Folha de S. Paulo


Bobagens que circulam na internet não podem ser tratadas como piadas

Andy Schocken
O escritor Deepak Chopra (à esq). e seu filho, Gotham, na Índia, durante filmagens de documentário

Vivemos na era da informação, o que significa que também vivemos na era da desinformação. De fato, é provável que você já tenha visto mais bobagens nesta semana do que uma pessoa normal que viveu mil anos atrás viu em toda sua vida.

Se somássemos todas as palavras contidas em todos os estudos acadêmicos publicados antes do Iluminismo, o resultado seria muito menor que o número de palavras utilizadas para difundir besteiras na internet só no século 21.

Se você está balançando a cabeça em sinal de concordância, comece a balançá-la em sinal de discordância. Eu estou falando bobagem.

Como posso saber quanta besteira você leu nesta semana? E se você estiver lendo este texto num domingo? O que é uma pessoa "normal" que viveu mil anos atrás? E como eu poderia saber quanta bobagem essa pessoa encarou na vida?

Foi muito fácil falar essa besteira [como se fosse um argumento]. A partir do momento em que me propus a impressionar, e não a informar, tirei um peso dos meus ombros e o pus nos seus. Minhas afirmações iniciais até podem ser verdadeiras, mas não temos como saber. Verdadeiras ou falsas, isso era irrelevante para mim, o contador de papo furado.

Segundo o filósofo Harry Frankfurt, professor emérito na Universidade Princeton, a besteira é enunciada sem nenhuma preocupação com a verdade. Na mentira, por sua vez, há uma preocupação profunda com a verdade (a saber, a preocupação de subvertê-la).

A besteira é especialmente perniciosa porque quem conta papo furado adota uma atitude epistêmica que lhe possibilita muita agilidade. Para ele, não tem importância estar certo ou errado. O que lhe importa é que você esteja prestando atenção.

Como poderíamos pesquisar as bobagens empiricamente? Tomemos como exemplo o célebre espiritualista e proponente da medicina alternativa Deepak Chopra. Veja dois de seus tuites:

"Mecânica da Manifestação: Intenção, desapego, centrado em ser permitir justaposição de possibilidades se desenvolverem #ConsciênciaCósmica"

"Como seres de luz somos locais e não locais, limitados pelo tempo e atemporais realidade e possibilidade #ConsciênciaCósmica"

Sem saber quais são as intenções de Chopra, é um pouco difícil determinar se esses tuítes são besteira. As palavras que ele selecionou são desnecessariamente complexas, e os significados pretendidos não são claros. Talvez os tuítes tenham sido redigidos para impressionar, não para informar. Chopra pode ter lançado mão de um texto vago a fim de aparentar profundidade.

PESQUISA EMPÍRICA

Mas tudo isso é minha opinião. Certamente há pessoas para as quais afirmações como essas são de fato profundas. Quem sou eu para dizer que são bobagens? Bem, realizei pesquisas empíricas sobre bobagens, e os resultados são claros. Meus colaboradores e eu publicamos um artigo no qual investigamos o que descrevemos como besteira pseudo-profunda. Para entender como investigamos bobagens empiricamente, considere os seguintes exemplos:

"O invisível está além da nova atemporalidade".

"À medida que você se autorrealiza, vai ingressando numa empatia infinita que transcende a compreensão".

Essas afirmações, sem sombra de dúvida, são bobagem. Posso afirmar isso porque elas foram geradas por meio de dois sites na internet: wisdomofchopra.com e New Age Bullshit Generator. Ambos selecionam aleatoriamente palavras que estão em voga e as utilizam para formar sentenças. As frases não pretendem ter significado e mascaram sua falta de sentido com uma formulação vaga. São besteira.

Ao longo de quatro estudos e com mais de 800 participantes, constatamos que as pessoas leem bobagens evidentes como essas e as classificam como pelo menos um pouco profundas. Mais importante, essa tendência –que descrevemos como receptividade à besteira– se mostrou mais comum entre pessoas que tiveram resultados piores em uma série de testes sobre habilidades cognitivas e estilo de pensar e que acreditavam em religiões e atividades paranormais.

Dito de outra forma, como seria de esperar, pessoas mais lógicas, analíticas e céticas têm tendência menor a classificar besteira como algo profundo.

Um aspecto importante é que incluímos no estudo frases motivacionais escritas em linguagem simples e direta e que tinham significado claro (exemplo: "Um rio abre uma vala nas rochas não por sua força, mas por sua persistência"). Surpreendentemente, mais de 20% dos participantes de nossos estudos classificaram as frases compostas de palavras aleatórias como mais profundas do que as sentenças com significado claro.

Essas pessoas tinham detectores de bobagens especialmente deficientes. E tiveram notas mais baixas em nosso teste de estilo de pensamento, indicando que tendem a ser mais intuitivas, e não reflexivas na tomada de decisões.

