Folha de S. Paulo


Construtora espanhola retirou lucros, mesmo sem entregar obras

A OHL, que venceu cinco concessões de rodovias no Brasil em 2007 e não cumpriu as obras no prazo, retirou R$ 310 milhões do lucro de pedágio antes de vender a empresa e deixar o país.

Levantamento feito pela Folha aponta que a espanhola antecipou o pagamento de dividendos do lucro obtido no país e aumentou o repasse previsto inicialmente no acordo entre os sócios.

A OHL Brasil era uma companhia com ações na Bolsa, 60% delas em poder da controladora espanhola e o restante dividido entre bancos e fundos de investimento.

Ela possuía cinco concessões do governo federal, iniciadas em 2008, e quatro do governo de São Paulo, iniciadas entre 2001 e 2006. Cada concessão repassava lucros ou prejuízos para a OHL.

No faturamento da holding de 2012, os pedágios paulistas foram responsáveis por 36% do faturamento, os federais, 27%, e o restante foi ganho com obras.

As regras das concessões permitem que as companhias distribuam lucros entre seus sócios. No entanto, no caso das concessões federais, a empresa precisa estar em dia com algumas obrigações.

Em 2008, a OHL tinha que implementar um programa de obras estimado na época em R$ 4 bilhões (R$ 5,2 bilhões atuais) em cinco anos. Nos grandes projetos, como duplicações e contornos, as obras patinaram.

De cerca de R$ 2,4 bilhões (R$ 3,1 bilhões atuais) previstos nessas obras maiores, a empresa não fez um quarto, segundo dados da ANTT (Agência Nacional de Transporte Terrestre), responsável pela fiscalização do setor.

Editoria de Arte/Folhapress

SERRA DO CAFEZAL

Obras como a serra do Cafezal, na BR-116/SP, trecho em que ocorrem muitos acidentes, teriam que estar prontas até março, mas ainda estão pendentes. O contorno da cidade de Florianópolis, na BR-101, nem sequer começou.

A empresa atribui o atraso à falta de documentos de responsabilidade do poder público. Estes dizem que a companhia atrasava propositalmente o envio de documentos para não fazer a obra.

O fato é que a ANTT relevou os problemas e manteve a empresa adimplente, o que a permitiu distribuir parte do lucro de R$ 1,3 bilhão obtido entre 2008 e 2013.

R$ 515 MILHÕES

Nesses cinco anos, os acionistas embolsaram R$ 516 milhões em dividendos, dos quais R$ 310 milhões ficaram com a OHL. Nos anos de 2011 e 2012, a empresa pagou
R$ 195 milhões mais que o previsto no acordo de acionistas.

A OHL passou suas ações para os grupos Abertis (Espanha) e Brookfield (Canadá), em dezembro passado. Antes de sair, antecipou a retirada de R$ 72,3 milhões de lucros.

O deputado federal Weliton Prado (PT-MG) fez questionamentos à ANTT e aos ministérios dos Transportes e da Fazenda. Segundo ele, os novos donos da companhia, batizada de Arteris, podem continuar a distribuir lucros mesmo sem fazer as obras.

Isso porque a agência reguladora fez um Termo de Ajustamento de Conduta para que a Arteris e outras duas companhias (BRVias e Acciona) que assumiram pedágios em 2008 tenham mais tempo para terminar os projetos atrasados sem receber punições. Para ele, os prazos são longos (até 2017), e as punições, brandas.

"Vão descontar dois centavos do pedágio se não fizerem as obras", disse Prado.

Para ele, como tiveram mais essa chance, as companhias também vão poder participar de novas concorrências no país.

"O prejuízo aos usuários com a não realização da obra foi muito grande e, com isso, a empresa aumentou a sua lucratividade. É um desrespeito total", disse Prado.

OUTRO LADO

O presidente da Arteris, David Díaz, disse que a distribuição de lucros da empresa ao longo dos últimos anos não tem relação com a não realização das obras.

Ele atribuiu o descumprimento aos problemas relacionados a atrasos em desapropriações e licenças e a mudanças nos projetos pedidos pelas cidades, e disse que foram gastos R$ 4,2 bilhões em obras nas rodovias federais.

Segundo Díaz, as contas das concessões federais e estaduais são feitas juntas. Se fosse possível separá-las, as federais não distribuiriam dividendos de seus lucros.

Díaz afirmou que a companhia sempre teve recursos para fazer as obras e que, por regras de contratos de empréstimo, não poderia distribuir dividendos sem que houvesse recursos garantidos para as obras. O presidente diz que a companhia vai cumprir os novos prazos dados.

Em relação à venda da companhia, Díaz disse que a OHL recebeu R$ 3,2 bilhões pela transação, sendo uma parte em ações da Abertis (R$ 2 bilhões) e o restante em pagamento de dívidas.

A ANTT informou que cabe a ela fiscalizar empresas que administram as concessões, sem relação com a holding que controla o grupo.

Segundo a agência, a legislação e as regras da concessão exigem que a empresa pague um percentual dos lucros aos acionistas, mas há regras de provisionamento para a realização das obras.

Em relação aos termos de ajustamento, a agência aponta que o não cumprimento resultará em redução nos preços dos pedágios.

A Folha encaminhou perguntas à OHL na terça-feira, mas não obteve respostas.


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