Folha de S. Paulo


Em enquete, personalidades elegem as melhores canções de Chico Buarque

Uma votação feita pela "Ilustríssima" apontou "Construção" (1971) como a canção mais icônica de Chico Buarque, que lança "Caravanas", seu 23º disco solo de estúdio.

A reportagem ouviu 40 personalidades da música, do teatro, do cinema e da literatura, além de professores universitários e pesquisadores. Todos têm relação íntima com a obra do carioca, seja por interpretar seus temas, seja por encomendar a ele trilhas sonoras para filmes, seja por montar textos teatrais ou adaptar romances de autoria dele para telas grande e pequena.

Também há quem tenha criado contos a partir de composições de Chico e quem tenha feito dele objeto de perfis biográficos ou análises musicais aprofundadas. Por fim, entraram na brincadeira alguns parentes do músico, mas não os parceiros.

Independentemente da área de origem dos entrevistados, um queixume se repetia: é um sacrilégio pinçar apenas três preferidas no vastíssimo cancioneiro buarquiano –que conta mais de 500 obras. O fato de as escolhas terem abarcado 61 títulos, da púbere "A Rita" (1965) à novíssima "Tua Cantiga", só atesta a dificuldade da tarefa.

Caravanas
Chico Buarque
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Para além do pódio (completado por"O Que Será", 1976, na vice-liderança, e pela dobradinha "As Vitrines", 1981, e "Roda Viva", 1967, no último degrau), chama a atenção a votação expressiva de canções de teor político explícito, como os sambas "Apesar de Você" (1970), com quatro menções, e "Vai Passar" (1984), com duas, lançados em diferentes momentos da ditadura militar –respectivamente, o endurecimento pós-AI-5 e a abertura política.

Várias figuras ouvidas pela reportagem teceram paralelos entre tal período da história do país e a cena política atual.

Outro resultado curioso do levantamento é a ausência ou votação baixa de alguns dos hits de Chico que mais inflamam as plateias de seus shows, como "Eu te Amo" (uma menção), "Quem te Viu, Quem te Vê" (idem) e"João e Maria" (zero).

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TODOS OS VOTOS

ALEXANDRE LOUZADA
Carnavalesco e autor do enredo "Chico Buarque da Mangueira", com o qual a escola foi campeã em 1998

[1] "Carolina" (1967) - Personagem presente na vila da minha infância, onde mulheres se debruçavam em suas janelas

[2] "Quem te Viu, Quem te Vê" (1966) - Remete ao sonho de um mundo que sempre me fascinou, que é o do Carnaval

[3] "Cálice" (com Gilberto Gil - 1973) - Uma das obras que melhor retrata uma página infeliz de nossa história, a ditadura militar

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ADELIA BEZERRA DE MENESES
Professora da USP, escreveu "Figuras do Feminino na Canção de Chico Buarque" e "Desenho Mágico: Poesia e Política em Chico Buarque" (Ateliê Editorial)

[1] "Cala a Boca, Bárbara" (com Ruy Guerra - 1972/73) - Uma das mais intensas canções eróticas, que pode ser lida também no registro político

[2] "Todo o Sentimento" (com Cristóvão Bastos - 1987) - Inapelavelmente lírica, consagrando a expressão "tempo da delicadeza", essa canção redimensiona a categoria "tempo"

[3] "O Que Será" (1976) - Alçando os marginais e desvalidos a protagonistas da história, é um canto libertário e político, em que lateja o Eros do povo
E
[3] "Construção" (1971) - Uma canção tão marcada por dramáticas proparoxítonas, tão intercambiáveis quanto o pedreiro a que se referem

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BETH CARVALHO
Gravou "O Meu Guri" e inúmeras canções do compositor

[1] "Apesar de Você" (1970)- É o hino da esquerda, mais atual do que nunca

[2] "O Meu Guri" (1981) - Incrível a sensibilidade do Chico de se colocar no lugar da mãe do guri

