Folha de S. Paulo


Sistema tributário do Brasil gera desigualdade social, dizem especialistas

A estrutura fiscal no Brasil gera desigualdades ao cobrar mais impostos dos pobres do que dos ricos, apontam especialistas que participaram, na noite de ontem, de um debate sobre reforma tributária realizado pela Folha.

Participaram José Roberto Afonso, pesquisador da FGV (Fundação Getulio Vargas), Bernard Appy, diretor da consultoria LCA e ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda, e Joaquim Levy, diretor-superintendente da Bradesco Asset Management.

O mediador foi Valdo Cruz, repórter especial da Folha.

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"Temos tanta tributação diferenciada que não se sabe qual a normal. A legislação de PIS e Cofins, por exemplo, tem 700 páginas. O sistema vai ficando torto, alguns pagam muito imposto, outros pagam muito pouco. Nós temos uma renda muito concentrada, e depois de aplicar os impostos conseguimos deixar a renda ainda mais concentrada", diz Afonso.

"Como temos um sistema que carrega na mão do consumo, e como os pobres consomem mais que os ricos [proporcionalmente à renda]. Além disso, produzir carro neste país tem menos imposto do que produzir trem ou metrô."

"A carga é altíssima e conseguimos cobrar menos IPTU do que país africano. Não adianta imposto sobre grandes fortunas, ficar inventando isso, a gente não cobra nem imposto patrimonial tradicional, afirma.

Appy também tratou do tema. "Há que resolver a tributação dos ricos. Embora o sistema seja menos regressivo do que se diz, de fato, por eu ser sócio de uma empresa, pago menos imposto do que se fosse um empregado. Eu ganho bem, porque pago menos?"

Afonso lembra que o Brasil combina "cobrança de Primeiro Mundo com um sistema de Terceiro".

"Aqui em São Paulo, você vai no médico e emitem nota fiscal eletrônica. O mundo tenta aprender com essa experiência. Há uns 15 anos, cobrança bancária com código da barra começou com o IPTU em algumas cidades. O Imposto de Renda feito pela internet é ótimo."

CAMPEÕES EM ARRECADAÇÃO

"Nosso sistema é perfeito para arrecadar. Entre os emergentes, somos campeões. Quando um país precisa aumentar a arrecadação, contrata especialistas brasileiros. Poucas outras economias em tempos de paz fizeram algo parecido conosco: aumentar a carga em 15%, como fizemos desde a Constituição", diz Afonso.

Para Levy, a carga tributária elevada é um fator que dificulta inclusive a simplificação do sistema tributário.

"Se o imposto é alto, o incentivo de não pagar é alto; você precisa cercar a pessoa para ela pagar, e isso leva a códigos complicadíssimos, prevendo dez mil situações."

Appy defende que é ilusão acreditar que uma reforma poderia reduzir a carga tributária.

"Temos muitos gastos vinculados. E ainda aprovaram agora a vinculação dos royalties do petróleo para a saúde e a educação. Mas e infraestrutura, mobilidade urbana, segurança? Aqui no Brasil ninguém se pergunta quem paga a conta. Só se aumenta gasto cortando outro gasto, aumentando carga tributária ou se envidividando."


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