Folha de S. Paulo


Análise: Consumo e serviços, motores do crescimento, mostram sinais de esgotamento

Os dados do PIB (Produto Interno Bruto) do primeiro trimestre de 2013 mostraram uma economia bem mais fraca do que apontavam tanto o termômetro do governo como os modelos da maioria dos analistas, dos mais otimistas aos bem cautelosos.

O que se esperava de pior, como desempenho ruim do combalido setor industrial, foi confirmado. O que se esperava de melhor, como recuperação dos investimentos, veio em dose menor do que a prevista.

A dupla forte "consumo das famílias" e "pujante setor de serviços", importante motor do crescimento no segundo mandato do governo Lula, mostrou sinais de esgotamento.

A agropecuária foi a única surpresa positiva. Cresceu mais do que o forte resultado já esperado, mas a tendência agora é de desaceleração no resto do ano.

A combinação dessas tendências foi que não houve aceleração da atividade econômica.

O PIB cresceu modestos 0,6% em relação ao período entre setembro e dezembro do ano passado, mesmo resultado registrado no último trimestre de 2012.

O resultado preocupa?

Sim, por uma série de razões que, por enquanto, são apenas hipóteses, mas que devem ter acendido uma luz vermelha no painel de controle do governo (que provavelmente já estava amarela).

A estagnação do consumo das famílias pode indicar que o poder de compra começa a ser corroído pela persistente inflação alta.

Editoria de Arte/Folhapress

JUROS

Isso poderia ser motivo para o Banco Central elevar os juros em dosagem mais alta (o mercado vinha apostando em 0,5 ponto percentual, contra elevação de 0,25 na última reunião de abril).

Mas juros mais altos normalmente levam à desaceleração da atividade.

O dilema da autoridade monetária, que já era grande, ganhou agora proporção ainda maior.

Combater a inflação com mais vigor e sacrificar ainda mais o crescimento no curto prazo ou correr o risco de que os preços não caiam o suficiente para ajudar na recuperação do consumo?

Para piorar, a divulgação do PIB coincidiu com o dia em que o BC precisa anunciar sua decisão sobre os juros.

O tempo para reflexão não será longo e quase certamente o resultado causou surpresa entre os diretores do BC, já que o indicador da instituição que mede o ritmo da atividade econômica apontava para expansão próxima a 1% no primeiro trimestre.

O IBC-BR já tinha falhado por margem na mensuração do PIB do terceiro trimestre de 2012 e agora, certamente, sua metodologia será alvo de nova rodada de questionamentos.

O investimento, que era a grande esperança de que a retomada econômica se sustentasse, se recuperou de fato, mas em magnitude menor do que a esperada por economistas.

Analistas já vinham dizendo que o crescimento da economia pós-2013 dependeria da retomada de um ritmo sustentável do investimento.

Com o resultado do PIB do primeiro trimestre, existe o risco de que a confiança dos empresários, já em nível baixo, custe ainda mais para se recuperar ou - o que seria extremamente ruim - piore ainda mais.

Analistas hoje pela manhã previam o anúncio rápido pelo governo de novas rodadas de medidas para tentar injetar adrenalina na economia.

Resta saber se o momento é para correria ou reflexão.

VEJA O DESEMPENHO DE CADA SETOR DA ECONOMIA, EM %

Setor de atividade CONTRA O 4º TRI DE 2012 CONTRA O 1º TRI DE 2012
PIB 0,6 1,9
Agropecuária 9,7 17
Indústria -0,3 -1,4
Extrativa mineral -2,1 -6,6
Transformação 0,3 -0,7
Construção civil -0,1 -1,3
Prod. e distrib.de eletricidade, gás, água, esgoto e limpeza urbana -0,1 2,6
Serviços 0,5 1,9
Comércio 0,6 1,2
Transporte, armazenagem e correio -0,9 0,3
Serviços de informação 0,3 2,5
Interm. financ, seguros, prev. complem. e serviços relacionados 0,1 1,5
Outros serviços -0,5 2,6
Atividades imobiliárias e aluguéis 0,7 1,9
Adm., saúde e educação públicas 0,8 2,2
Valor adicionado a preços básicos 0,7 1,8
Despesa de consumo das familias 0,1 2,1
Despesa de consumo da administração pública 0 1,6
Formação bruta de capital fixo 4,6 3
Exportação de bens e serviços -6,4 -5,7
Importação de bens e serviços (-) 6,3 7,4

Fonte: IBGE

DOIS PAÍSES

Em um relatório recente, os economistas Marcos Lisboa (Insper) e Samuel Pessoa (FGV) classificaram o desempenho da economia brasileira nos últimos anos como uma história de dois países.

Segundo eles, o Brasil dos serviços e do comércio cresceu nos últimos anos em parte embalado por reformas feitas nos anos 2000. Já o Brasil industrial, na falta de outras reformas profundas --para atacar a burocracia, melhorar a infraestrutura etc.-- e dependente de grandes obras, ficou para trás.

Os autores concluem o estudo dizendo que eventualmente os dos Brasis iriam convergir para um só, dependendo das escolhas feitas.

Os dados do PIB de hoje indicam que talvez esteja em curso uma convergência para o Brasil menos dinâmico.


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