[3] "Sinhá" (com João Bosco - 2010)- É uma obra-prima, expressa muito bem a malícia da miscigenação

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BIBI FERREIRA
Atriz da primeira montagem de "Gota d'Água" (1975)

[1] "Gota d'Água" (1975)

[2] "Basta Um Dia" (1975)

[3] "Bem Querer" (1975)

Ele compôs as três para "Gota d'Água", escrita em parceria com meu marido, Paulo Pontes (1940-76). É especialmente bonito o fim de "Bem Querer": "Como alguém que lhe apagasse a luz/ vedasse a porta e abrisse o gás"

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BRUNO BARRETO
Cineasta, dirigiu "Dona Flor e Seus Dois Maridos" (1976), com trilha de Chico, e episódios de "Amor em Quatro Atos" (2011), baseada em canções dele

[1] "O que Será" - Muita gente não sabe ou não se lembra que foi feita sob encomenda para "Dona Flor"

[2] "As Vitrines" (1981) - Música que inspirou um dos episódios que eu dirigi da série "Amor em Quatro Atos"

[3] "Folhetim" (1977/78) - A maioria das músicas do Chico é como um roteiro. Ele é um grande contador de histórias, por isso se tornou também um grande escritor

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CACÁ DIEGUES
Cineasta, encomendou a Chico canções para "Quando o Carnaval Chegar" (1972; aqui, o cantor também atua), "Joanna Francesa" (1973) e "Bye Bye, Brasil" (1980), entre outros

[1] "Morro Dois Irmãos" (1989)- Morei anos em Ipanema. Mas foi preciso que o Chico fizesse essa música para eu entender por que o morro era uma metáfora sentimental da minha vida

[2] "Joana Francesa" (1973) - Essa canção me remete a um filme de que gosto muito, a um momento importante da minha vida. Mas o que me comove mesmo é sua combinação de originalidade e perfeição

[3] "A Banda" (1966) - Marchinha ingênua que se tornou o maior sucesso popular dessa geração de compositores. Esse voto é mais uma homenagem à nossa cultura popular do que uma indicação de gosto pessoal. A história às vezes importa mais que nossas preferências

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CADÃO VOLPATO
Jornalista e autor de conto inspirado em música de Chico para a antologia "Essa História Está Diferente" (Companhia das Letras)

[1] "Flor da Idade" (1973) - Traz uma quadrilha drummondiana ao final. Pelo que sei, Chico teve que justificar à censura por que dois homens se amavam na letra ("Paulo que amava Juca"). É cheia de humor, zero de lirismo cafona

[2] "Quando o Carnaval Chegar" (1972) - Tem um compasso e uma tensão difíceis de encontrar em outra música

[3] "Joana Francesa" - Valsa franco-tupinambá cantada na preguiça de uma tarde de sexo e lassidão

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CARLINHOS BROWN
Cantor e pai de dois netos de Chico

[1] "Trocando em Miúdos" (com Francis Hime - 1978)

[2] "As Vitrines"

[3] "Olhos nos Olhos" (1976)

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CAROLA SAAVEDRA
Escritora, assinou conto para o livro "Essa História Está Diferente"

[1] "Mil Perdões" (1983) - Descreve
de forma direta e perfeita as complexidades e contradições do amor

[2] "Construção" - Gosto especialmente de como, nela, o ser humano e as coisas vão se amalgamando

[3] "Roda Viva" (1967) - Conteúdo
e forma se integram, criando uma ciranda cada vez mais febril, até que se dá um corte

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CHARLES MÖELLER
Diretor de "Todos os Musicais de Chico Buarque em 90 Minutos" (2014) e "Ópera do Malandro" (2003)

[1] "O Que Será" - A primeira ("Abertura") é um canto de espera e dor. A segunda, "À Flor da Pele", é uma explosão de sensualidade. E "À Flor da Terra" encarna a revolução da liberdade

[2] "Mil Perdões" - Tem uma sacada de mestre, ao usar a voz da protagonista para dialogar com o titulo da peça de Nelson Rodrigues ["Perdoa-me por me Traíres"] e do filme homônimo para o qual foi feita

