Folha de S. Paulo


Taxa de inflação é obsessão nacional com 29 indicadores divulgados por mês

Quase duas décadas após o Plano Real, que estabilizou a economia, o Brasil ainda é obcecado pela inflação. São realizadas 29 divulgações de índices de preços no mesmo mês, o que dá uma média de quase uma por dia, incluindo sábados e domingos.

Levantamento feito pela Folha encontrou 14 indicadores de inflação, calculados pelos quatro institutos mais conceituados, que são divulgados mensalmente ou semanalmente. Esses indicadores medem os reajustes de preços para os consumidores e para as empresas.

É uma realidade muito diferente de países com economias mais estáveis. Nos Estados Unidos, o mercado acompanha dois índices de preços ao consumidor e um de preços ao produtor. Na Austrália, a inflação é divulgada uma vez a cada três meses.

No Brasil, os institutos medem a inflação no país, na cidade de São Paulo, no setor da construção civil, nas famílias de baixa renda. Tem até a "inflação do idoso".

"A inflação no Brasil ainda é muito alta, diferente dos países ricos, onde gira ao redor de 2% ao ano. E, nesse momento em que o governo aceita mais inflação, a preocupação aumenta", diz Juan Jensen, sócio da consultoria Tendências.

Nos 12 meses acumulados até maio, o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) bateu 6,5%, o teto da meta do governo. A população já está impaciente com o aumento de preços e, nos últimos dias, o reajuste da passagem de ônibus provocou protestos violentos.

Para Eulina Nunes, coordenadora dos índices de inflação do IBGE, a obsessão dos brasileiros com o aumento do custo de vida também é resultado do trauma da hiperinflação, que ainda é recente. Em 1993, um ano antes do Plano Real, o IPCA fechou em alta de 2.500%.

Uma das heranças dessa época é que uma fatia expressiva da economia continua indexada à inflação. Aluguel, água, luz e parte dos títulos da dívida pública são reajustados conforme os índices de preços.

"É a inflação passada alimentando a inflação futura", diz Luiz Roberto Cunha, professor da PUC do Rio.

TRILHÕES DE REAIS

Outro motivo da mania nacional com a inflação é o mercado de capitais.

Analistas fazem um grande esforço para acertar o IPCA, porque isso pode significar ganhar ou perder muito dinheiro.

É com base na variação do IPCA que o BC determina a taxa básica de juros, a Selic. O mercado de juros futuros na BM&FBovespa, que aposta em que patamar estará a Selic, movimentou R$ 5 trilhões apenas em maio.

A preocupação é tão grande que bancos e consultorias contratam um serviço da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que envia uma estimativa diária da variação do IPCA.

Também são comuns iniciativas próprias de pesquisa. O Bradesco entrevista 2.000 empresas todos os meses e pergunta a variação dos preços. Na LCA Consultores, os analistas coletam 130 preços agrícolas por dia.

"O país desperdiça uma quantidade enorme de talentos preocupados em acertar a segunda casa decimal do IPCA", diz Francisco Pessoa, economista da LCA.

Para André Braz, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, há uma vantagem na obsessão do Brasil com a inflação: a transparência.

"Com tantos institutos calculando o dado, dificilmente podem ocorrer manipulações dos índices de inflação, como na Argentina."


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