Folha de S. Paulo


Opinião

Governos comunistas nunca foram alternativa real ao capitalismo

A revolução bolchevique foi a primeira de uma série em que partidos ultracentralizados de inspiração marxista tomaram o poder, normalmente em países nos quais o Estado não era democrático, havia sido enfraquecido por guerras e ainda não tinha resolvido sua questão nacional.

Tornaram-se países comunistas as ruínas dos impérios russo e austro-húngaro, a China após repetidos dilaceramentos por potências estrangeiras e colônias dos países europeus enfraquecidos pelas guerras mundiais.

Em situações de crise do Estado, o partido leninista (uma inovação do século 20) aparecia como um Estado em miniatura que poderia começar a funcionar no dia seguinte à tomada do poder, oferecendo uma identidade universalista (o comunismo) que possibilitava superar particularismos locais.

Os governos comunistas, no geral, foram eficientes em fundar Estados (e em ganhar guerras). Mas nunca foram uma alternativa real de superação do capitalismo.

Nem Marx nem ninguém (até agora) conseguiu elaborar um mecanismo de alocação de recursos capaz de evitar os desequilíbrios e as injustiças do mercado preservando, entretanto, a flexibilidade e o estímulo à inovação do capitalismo.

Alguns países comunistas conseguiram bons resultados econômicos copiando paradigmas produtivos criados no capitalismo (como a industrialização taylorista) e ampliando sua escala: foi o caso da União Soviética.

Depois desses impulsos iniciais, contudo, o crescimento sempre estagnou, e as muitas tentativas de reforma fracassaram.

Quando Mikhail Gorbatchov, em meados da década de 1980, tentou flexibilizar o sistema para reformá-lo, houve um colapso: sem a repressão, e ainda sem a disciplina de mercado, as empresas soviéticas mais ou menos se autoprivatizaram.

Dezenas de milhões de mortos depois, tudo isso tudo caiu.

Em alguns países, o comunismo pode ter deixado legados positivos para a construção nacional, mas nada no leninismo apontou, de fato, para a superação do capitalismo como alternativa de longo prazo.

Na China, o aparato leninista sobrevive após o abandono de qualquer pretensão nesse sentido.

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Podemos começar com as lições de quem aprendeu em tempo real.

À medida que ficava claro que o modelo soviético não oferecia alternativa democrática, eficiente e justa, partidos socialistas ao redor do mundo inventaram a social-democracia mais por tentativa e erro –vendo o que dava para fazer de socialismo em um ambiente capitalista democrático– do que seguindo um programa.

Nunca foi possível transformar a democracia em uma relação de produção, mas ela permitiu cavar espaços da vida protegidos do mercado, enquanto se usufruía de sua capacidade de gerar crescimento: a saúde e a educação públicas, a preservação da velhice e da infância, espaços para produção de conhecimento e cultura sem aplicabilidade imediata e, com a redução da jornada de trabalho, toda uma esfera de tempo livre.

A social-democracia perdeu força em consequência da globalização, de mudanças tecnológicas e de uma série de outros fatores.

Mas ainda merece ser recuperada como ponto de partida, porque, ao contrário do bolchevismo, passou no teste da prática.

Quando os alemães orientais pularam o Muro de Berlim, caíram em solo social-democrata e preferiram ficar por ali, em vez de continuar a nado até a Inglaterra de Margaret Thatcher.


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