[3] "Bye Bye, Brasil" (com Roberto Menescal - 1979) - É por si só um roteiro de filme

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CRIOLO
Rapper, compôs nova letra para "Cálice" e foi elogiado por Chico

[1] "O Que Será" - Foi emocionante cantá-la com Bituca [Milton Nascimento] em nossa turnê

[2] "Cálice" - Fiz uma versão, e ele respondeu com um rap

[3] "Construção" - Pois sempre somos nós que pagamos a conta

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DIOGO NOGUEIRA
Gravou com Chico "Sou Eu"

[1] "Roda Viva"

[2] "Homenagem ao Malandro" (1977/78)

[3] "Sou Eu" (com Ivan Lins - 2009)

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ELBA RAMALHO
Participou da primeira montagem da "Ópera do Malandro" (1978)

[1] "O Meu Amor" (1977/78) - Foi a minha primeira gravação profissional. Na época, talvez eu não tivesse a dimensão do que seria participar do disco do Chico [de 1978]

[2] "Todo o Sentimento" - Sempre fui apaixonada por essa canção. É densa, difícil de cantar

[3] "As Vitrines" - Naquele começo dos anos 80, eu me identificava muito com tudo o que a canção dizia; passava por inseguranças, mas vivia um deslumbramento com o sucesso dela nas rádios

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ELIFAS ANDREATO
Ilustrador de discos de Chico como "Ópera do Malandro" (1979) e "Almanaque" (1981)

[1] "Sobre Todas as Coisas" (com Edu Lobo - 1982) - Que bom seria se essa oração pudesse constar de nossos cultos religiosos

[2] "Tempo e Artista" (1993)- "Rugas [...] como contrapesos de um sorriso" eu vejo no espelho todos os dias

[3] "Todo o Sentimento" - "Prometo te querer até o amor cair doente" poderia substituir nos casamentos "até que a morte nos separe"

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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Diretor de Redação da "piauí" e autor de "Folha Explica Chico Buarque" (Publifolha, 2004)

[1] "Beatriz" (com Edu Lobo - 1982) - Vou parafrasear um pequeno poema de Rubens Rodrigues Torres Filho: "Chico fez o que quis... Beatriz"

[2] "Pelas Tabelas" (1984) - Para lembrar que panelas e camisas amarelas já significaram outra coisa. Mas claro que ninguém se importa com minha aflição

[3] "O Futebol" (1989) - Quando Chico canta o sentimento diagonal do homem-gol, eu sempre me lembro da jogada de Pelé contra o Uruguai na Copa de 1970. Mas aqui, nessa canção, a bola entra

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GABRIEL VILLELA
Diretor de "A Ópera do Malandro" (2000), "Os Saltimbancos" (2001) e "Gota d'Água" (2001)

[1] "Uma Canção Desnaturada" (1979) - Tanta mágoa e humilhação fazem a mãe querer que a filha volte para o ventre, como Medeia, que extirpou a prole por vingança

[2] "O Meu Guri" - Tragédia à moda brasileira, da mãe simplória, "sem noção", que vê o filho morto e acha "que está lindo de papo pro ar"

[3] "Brejo da Cruz" (1984) - A tragédia se dá pela descaracterização social das crianças, pela perda de identidade de seres "bárbaros" no confronto com o mundo civilizado

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GAL COSTA
Intérprete de "Folhetim", dedicou "Mina d'Água do Meu Canto" (1995) à obra de Chico e de Caetano

[1] "Folhetim" - É uma música em que o Chico exercita aquela persona feminina que é uma das marcas mais geniais da obra dele

[2] "Desalento" (com Vinicius de Moraes, 1970) - Letra e melodia de uma beleza inacreditável

[3] "As Vitrines" - Letra abstrata e linda, assim como a melodia

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GEORGETTE FADEL
Atriz da montagem "Gota d'Água - Breviário" (2006)

