Folha de S. Paulo


Arquitetos pop e investimento em arte tentam deixar Cingapura mais 'cool'

Em uma cidade-Estado conhecida pelo planejamento minucioso a longo prazo, o embelezamento não tem nada de orgânico.

Na última década, em Cingapura, as pranchetas mais requisitadas da arquitetura mundial projetaram de shoppings a condomínios, de torres de escritórios a complexos multiuso.

Arquitetos globais como Toyo Ito, Norman Foster, Daniel Libeskind, Zaha Hadid, Rem Koolhaas, Moshe Safdie e Bjarke Ingels receberam encomendas e mudaram boa parte do distrito financeiro surgido nas últimas décadas em novos aterros –o território do país cresceu 30% em cinco décadas.

Em vez dos espelhados genéricos e dos neoclássicos falsos que deixam a Faria Lima e a Berrini com cara de subúrbio do Texas, os novos arranha-céus de Cingapura têm jardins verticais, terraços com árvores, arcadas formadas por pilotis, além de lojas e bancos ao ar livre nos seus térreos.

A maior atração é o novo jardim botânico Gardens by the Bay, famoso por suas duas estufas gigantes feitas de vidro grosso que dispensa colunas e climatizadas pelo uso abundante de água. O parque é um respiro em uma cidade com temperaturas sempre na casa dos 30 graus e umidade relativa superior a 80%, padrão Manaus.

A piscina de horizonte infinito do hotel Marina Bay Sands e uma roda gigante de 165 metros de altura, a mais alta do mundo, são os mirantes dessa transformação.

CORBUSIER NOS TRÓPICOS

Com 80% da população de 5,6 milhões de pessoas vivendo em conjuntos habitacionais, construídos pelo governo sem prezar pelos traços nem se importar com a monotonia, a metrópole ultracapitalista lembrava a estética soviética das cidades chinesas.

Para quem acha que Brasília representa o ápice das ideias urbanísticas do arquiteto franco-suíço Le Corbusier, vale checar o modernismo desta ilha entre a Malásia e a Indonésia.

Os conjuntos habitacionais são superquadras com espigões sobre pilotis, cercadas por muito verde e conectadas por vias expressas.

Mesmo com pedágio urbano e licenciamento caríssimo para dirigir, Cingapura está longe de ser uma cidade caminhável (não só por causa do clima).

Para cruzar muitas de suas avenidas, há passarelas cheias de degraus que triplicam o trajeto de uma calçada a outra e deixam os pedestres em segundo plano.

JEJUM ARTÍSTICO

Mais conhecida por seus shoppings que por sua vida cultural, Cingapura tem museus dedicados a brinquedos, a gatos, um de cera (o caça-níqueis Madame Tussauds) e até um que abriga mostras temporárias dedicadas a Harry Potter e ao Titanic.

Para compensar esse jejum artístico, foi aberta no final de 2015 a Galeria Nacional de Cingapura, especializada em arte do Sudeste Asiático. Com 64 mil m² (o triplo da Pinacoteca paulistana) e ótimos espaços, custou o equivalente a R$ 1 bilhão.

É um retrofit das antigas prefeitura e Suprema Corte da era colonial britânica, feito pelo arquiteto francês Jean-François Milou. Como em qualquer museu com menos de dois anos de funcionamento, a coleção não é o forte –o maior destaque foi uma retrospectiva de Yayoi Kusama. No salão infantil, crianças se esbaldaram com as referências da artista japonesa.

Mais de 1,5 milhão de pessoas visitaram o museu nos últimos 12 meses. A entrada é gratuita para cidadãos locais, mas cobrada para os turistas, que representam 30% dos visitantes.

ESPÓLIO LONDRINO

No final de agosto, foi lançada a campanha "Passion made possible" (fazendo a paixão possível), uma série de vídeos que tenta vender uma imagem cool de Cingapura.

Segundo línguas bem informadas, mais que atrair turistas, o pequeno país de 719 km² quer competir com Hong Kong e Nova York pelos banqueiros que estão deixando Londres por causa do 'brexit'. Para isso, vale uma repaginada arquitetônica e o investimento na promoção de artes.

Mas a fama de cidade certinha e sem bossa vai depender de mais ginga das autoridades, já que até a pequena Parada LGBT local é tratada como uma ameaça à segurança nacional.

Confinada a uma praça, pois a marcha é proibida, os participantes tiveram que passar por detectores de metal e apresentar documentos para atravessar o cerco policial. A participação de estrangeiros foi vetada, devido ao caráter "político" da manifestação.

RAUL JUSTE LORES, 41, repórter especial da Folha, é autor de "São Paulo nas Alturas" (Três Estrelas).


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