Folha de S. Paulo


Após atingir platô digital, 'New York Times' tenta dar novo salto

Sob seu novo presidente-executivo, Mark Thompson, o "New York Times" está correndo mais rápido, mas continua sem sair do lugar.

Do anúncio de resultados do primeiro trimestre e projeção de receitas apresentados hoje pela New York Times Co., extraímos as manchetes do segundo trimestre: a perda de receita da companhia foi restringida a 1%. O lucro operacional cresceu em 13%. As reservas de caixa cresceram modestamente, e a dívida caiu um pouquinho.

Isso representa melhora ante o primeiro trimestre, quando a empresa teve queda de receita de 2%. Os números nos informam que o "New York Times" enfrentará dificuldade para repetir seu desempenho geral em 2012, quando registrou 0,3% de avanço em sua receita. Isso representa um verdadeiro marco histórico - o primeiro avanço de receita da companhia em seis anos.

Agora, podemos ver na estratégia do "New York Times" um plano claro para os próximos dois anos. É um plano para a transição à próxima fase da evolução digital, consistindo de duas partes:

1) Manter os negócios atuais o mais próximo possível de um patamar firme pelos próximos dois anos. É a economia noticiosa zero sobre as qual escrevi aqui anteriormente, na qual zero representa o novo piso.

A matemática do zero é simples: compensar a perda de receita com os anúncios da mídia impressa pelo aumento das receitas de circulação integrada ou exclusivamente digital. O desempenho financeiro do "New York Times" em 2012 oferece esperança quanto a isso. Zero continua a ser apenas uma aspiração para a maioria das companhias urbanas de jornais dos Estados Unidos e da Europa; no momento em que pareciam estar chegando perto disso, o desempenho publicitário começou a piorar.

Mesmo o "Financial Times", claramente um líder na transição digital, acaba de reportar receita inalterada para o primeiro semestre do ano.

2) Investir em iniciativas de crescimento que mais tarde criem receita confiável e crescimento de lucros - se as companhias conseguirem atingir o padrão zero em seu negócio central.

CRESCIMENTO

O anúncio de resultados hoje ofereceu alguns detalhes interessantes, comentados abaixo, ainda que não tenha revelado muito sobre as novas iniciativas de que o "New York Times" precisará para retomar o crescimento. Sabemos que o jornal está investindo US$ 30 milhões este ano para preparar o lançamento de novos produtos pagos até o segundo trimestre do ano que vem.

Consideraremos os números de hoje levando em consideração o contexto que os concorrentes podem oferecer. Disso, poderemos extrair cinco lições --sobre as tendências da mídia impressa de publicação diária, o platô atingido pelo número de assinaturas integradas, os atrativos do vídeo, o papel dos acontecimentos e a necessidade gritante de orientação inteligente-- quanto aos pontos básicos dessa estratégia.

Três números --a receita da publicidade impressa, a receita de circulação e as despesas-- são os propulsores essenciais da transição. (Obviamente, o crescimento geral da receita digital é um quarto, mas já que sua definição varia tanto de empresa a empresa, é mais difícil realizar comparações imediatas.)

Acrescentei comparações às três grandes cadeias de jornais dos Estados Unidos --Gannett, Tribune e McClatchy-- e separei, onde possível, o New England Media Group, controlado pelo "New York Times" e responsável pelo jornal "Boston Globe", que deve ser vendido em breve.

RECEITAS DE PUBLICIDADE IMPRESSA

É uma história de declínio sem fim. Nela o "New York Times", desconsiderado o "Boston Globe", apresenta desempenho semelhante ao da Gannett. Sua combinação de receitas --mais nacional, menos varejo-- é diferente, mas o movimento instável da mídia impressa para a digital é semelhante. Nível semelhante de perda deve se aplicar ao ano de 2013 como um todo.

New York Times Co. -7% (1º sem. 2013)
New York Times Co. (sem "Boston Globe") -5% (1º sem. 2013)
Gannet -5% (1º sem. 2013)
Tribune -9% (1º sem. 2013)
McClatchy -8,7% (1º sem. 2013)

RECEITAS DE CIRCULAÇÃO

O crescimento de 7,4% do "New York Times" nesse indicador impressiona, já que a companhia está adiante de seus concorrentes, que seguiram seu exemplo, na transição digital. O crescimento combina aumento agressivo de preço nas assinaturas impressas e integradas e os proventos das novas assinaturas digitais.