[1] "Valsa brasileira" (com Edu Lobo - 1987-88) - É o amor como ele existe no fundo do meu imaginário

[2] "Gota d'Água" - É o aviso suspenso no ar aguardando ação

[3] "Bárbara" (com Ruy Guerra - 1972-73) - Por mergulhar no poço escuro de nós duas
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"Roda Viva" - Porque é nela que estamos

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HELOISA STARLING
Professora da UFMG e autora de "Uma Pátria Paratodos - Chico Buarque e as Raízes do Brasil" (Língua Geral)

[1] "Construção" - João Cabral de Melo Neto dizia ser essa a melhor canção de Chico -pelo uso das rimas em proparoxítonas. Mas a história do operário funda um novo caminho na obra de Chico

[2] "Futuros Amantes" (1993) - Em um Rio sobre o qual recai a eternidade, os escafandristas mergulham nas profundezas do passado para extrair fragmentos ricos e estranhos. Do passado só conhecemos pedaços

[3] "Sinhá" - Começa onde a raiz da cordialidade detectada por Sérgio Buarque se enterra. A canção reconhece os silêncios que atravessam a formação social brasileira e que escondem a fonte da violência encravada em nossa história escravocrata

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HUMBERTO WERNECK
Jornalista, autor da reportagem biográfica de "Tantas Palavras" (Companhia das Letras)

[1] "Futuros Amantes" - Não fosse por nada, seria pela ideia do amor que sobrevive aos amantes

[2] "As Vitrines" - Pelos quatro últimos versos e por todos os que vêm antes

[3] "Vai Passar" (com Francis Hime - 1984) - Porque de Chico não poderia faltar um samba, e porque este deu voz a um país inteiro

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JOÃO FALCÃO
Diretor de "Cambaio" (2001) e "Ópera do Malandro" (2014)

[1] "Futuros Amantes" - Consegue ser romântica sendo ficção científica

[2] "Leve" (com Carlinhos Vergueiro - 1997) - O pé na bunda mais elegante da música brasileira

[3] "Vai Passar" - Mais atual do que nunca

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JOÃO FONSECA
Diretor de "Gota d'Água" (2007)

[1] "O Que Será" - Minha música favorita: sensibilidade à flor da pele

[2] "Construção" - Denúncia e poesia

[3] "Beatriz" - A mais linda homenagem às atrizes

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LAILA GARIN
Atriz de "Gota d'Água [A Seco]" (2016)

[1] "As Vitrines" - Algo metafísico ou extremamente físico, ligado às ondas sonoras da melodia e da harmonia. Desde criança, choro com essa música

[2] "Uma Palavra" (1989) - Porque provoca insights, é de uma poesia sem fim. Só somos humanos por causa da linguagem

[3] "Uma Canção Desnaturada" - Porque é cheia de cores não belas descritas com uma beleza imensa. Porque revela sentimentos que nem mesmo a gente que sente sabia que existiam. Porque nomina o inominável

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LEILA PINHEIRO
Gravou com Chico "Renata Maria" e participou de álbuns dele como "Dança da Meia-Lua" (1988)

[1] "Futuros Amantes" - Só entendi profundamente a letra quando, depois de seis anos de separação, reencontrei este amor adiado, que ficou pairando, esperando novamente ser correspondido

[2] "Valsa Brasileira" - Parceria de Chico com Edu Lobo, para mim, é uma das caras da perfeição, do assombro máximo com a beleza. Aqui, há até melodia ascendente em "subia na montanha..."

