Folha de S. Paulo


Com 'O Senhor do Lado Esquerdo', Alberto Mussa começou uma nova fase

Ricardo Borges/Folhapress
O escritor Alberto Mussa

O Clube de Leitura Folha debate no mês de outubro o livro "O Senhor do Lado Esquerdo" (Record), de Alberto Mussa. O encontro ocorrerá no dia 31 de outubro, às 19h, na Livraria da Vila da Alameda Lorena, com presença do autor do livro.

Lançado em 2011, o volume do escritor carioca nascido em 1961 conta a história de um crime: o assassinato do secretário da Presidência da República em um prostíbulo, no Rio de Janeiro, em 1913.

O Senhor Do Lado Esquerdo
Alberto Mussa
l
Comprar

Vencedor do Prêmio Machado de Assis, da Biblioteca Nacional, e do prêmio de ficção da Academia Brasileira de Letras, o romance faz parte da pentalogia que o autor intitulou "Compêndio Mítico do Rio de Janeiro", na qual cada livro é dedicado a um século da história da capital fluminense.

No texto abaixo, Alvaro Costa e Silva, jornalista, escritor, colunista da Folha e leitor dedicado de Alberto Mussa, escreve sobre "O Senhor do Lado Esquerdo" e aproveita para revelar conversa com o autor sobre o último livro da série, que deve se chamar "A Biblioteca Elementar".

*

Pode-se dizer que "O Senhor do Lado Esquerdo", publicado em 2011, inaugura uma nova fase na carreira de Alberto Mussa.

"O Enigma de Qaf" (2004) e "O Movimento Pendular" (2006) são borgeanos na preocupação de discutir a narrativa e na escolha de temas universais, enquanto "Elegbara" (1997) e "O Trono da Rainha Jinga" (1999) recriam ficcionalmente o Brasil com ênfase nas experiências culturais indígena e africana (todos os livros são publicados pela Record).

"O Senhor do Lado Esquerdo" reúne as duas tendências. O fascínio do autor pelo mito —gênero supremo da literatura, segundo Mussa— elege o Rio de Janeiro, cidade que será estudada e recontada a partir dos crimes perpetrados nela.

Persiste a preocupação com a narrativa. Daí as histórias paralelas que se interpolam na história principal —a investigação de um assassinato nas dependências do palacete da marquesa de Santos, o qual, na realidade romanesca, é um prostíbulo de luxo conhecido como Casa das Trocas (este, aliás, é o subtítulo da obra).

Mussa propõe um jogo: embaralhar verdades e mentiras, ficção e história. O leitor muitas vezes fica em dúvida em relação aos fatos, mas, no fundo, o que autor quer é isso mesmo: contestar as versões oficiais estabelecidas.

Os personagens principais são pretos e mulatos, têm nomes e sobrenomes, destacam-se por suas qualidades intelectuais. A construção deles está longe do ponto de vista exótico ou autorreferente, o que foge à regra dominante na literatura brasileira.

Em "O Senhor do Lado Esquerdo", a linguagem se apresenta mais solta, a estrutura mais fluente e menos esquemática. Fica evidente a intenção de atingir um público maior, sem abrir mão da sofisticação literária.

Deliberadamente, trata-se de um relato policial, na linha racional, intelectual, enigmática. De novo, pode-se fazer uma associação com Jorge Luis Borges, melhor dizendo, com Borges e Bioy Casares, que juntos escreveram sob o pseudônimo de Bustos Domecq.

Nota-se o peso da pesquisa e da investigação —leitura e releitura de livros de referência e de romances clássicos urbanos— na preparação da obra. Uma imersão no universo em que está ambientada a narrativa, como se o escritor quisesse impregnar-se dele, depurar sua sensibilidade em relação àquele espaço.

A técnica é a mesma empregada nos outros livros que formam o que Alberto Mussa classifica de "compêndio mítico" sobre o Rio de Janeiro. Uma pentalogia, abrangendo cada século da história carioca.

A ação principal de "O Trono da Rainha Jinga" —romance que foi publicado em 1999 e reescrito em 2007, para adequar-se aos demais— decorre em 1626. "O Senhor do Lado Esquerdo" aborda um crime cometido em 1913.

"A Primeira História do Mundo" (2014) leva o esquema ao paroxismo. O escritor, baseando-se em documentação de um caso real, trata daquele que seria o primeiro assassinato acontecido no Rio, em 1567, evento que, entre suspeitos, acusados e testemunhas, implicou 15% da população da cidade.

Outra peculiaridade é a cena do crime: perto da famosa Casa de Pedra, na foz do rio Carioca. No fundo, é uma trama de adultério, tema caro ao autor.

Ponto alto do ciclo, "A Hipótese Humana" (2017) se passa em 1854, no Catumbi, que é pintado como um bairro bem diferente daquele que aparece nos romances de Machado de Assis, cuja ação se desenrola mais ou menos na mesma época. É um Catumbi de encruzilhadas, habitado por nações de capoeiras rivais. A questão abordada é: em que, exatamente, consiste um crime?

A referência acima a Machado de Assis não é apenas de tipo ficcional ou tempo geográfico. Ao contrário do que se podia imaginar, o romance urbano-carioca de Alberto Mussa não dialoga com os de Machado.

Ele sente-se próximo de Lima Barreto, Marques Rebelo (em especial o de "Marafa"), Nelson Rodrigues (a quem considera, no século 20, um gênio maior do que Guimarães Rosa) e um improvável Sérgio Porto, não na sua persona Stanislaw Ponte Preta, mas o novelista de "As Cariocas" (Agir).

Para escrever este artigo, conversei com Alberto Mussa sobre o quinto e último romance da série, o qual terá o título de "A Biblioteca Elementar" e tem lançamento previsto para no ano que vem.

"O livro se passa em 1733, quando a Inquisição no Rio estava forte", explica Mussa. "A cena principal é a antiga rua da Carioca, chamada então de rua do Egito. Inventei a tese de que se chamava do Egito porque era habitada basicamente por ciganos —na época, havia a crença de que os ciganos vinham de lá".

"Numa sexta-feira, 13 de novembro, dois fatos importantes dão início à trama: o assassinato de um licenciado em ciências (que teria livros proibidos em casa) e uma denúncia de bruxaria contra uma das moradoras. A investigação do suposto crime é arquivada logo; mas a da heresia, feita por um familiar do Santo Ofício, acaba crescendo com a descoberta de mais 'hereges'."

"No fim, quem descobre mesmo o que aconteceu são as ciganas moradoras da rua. Esse é mais ou menos o resumo da trama. Um dado importante: na casa do licenciado que morreu (dizia a lenda popular) haveria um livro, um segredo dos mouros, que tinha uma história diferente para cada leitor, como se as letras se mexessem a cada leitura. Vou amadurecer isso ainda", afirma o escritor.

ALVARO COSTA E SILVA, o Marechal, 54, é jornalista e colunista da Folha. Escreveu "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro" (Casarão do Verbo).


Endereço da página:

Links no texto: