Folha de S. Paulo


Análise: Iron Maiden aproveita show para vender até a própria cerveja

No final do show do Iron Maiden, encerrando o Rock in Rio às duas da manhã de hoje, o vocalista Bruce Dickinson foi buscar uma cerveja para se refrescar depois de duas horas saltando de um lado a outro do palco. Mas não era a cerveja do patrocinador oficial do evento.

"A cerveja de vocês é tão ruim que eu tive de trazer a minha", disse Dickinson, bem-humorado, segurando a garrafa de forma a mostrar bem o rótulo e dando o endereço de um site.

Tratava-se de uma cerveja Trooper, cujo rótulo traz a imagem da capa do compacto homônimo lançado pelo grupo em 1983. Garrafas da cerveja estão à venda nos supermercados de São Paulo desde um mês antes do show.

Minutos depois, o site ironmaidenbeer.com estava inacessível, em plena madrugada, devido ao volume de acessos. Às 8h da manhã, continuava inacessível o site de comércio eletrônico que vende canecas, chaveiros, adesivos, bolachas de chope e até peças de chopeira da marca de cerveja.

Com duas frases, a maior estrela da atração principal "passava a perna" na Heineken, marca global que pagou R$ 23 milhões pela exclusividade de vender long necks a R$ 10 para os sedentos participantes do festival.

Procurada, a Heineken informou estar em busca de detalhes para decidir se tomará alguma medida a respeito.

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Além da cerveja, a veia empreendedora do Iron Maiden estava nos tradicionais adereços de palco, no onipresente boneco Eddie e nas camisetas, iguais às do público, vestidas pelos guitarristas.

O Iron Maiden faz parte de um seleto grupo de bandas-marca, com um esquema altamente profissional de relacionamento com os fãs e licenciamento de produtos. Contam aí o Metallica, o AC/DC, o Kiss e o U2. Os Rolling Stones têm um forte esquema empresarial, mas sem tantos produtos extra.

Essa estratégia inclui palcos gigantes, pirotecnia, DVDs constantes, produtos com a marca da banda, uso intenso das redes sociais e, agora, até cerveja. Além do Iron Maiden, também batizam cervejas AC/DC, Motorhead, Pearl Jam, Sepultura e Kiss.

O Whitesnake tinha sua própria marca de vinho.

As performances em si têm um patamar de qualidade sempre alto, ainda que facilmente se torne previsível. Nos DVDs com apresentações ao vivo, lançados pelas grandes bandas com mais regularidade do que novas composições, o Iron Maiden costuma incluir documentários mostrando todo o esquema de logística para garantir o padrão dos shows.

RECEITA

Antes do colapso digital da indústria da música, os shows eram feitos para promover a venda de discos. "Vá ao show e compre o disco", diziam os cartazes promocionais e alguns ingressos.

Eventualmente, alguma banda como o Kiss notava seu status de "personagem" e lançava bonecos e revistas em quadrinhos, ainda no começo dos anos 80. Era exceção, porém, muitas vezes considerada quase uma caricatura.

Agora, quando qualquer disco novo cai na internet antes mesmo de ser lançado, os shows se tornaram o grande motor de receita das bandas.

É por isso que as turnês se alongam e dão mais voltas ao mundo. A do disco "Rapture of the Deep", do Deep Purple, durou oito anos, passando cinco vezes pelo Brasil desde 2005.

CALYPSO

No livro "Free - o futuro de um preço radical", Chris Anderson conta o caso da banda de tecnobrega Calypso, que ao invés de lutar contra os CDs piratas vendidos por camelôs passou a considerá-los aliados em seu objetivo final, que era vender ingressos de shows.

Deixar de cobrar pelos discos é impensável para grandes bandas internacionais? Talvez. Mas outras experiências com preços não são.

Em 2007, o Radiohead fez uma experiência de permitir que o público definisse quanto gostaria de pagar pelo álbum "In Rainbows". Em 2011, o Whitesnake lançou o clipe de "Love Will Set You Free" no YouTube, um mês antes do disco "Forevermore" chegar às lojas.

E não são poucas as bandas que oferecem uma ou duas canções para download gratuito para promover seus novos trabalhos.

Se, no auge do CD, o show era uma vitrine para a venda de música, depois do MP3 o show virou o produto mais lucrativo e vitrine para vender tudo o que vem com a marca --até, às vezes, a música.


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