Então o que dizer de Chopra? Um dos sites que utilizamos (wisdomofchopra.com ) tira palavras diretamente de sua conta no Twitter. Assim, para nós, foi uma evolução natural pegar os tuítes reais de Chopra e apresentá-los às pessoas junto com as palavras da moda, sem identificar que havia alguma ligação com Chopra.

É claro que nem tudo que Chopra diz é papo furado, mas esses tuítes certamente são. Você pode decidir se representam ou não o célebre espiritualista.

Embora as pessoas em geral tenham classificado os tuítes de Chopra como um pouco mais profundos do que as orações formadas aleatoriamente, há uma correlação muito forte entre as notas de profundidade dadas aos dois tipos de item. Numa escala de 0-1, em que 0 indica que não há correlação e 1 indica uma correlação perfeita, a correlação entre elas foi de 0,88.

Além disso, os dois itens estavam correlacionados com os mesmos fatores psicológicos. Em outras palavras, os tuítes de Chopra eram psicologicamente indistinguíveis das frases que eram pura baboseira.

Ao que eu saiba, foi a primeira pesquisa empírica sobre bobagens. Mas essa é apenas a ponta de um enorme iceberg. Topamos com dezenas de besteiras todos os dias. Em comerciais, na política, nos tabloides, na televisão -afirmações enganosas aparecem em toda parte, quando você está atento para vê-las.

Nossas descobertas são divertidas, mas o papo furado não é um assunto risível. Deepak Chopra lançando tuites poéticos pode não ser algo muito problemático, mas a falta de preocupação com a verdade que caracteriza o papo furado tem consequências sérias.

CHARLATANISMO NA SAÚDE

Considere o papel do papo furado em áreas altamente complexas, como a saúde. O cirurgião cardiotorácico e apresentador de televisão americano Dr. Mehmet Oz já utilizou suas credenciais para promover "tratamentos charlatanescos... para seu ganho financeiro pessoal".

Pesquisas divulgadas no "British Medical Journal" concluíram que menos de metade das recomendações feitas no "The Dr Oz Show" era baseada em evidências confiáveis.

Em 2014, quando um subcomitê do Senado questionou suas alegações de que remédios em grande medida não testados possibilitariam "curas milagrosas", Oz respondeu dizendo "sinto que meu trabalho, no programa, consiste em ser líder de torcida para o público". Ele próprio admitiu que seu programa contém afirmações enganosas. Motivar seus espectadores é mais importante que lhes transmitir informações confiáveis.

Mas os espectadores o levam a sério e querem melhorar sua saúde. Quando o bem-estar das pessoas está em jogo, a verdade deve ser a preocupação principal.

É muito comum que os proponentes da medicina alternativa enfatizem a importância de se ter uma "mente aberta". Infelizmente, isso pode levar as pessoas a ignorar evidências empíricas.

Por exemplo, muitas pessoas que são contra vacinas parecem não se preocupar com o fato de que o infame artigo de Andrew Wakefield publicado no "Lancet" em 1998 que citou uma ligação entre a vacina tríplice viral e o autismo foi desacreditado e desmentido há muito tempo.

De fato, as explicações diretas desse fato não ajudam a dissuadir as vítimas do papo furado dos adversários das vacinas. Doenças como sarampo e caxumba estão voltando nos Estados Unidos, e, segundo pelo menos um site na internet, desde 2007 ocorreram no país mais de 9.000 mortes evitáveis devido à não vacinação. Realmente, papo furado não é uma questão sem importância.

Em seu livro "On Bullshit" (acerca da baboseira, em tradução livre; 2005), Frankfurt observou que "a maioria das pessoas tem bastante confiança em sua capacidade de reconhecer o que é papo furado e não se deixar enganar". Contudo, mais de 98% dos nossos participantes qualificaram pelo menos um item em nossa escala de receptividade de papo furado como sendo pelo menos um pouco profundo.

Não somos tão hábeis quanto imaginamos em detectar o que é ou não é conversa fiada.

Então como você, leitor, pode se vacinar contra afirmações desse tipo? Para alguém que não é espiritualista, talvez seja relativamente fácil perceber quando Chopra ou Oz estão menos preocupados com a verdade que em vender livros ou entreter os telespectadores. Mas pense nos parágrafos iniciais deste texto.

O papo furado é muito mais difícil de detectar quando queremos concordar com ele. O primeiro e mais importante passo consiste em reconhecer os limites de nossa própria cognição. Precisamos ser humildes quanto à nossa capacidade de justificar nossas próprias crenças.

Essas são as chaves para a adoção de uma mentalidade crítica, nossa única esperança em um mundo tão repleto de desinformação.

GORDON PENNYCOOK, doutor em psicologia cognitiva pela Universidade de Waterloo (Canadá), faz pós-doutorado na Universidade Yale (EUA)

Tradução de CLARA ALLAIN

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