pela transformação da economia dos Estados Unidos no século 20, parecia estar perdendo força no século 21, e as havia deixado em pico bem inferior ao galgado pelos homens.

Passados sete anos, a participação das mulheres no mercado de trabalho continua à deriva. O emprego masculino está caindo há décadas, e sofreu mais um forte abalo com a recessão.

Ainda assim, 82,5% dos homens na idade mais produtiva de trabalho, dos 25 aos 54 anos, têm empregos, de acordo com o Serviço de Estatísticas do Trabalho norte-americano. O mesmo se aplica a apenas 69,5% das mulheres.

A estagnação é intrigante. Claudia Goldin, da Universidade Harvard, uma das mais conhecidas especialistas na história das mulheres no local de trabalho dos Estados Unidos, em sua palestra Ely, pronunciada na reunião anual da Associação Americana de Economistas sete anos atrás, rejeitou a teoria de que o estoque de mão de obra feminina havia atingido um limite, um "teto natural".

A redução da participação feminina na força de trabalho, ela sugeriu então, refletia simplesmente uma mudança na idade típica de procriação feminina, da casa dos 20 para a dos 30 anos. Com o passar do tempo, essa redução da presença feminina na força de trabalho se corrigiria, com o retorno de muitas mães ao mercado de trabalho.

Hoje, Goldin não tem tanta certeza. "Estou reconsiderando a questão", ela me disse.

A oferta de mão de obra feminina não é a única coisa a ter chegado a um platô. A redução na disparidade salarial entre os sexos perdeu muito ímpeto a partir da metade dos anos 90. Nos últimos dez anos ou pouco mais, o salário típico de uma mulher em sua idade mais produtiva vem flutuando em torno de 80% do salário masculino para um trabalhador nas mesmas condições.

Os salários das mulheres mais jovens se aproximaram dos salários dos homens mais jovens. As mulheres mais velhas, porém, continuam a ser penalizadas por se afastarem do emprego por mais tempo e por aceitarem mais posições de tempo parcial a fim de lidar com as exigências da maternidade.

Como aponta Sandberg, a probabilidade de que uma mulher chegue ao topo da hierarquia empresarial parou de crescer. Apenas 17% dos conselheiros e 14% dos executivos das companhias que constam do ranking "Fortune 500" são mulheres, e a presidência-executiva dessas empresas é ocupada por homens, excetuados pouco mais de 20 casos. No extremo oposto do espectro de oportunidade, 16,3% das mulheres são oficialmente pobres, de acordo com dados do recenseamento, ante 13,6% dos homens.

A dinâmica é especialmente intrigante se considerarmos a velocidade com a qual as mulheres vêm acumulando capacitações comercializáveis.

Em 1980, apenas 13,6% das mulheres adultas tinham diplomas de graduação, ante 20% dos homens. Mas no ano passado, a disparidade havia praticamente desaparecido: 30,6% das mulheres e 31,4% dos homens tinham diplomas de graduação. E as mulheres ultrapassarão os homens em breve: no ano passado, para cada homem matriculado em uma faculdade com curso de quatro anos, havia 1,3 mulher na mesma situação.

A tendência é preocupante. A desaceleração na oferta de mão de obra feminina deve prejudicar o crescimento do país em longo prazo, de acordo com projeções do Serviço Orçamentário do Congresso. Um estudo da consultoria Booz & Co. no ano passado estimava que elevar a participação feminina na força de trabalho a patamar semelhante ao masculino aumentaria em pelo menos 5% o Produto Interno Bruto (PIB), atualmente de cerca de US$ 16 trilhões ao ano.

Economistas e políticos sugerem diversas formas de reduzir as barreiras que forçam muitas mulheres a escolher entre uma carreira e a maternidade, e reforçar os inventivos para que trabalhem. Isso pode significar forçar os empregadores a oferecer licença-maternidade mais generosa, ampliar a assistência do governo à criação de crianças e mudar a lei tributária de maneira a reduzir a penalidade que incide sobre famílias com dupla fonte de renda.

"Muita gente tenta resolver esses desequilíbrios por conta própria", diz Betsey Stevenson, integrante do Conselho de Assessores Econômicos do presidente Barack Obama. "Precisamos deixar de falar disso como uma questão feminina separada. Vale a pena tomar esse tipo de medida pelo bem das famílias e do mercado de trabalho".

E no entanto, ainda que algumas dessas políticas pareçam promissoras, não existem soluções infalíveis.

Considere a maneira pela qual a oferta de mão de obra feminina nos Estados Unidos ficou para trás da média de outros países avançados. Em estudo divulgado este ano. Francine Blau e Lawrence Kahn, da Universidade Cornell, concluíram que quase um terço da diferença se devia à ausência de políticas de benefício às famílias, como a licença-maternidade compulsória comum em outros países ricos.

Blau e Kahn também apontam, porém, que essas políticas podem ser contraproducentes, encorajando "mulheres que de outra forma poderiam ter compromisso mais forte para com o trabalho a buscar emprego de tempo parcial ou postos mais baixos".

Isso poderia encorajar a discriminação de parte dos empregadores e "fazer com que as mulheres sejam menos consideradas para postos de primeiro escalão".

Anne-Marie Slaughter, cientista política na Universidade de Princeton e antiga funcionária do Departamento de Estado, autora de uma longa resposta a Sandberg, argumenta que a igualdade entre os sexos, no extremo mais alto ou mais baixo da escala de renda, requer concluir a revolução cultural que ampliou os papéis aceitáveis para a mulher na sociedade, fazendo delas provedoras, em lugar de apenas donas de casa mas sem mudar os homens.

"A forma pela qual vemos as mulheres mudou radicalmente", diz Slaughter, hoje presidente da New America Foundation. "A maneira pela qual vemos os homens em nada mudou".

Apenas quando cuidar dos filhos for aceito como parte do conjunto de coisas que um homem faz em companhia da mulher, diz ela, os norte-americanos atingirão a igualdade no emprego.

Talvez. Alternativamente, muitas mulheres continuarão trabalhando até terem filhos, e depois se demitirão, a menos até que as crianças estejam perto da idade escolar. Estudando dados de pesquisas sobre bem-estar pessoal, Marianne Bertrand, da Universidade de Chicago, constatou que mães com diplomas universitários e carreiras não mostravam mais satisfação com suas vidas, e podiam mostrar menos, do que as donas de casa também dotadas de diplomas universitários.

No entanto, isso dificilmente parece ser um resultado social bem vindo como deixar máquinas sofisticadas ociosas, perdendo valor diante de nossos olhos. De qualquer forma, instar as mulheres a que façam acontecer dificilmente as levará a mudar de ideia.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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