O total deve cair um pouco nos próximos três trimestres, até que o "New York Times" possa testar os resultados de seus novos produtos digitais.

New York Times Co. 5,1% (1º sem. 2013)
New York Times Co. (sem "Boston Globe") 7,4% (1º sem. 2013)
Gannet 7,3% (1º sem. 2013)
Tribune 8,5% (1º sem. 2013)
McClatchy 4,5% (1º sem. 2013)

REDUÇÃO DAS DESPESAS OPERACIONAIS

Os custos de herança dessas companhias são como se elas precisassem arrastar uma âncora ao navegar para o novo mundo. O grande trabalho de bastidores para todas elas será limitar as despesas de todo tipo mas ao mesmo tempo manter equipes de conteúdo e venda robustas.

O "New York Times" continua a operar de maneira coerente quanto a essa redução de custo constante. A Tribune realizou mais cortes, mas suas redações sofreram por isso. O número da Gannett surpreende, mas inclui suas propriedades no setor de mídia eletrônica.

New York Times Co. -3% (1º sem. 2013)
Gannet 0,6% (1º sem. 2013)
Tribune -7,4% (1º sem. 2013)
McClatchy 0 (1º sem. 2013)

DIÁRIOS

O "New York Times" mesmo registrou queda de 6,3% em sua circulação diária, e de 1,7% aos domingos. Os dois números são piores que os registrados no primeiro trimestre.

A estratégia de assinaturas em papel e digitais integradas reforçou a edição de domingo, mas agora parece que nem isso bastará para conter o declínio de circulação naquele dia. O declínio acelerado dos jornais em papel, claro, é o principal propulsor dos grandes cortes anunciados pelos jornais da cadeia Advance. O mais importante é que podemos ver quase todos os grandes diários enfatizando as edições dominicais e os pacotes combinados de versões impressas e digitais para os finais de semana, à medida que a entrega caseira de jornais todos os dias se torna obsoleta.

O grupo do "New York Times" (incluindo o "International Herald Tribune" mas excluindo o "Boston Globe") atingiu um total de 699 mil assinaturas digitais, de uma ou outra espécie. Embora isso constitua impressionante avanço de 35% ante o total do período um ano atrás, é um crescimento de apenas 3,5% com relação ao primeiro trimestre.

É necessário reconhecer que o crescimento das assinaturas de acesso pleno atingiu um platô, em sua primeira fase, ainda que com números animadores.

A New York Times Co. estimou pela primeira vez, em seu anúncio de resultados hoje, um valor em dólares para essas assinaturas: US$ 75 milhões para o primeiro semestre. Isso acompanha as projeções para o valor do acesso pleno. Além disso, o esquema de acesso pleno ajudou um pouco a versão em papel, reduzindo o prejuízo. Esse montante aparentemente não está incluído no cálculo de US$ 75 milhões.

O principal culpado, como Thompson mesmo disse: "a lei dos grandes números".

Calculei há muito tempo que o "New York Times" precisava de entre 900 mil e um milhão de assinantes digitais para atingir um marco importante de sucesso. Passados dois anos e meio, o jornal atingiu 70% dessa meta.

O resgate, agora, caberá a novos produtos pagos. Denise Warren, que comanda a divisão digital da New York Times Co., informa que esses produtos começarão a ser vendidos em abril do ano que vem. Isso representaria a fase dois do crescimento na receita digital do jornal. Warren não ofereceu muitos outros detalhes sobre os produtos.

Houve menções a "guardar segredo" e "comida". O "New York Times" pode liderar o mercado em estratégia, uma vez mais, quanto a isso. Foi o que fez para as notícias em geral ao lançar em 2011 o seu modelo de acesso livre restrito; agora, a companhia precisa descobrir quem mais está disposto a pagar alguma coisa por acesso a conteúdo de qualidade.

VÍDEO

É um fato espantoso que, no mundo da mídia noticiosa, privada de receita publicitária, a procura por anúncios em vídeo supere a oferta. A New York Times Co. deu dois passos estratégicos importantes em 2013 quanto aos vídeos: contratou Rebecca Howard, executiva de AOL/Huffington Post, para comandar os esforços combinados de vídeo das áreas editorial e comercial; e removeu as restrições de acesso ao conteúdo em vídeo de seu site.

Essa última medida, de acordo com Thompson, resultou em aumento de 100% na audiência dos vídeos publicitários do site. Para reforçar esse conteúdo, Thompson citou a parceria entre a New York Times Co. e a Retro Report como o tipo de associação para fornecimento de vídeos de qualidade por terceiros que ajudará a ampliar o estoque de vídeos disponível.

AGREGADORES

Os vídeos não são a única área que necessita de mais conteúdo externo de boa qualidade. A comida serve como exemplo: é uma área em que a companhia planeja lançar um novo produto, presumivelmente pago.

Embora o "New York Times" hoje tenha em seus quadros nomes conhecidos da gastronomia, como Mark Bittman, o que poderia fazer para alargar sua rede? Será que poderia colocar sob sua bandeira líderes influentes da culinária como José Andrés, do Jaleo e ThinkFoodGroup; Richard Blais, gastrônomo molecular e astro do programa "Top Chef"; ou a chefe de cozinha nova-iorquina Amanda Freytag?

A concorrente NBCNews.com --sim, os dois sites agora concorrem diretamente, embora provenham de origens distintas na mídia-- acaba de formar parceria com a Global Post, uma empresa iniciante de notícias internacionais muito respeitada. É o tipo de acordo de alta qualidade e baixo custo que a New York Times Co. deveria imitar.

PUBLICIDADE

As duas palavras mais mencionadas no anúncio de resultados de hoje: Meredith Levien. Levien, antes executiva da revista "Forbes", assumirá na segunda-feira o posto de vice-presidente geral de publicidade do "New York Times".

Com o crescimento da publicidade digital em queda de 3% (para a New York Times Co. como um todo), Thompson declarou que a perda de receita na publicidade digital era inaceitável, e Levien terá o papel principal nos esforços para reverter esse declínio. Da parte do "New York Times", é cada vez mais frequente ouvir falar em "eventos" no mesmo patamar que a publicidade.

Eles têm o mesmo potencial de atrair patrocínios e de aproveitar o emergente setor de marketing de conteúdo, tal como representado pelo Idea Lab.

Participei de um recente "Fórum Mundial" do "New York Times" no Vale do Silício. Intitulado "Thomas Friedman's The Next New World", o evento representava uma troca de ideias entre patrocinadores e participantes institucionais. Na semana em que Justin Smith, presidente da Atlantic Media, foi anunciado como presidente-executivo de mídia da Bloomberg, isso serve como lembrete de que o negócio de eventos é hoje parte fundamental de qualquer estratégia de crescimento, algo que Smith enfatizava em suas múltiplas marcas na Atlantic.

Por fim, é instrutivo separar os dados do "Boston Globe" e os do "New York Times", nesse exercício.

Com a venda do New England Media Group, capitaneado pelo "Boston Globe", neste trimestre (restam menos de media dúzia de potenciais compradores, aparentemente), a New York Times Co. --combinando o jornal "New York Times", suas operações mundiais e digitais-- vai se tornar uma das maiores companhias puramente noticiosas do planeta.

Financeiramente, a venda do "Boston Globe" é um benefício e certamente vai melhorar os resultados da atual controladora.

O que podemos dizer sobre o "Boston Globe"? Seu novo total de 39 mil assinantes exclusivamente digitais é positivo. Mas em termos gerais, no segundo trimestre, o jornal sofreu 7% de queda em sua receita geral e de 2% em sua receita de circulação. Os preços de assinatura foram recentemente aumentados, e a perda de assinantes da versão em papel responde pela queda na receita de circulação.

O "Boston Globe" registra 9% de perda de circulação, tanto nas edições da semana quanto na dominical. Se acrescentarmos a isso a queda de 10% nas vendas de publicidade do New England Media Group, veremos a péssima situação que o novo proprietário herdará.

Embora ainda continue no azul, o "Boston Globe" precisará refazer seus cálculos para encontrar seu caminho próprio rumo ao zero. É por isso que as ofertas --todas as quais aparentemente inferiores a US$ 100 milhões-- ficam na ponta mais baixa das expectativas. Também é por isso que Jim Follo, vice-presidente de finanças da New York Times Co., disse hoje que sua companhia provavelmente reteria as obrigações de pensão do "Boston Globe", depois da venda do jornal. Sem essa concessão, o preço seria significativamente mais baixo.


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