Folha de S. Paulo


Mostras de Yayoi Kusama e Anna Maria Maiolino se cruzam nos EUA

Num trecho popular da avenida South Grand, no centro de Los Angeles, duas poderosas artistas estrangeiras brilham em grandes cartazes, uma de cada lado da rua. A japonesa Yayoi Kusama ganhou mostra no museu The Broad, e a brasileira Anna Maria Maiolino tem retrospectiva no Museum of Contemporary Art (Moca).

Embora desenvolvam trabalhos bastante diversos, é curioso perceber paralelos entre as duas, como a exploração do próprio corpo em obras feitas em momentos históricos de opressão.

A japonesa de 88 anos encontrou fama internacional em Nova York e virou a rainha dos "happenings" nus nos anos 1960 —em parte contra a política bélica de Richard Nixon, em parte para espantar seus próprios demônios sexuais.

Já Maiolino, 75, aparece prestes a cortar a própria língua e o nariz em fotografias de 1974, quando fez experimentação com trabalhos contagiados pelos ares sombrios da ditadura militar. Em 1981, realiza "Entrevidas", performance na qual caminha de olhos fechados por uma rua repleta de ovos.

Aliás, é uma grande fotografia desses ovos, espalhados por paralelepípedos, que recebe o visitante no Moca. Impossível não virem à mente as bolinhas obsessivas de Kusama, do outro lado da avenida.

Mas, enquanto na obra da brasileira a forma circular parece representar a fragilidade da vida, a japonesa a usava em um processo atordoado de repetição para acalmar a mente.

Na abertura da retrospectiva, em setembro, Maiolino refez "Entrevidas" no Moca, com seu neto Gabriel Sitchin caminhando às cegas pelo labirinto de ovos. "Tem aquele ditado, pisando em ovos. Naquela época, não sabíamos se o país ia se abrir ou se fechar", disse a artista ao jornal "Los Angeles Times".

Sua instalação "Terras Modeladas" (2017) toma conta do cubo branco do museu com centenas de pequenas esculturas de argila presas à parede, formando desenhos abstratos, esticadas no chão ou em formatos diversos numa mesa. Tudo monocromático, cor de barro.

Enquanto Kusama nos entorpece com suas bolinhas coloridas e iluminadas, Maiolino instiga a refletir e se conectar com o outro. "Os espectadores, se forem sensíveis, e muitos o são, vão achar nesse acúmulo de trabalho o seu próprio trabalho, os gestos que eles repetem diariamente", explicou ao jornal, em meio a suas argilas.

PUNK OU POP?

Dos porões esfumaçados de Hollywood para o Museu do Grammy: a banda X, uma das mais influentes da primeira onda punk a sair de Los Angeles, celebra seus 40 anos com uma exposição repleta de curiosidades, como instrumentos, fotografias raras e objetos pessoais de seus integrantes.

Os quatro membros originais da banda —Exene Cervenka, John Doe, Billy Zoom e DJ Bonebrake— continuam juntos e estão em turnê de aniversário até dezembro.

Para quem prefere algo mais pop, o museu tem também uma mostra sobre Katy Perry, "Frock & Roll", baseada em sua carreira e seu guarda-roupa fashion ("frock", em inglês, é vestido). Em exposição, estão figurinos que ela usou nas festas do Grammy, nos shows da Prismatic World Tour e no intervalo do Super Bowl de 2015.

HÁ ESPERANÇA?

O artista Shepard Fairey já tinha fama local antes de criar o pôster "Hope" (esperança), símbolo da primeira campanha presidencial de Barack Obama. Seus adesivos e grafites da série "Obey" (obedecer) —nome também de sua popular linha de roupas— viviam espalhados pelas ruas de Los Angeles.

Longe dos holofotes na última eleição, Fairey volta ao noticiário com sua maior exposição solo na cidade, num galpão no centro, em cartaz até 17/12.

Ele exibe sua nova série "We the People" (nós o povo), com retratos poderosos de gente marginalizada, como imigrantes e afro-americanos. Há também esculturas, pinturas e uma área com "ferramentas de empoderamento faça-você-mesmo", como uma impressora e latas de grafite.

"Não é uma mostra anti-Trump", disse o artista ao semanário "LA Weekly". "É uma mostra sobre questões com que sempre me importei e que são ainda mais cruciais com a eleição de Trump

FERNANDA EZABELLA, 37, é jornalista.


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