Folha de S. Paulo


Aos 79, empresário palestino vive em palacete e se inspira em Hércules nos negócios

Munib al-Masry não deixa a reportagem pegar um segundo guardanapo em cima da mesa, durante a entrevista. "Use o mesmo." Depois, insiste em oferecer os bolinhos feitos em seu palácio. "Anda, você comeu pouco."

Aos 79 anos, o homem conhecido como o palestino mais rico do mundo mantém a vista no império que ele ergueu durante as últimas décadas seguindo um comportamento rigoroso, conforme ele mesmo afirma.

Masry está à frente da Padico, holding de 35 empresas em diversos setores, com patrimônio US$ 1 bilhão (cerca de R$ 2 bilhões), segundo ele próprio. Também fundou a Edgo, de serviços geológicos.

Fortuna e comportamento excêntrico colaram em Masry uma série de apelidos, entre eles "duque de Nablus", por conta da cidade natal, e "Rothschild palestino", em comparação com uma família de banqueiros judeus.

"Mas eu prefiro ser chamado de 'vovô'", diz. "Gosto de ajudar os outros, de ouvir os problemas, de resolver."

Masry tem dois filhos, quatro filhas e 18 netos. "Meus filhos foram preguiçosos", critica. "Se eles tivessem tido seis filhos cada um, como eu, seriam 36 netos."

HÉRCULES

O empresário palestino recebe a reportagem em seu palácio de Nablus, construído no topo do monte Gerizim, com vista para o vale.

Apelidado "Bait Filastin" --em árabe, "casa palestina"--, o local é um marco na cidade. A inspiração é um palacete vicenziano de Andrea Palladio (século 16).

No centro, uma estátua do herói grego Hércules trazida da França. O personagem é o modelo para o empresário diante dos obstáculos aos seus negócios, como os bloqueios israelenses à movimentação de bens e pessoas.

"Esperamos, esperamos. As frutas apodrecem. Mas isso tudo é parte da resistência. Imito Hércules na sua perseverança, paciência, força", afirma. "E esperança."

São os sentimentos que ele diz nutrir também em relação às negociações de paz entre israelenses e palestinos, a despeito de suas frustrações.

Após estudar nos EUA e trabalhar na Jordânia, Masry decidiu voltar à Cisjordânia, onde havia crescido, assim que foram estabelecidos os acordos de Oslo, em 1993.

"Eu achava que teríamos um Estado palestino imediatamente", afirma. "Pensei que eu teria um passaporte."

POLÍTICA

Ao voltar do exílio, Masry investiu em companhias que pudessem construir a infraestrutura para um futuro país. A Padico, que ele fundou em 1993, atua em turismo, construção, telecomunicação e parques industriais.

O território palestino da Cisjordânia, porém, ainda carece de conexão 3G, portos, aeroportos e livre trânsito para a faixa de Gaza -entraves a negócios locais, diz.

A Padico é a única empresa em que ele ainda está à frente. A Edgo está hoje com seus filhos. Além disso, afirma, só se dedica à política.

Amigo próximo de figuras como Yasser Arafat (1929-2004), presidente da Autoridade Nacional Palestina, e Abdullah 2º, rei da Jordânia, Masry é constantemente aventado pela imprensa local como um possível futuro primeiro-ministro palestino.

Ele desconversa. "Estou velho. Agora, queria ver uma jovem mulher como premiê. Precisamos de mudanças."
Novidades, segundo ele, para chegar à "liberdade" -sua palavra predileta.

"Para mim, significa poder expressar meus pensamentos, ter um país independente, contribuir com o mundo, viajar. Estou acostumado a me mover. Liberdade de movimento, de ideias. Quero poder ir a Jerusalém sem restrições", afirma.

JANTAR

Masry precisa se mexer. Tem um compromisso em Ramallah. Sugere prosseguir com a entrevista no carro. Ele responde às perguntas com dois celulares na mão, e se irrita quando a reportagem hesita em interrompê-lo. "Vai falando comigo enquanto estou no telefone."

Na passagem por um assentamento israelense, o carro é parado. Ele entrega o passaporte. Um soldado quer ver o documento do motorista. "Não", responde Masry. "Essa é minha casa, não precisamos mostrar os papéis."

O militar revida: "Mão, essa não é sua casa. É minha terra. Você é meu convidado aqui. Você precisa ler meu livro sagrado para entender".

Masry, elogiado pelos esforços pela paz, parece ser colocado à prova pelo soldado, que tenta provocá-lo.

O empresário estende a mão direita e convida o soldado e sua mulher para jantarem em seu palácio, quando quiserem. "Mas, antes disso, me
convide primeiro."


Endereço da página:

Links no texto: