Folha de S. Paulo


Renda maior do trabalhador come lucro

Embora o crescimento da economia esteja estagnado, a renda dos trabalhadores, especialmente dos mais pobres e desqualificados, sobe rapidamente no país.

Segundo os dados da Pnad 2012 (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), a renda per capita média cresceu 8% no ano passado. Quem puxou esse crescimento foi o aumento na renda do trabalho --ou seja, os salários. Eles foram responsáveis por 74% dessa subida.

Isso aconteceu justamente no ano do "PIBinho", quando a economia cresceu 0,9%.

Ou seja, o Brasil tem um aumento de salários que não corresponde a um aumento de produtividade --as empresas estão comendo sua margem de lucro para bancar maiores remunerações.

Nas fábricas, por exemplo, segundo a Confederação Nacional da Indústria, entre 2001 e 2012, o salário real dos trabalhadores subiu 169%, em dólares. A produtividade, só 1%. Como aponta Flávio Castelo Branco, gerente-executivo da CNI, isso significa aumentos dos custos e causa prejuízos.

ESCASSEZ

Quanto mais pobre o indivíduo, maior tem sido o crescimento da renda. Em 2012, entre os 10% mais pobres, a renda cresceu 14%. Entre os 5% mais pobres, 20%.

Também tiveram aumento de renda acima da média pessoas sem escolaridade (10%), com primário incompleto (9,4%) e nordestinos (11%).

Isso se explica por uma questão de oferta e demanda. A demografia do trabalho pouco qualificado está mudando no Brasil.

A instrução média do brasileiro tem crescido rapidamente. Em 20 anos, saiu de menos de seis anos para quase nove atualmente.

No ensino superior, a iniciativa privada tornou a formação mais acessível. Em 2001, eram 3 milhões de alunos. Em 2012, 7 milhões.

Isso tem diminuído o "estoque" de trabalhadores pouco qualificados, ainda mais em uma época de desemprego baixo, em que não há mão de obra "reserva" à disposição. Há agora, nas palavras de Marcelo Neri, presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, sinais da existência de um gargalo.

Nas pranchetas dos economistas, esse gargalo --oferta pequena perante a demanda-- significa maior remuneração.

No dia a dia, percebe-se esse fenômeno, por exemplo, pela escassez e custo das empregadas domésticas, profissão rejeitada pelas moças mais jovens que estudaram mais que suas mães. Empregados domésticos tiveram um aumento real de 10% em 2012.

"A mudança na renda do trabalho é determinada pelo mercado", diz Neri. Ele aponta que tal descolamento do PIB e da renda é inédita.

"É a maior diferença que já vi, embora o fenômeno aconteça há uma década. O ano de 2012 foi o melhor de toda a série em termos de aumento da escolaridade média. No aumento da renda, o Bolsa Família, embora importantíssimo, é coadjuvante."

Neste ano, segundo os dados da PME (Pesquisa Mensal de Emprego), a tendência geral segue a mesma.

O aumento da instrução média, porém, aumenta a quantidade de profissionais qualificados à disposição no mercado, reduzindo o ganho salarial que estudar mais traz.

Hoje, estudar mais tempo significa um aumento de renda 30% menor do que significava há dez anos --mas ainda há 70%, claro, o que significa que a correlação estudo/renda segue firme e forte.

Por muito tempo, pouco se falou do impacto da instrução na renda agregada. Um dos primeiros a apontar isso foi o economista Carlos Langoni, nos anos 1970 --na época, em vão. A última década e, agora, a Pnad 2012 consolidam a educação como um tema macroeconômico.


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