[3] "Retrato em Branco e Preto" (com Tom Jobim, 1968) - Tom e Chico juntos é para quem tem coração forte. Letra e música parecem ter estado juntas desde muito tempo, vêm de outras vidas, tal a intimidade com que se encaixam e se completam

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MIÚCHA
Cantora e irmã de Chico

[1] "Maninha" (1977) - Significou muito para mim. Ele fez especialmente para o meu primeiro disco com o Tom [Jobim]

[2] "Tua Cantiga" (com Cristóvão Bastos, 2017) - Adoro o jongo, esse lado para que o Cristóvão foi. A letra do Chico está espetacular, e eu morro de rir com as pessoas confundindo personagem com o intérprete, quando ele diz que abandonaria a mulher e os filhos

[3] "As Caravanas" (2017) - É a música mais impressionante do Chico nos últimos tempos. Não sei nem dizer qual é o ritmo, ela começa de um jeito e acaba meio que num funk

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MÔNICA SALMASO
Gravou com Chico "Imagina", além do disco "Noites de Gala, Samba na Rua" (2007), todo dedicado à obra dele

[1] "Beatriz" - É uma música extremamente sofisticada e trabalhosa de fazer, de tocar e de cantar

[2] "Construção"- Um clássico perfeito. Muito bem feito, esse quebra-cabeça é um curta-metragem

[3] "Sinhá" - Encontro arrebatador de mestres sobre a história do Brasil

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MONIQUE GARDENBERG
Diretora do filme "Benjamim" (2004), adaptado do livro homônimo de Chico

[1] "Apesar de Você" - Hino da minha geração, que ainda lutou contra a ditadura. Hoje o Brasil vive um novo Estado de exceção, camuflado

[2] "Joana Francesa" - Sou apaixonada pela maneira como Chico brinca, baila com a letra, com os significados diversos que os dois idiomas [português e francês] provocam

[3] "A Rita" (1965) - Os sambas dele exibem com perfeição a tradição da oralidade simples e bela, em contraponto a letras mais rebuscadas. Nessa ala, também gosto de "Vai Passar" e "Deixa a Menina"

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NANA CAYMMI
Gravou com Chico "Até Pensei" e participou de projetos dele, como a trilha de "O Corsário do Rei" (1985)

[1] "Até Pensei" (1968)

[2] "O Que Será")

[3] "Gota d'Água"

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NEY MATOGROSSO
Gravou o disco "Um Brasileiro" (1996), dedicado à obra de Chico

[1] "Construção" - Da maneira como a música foi organizada, parece que você está vendo um filme

[2] "Almanaque" (1981) - É uma música maravilhosa, com uma letra incrível, que fala de tudo

[3] "Tatuagem" (com Ruy Guerra, 1972/73) - A composição do Chico a partir do ponto de vista feminino é impressionante. Acho que nenhuma mulher conseguiu realizar isso tão profundamente

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OLIVIA BYINGTON
Gravou diversas canções de Chico e participou de trabalhos dele, como a trilha de "Para Viver um Grande Amor" (1983)

[1] "Eu te Amo" (com Tom Jobim - 1980) - Decassílabos na melodia de Tom Jobim com prosódia perfeita e rimas emocionantes

[2] "Tatuagem" - Chico vestindo a pele do lirismo feminino sempre me faz chorar

[3] "Apesar de Você" - É só a gente trocar o "você" da época pelo de hoje para renovarmos a esperança em dias melhores

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OSWALDO MONTENEGRO
Gravou um disco em torno da obra de Chico ("Seu Francisco", 1993)

[1] "Construção" - Pelo casamento entre a ideia, o conteúdo e a forma

[2] "Todo o Sentimento" - Sobre uma melodia refinada de Cristovão Bastos foi tecida uma letra com emoção, mas sem pieguice

[3] "Roda Viva" - Apesar de ter uma percepção filosófica aguda sobre o poder das circunstâncias e do tempo sobre a pequenez do homem, é popular

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RAFAEL GOMES
Diretor de "Gota d'Água [A Seco]" (2016)

[1] "Você Vai Me Seguir" (com Ruy Guerra - 1972/73) - Eis uma espiral de ambivalência (ou muitas polivalências) que é e sempre será o resumo de nossos amores

[2] "A Voz do Dono e o Dono da Voz" (1981) - Seria exagero dizer que é, objetivamente, uma breve história do capitalismo e também, subjetivamente, uma síntese dos redemoinhos ferozes da criação artística?

[3] "Meio Dia Meia Lua (na Ilha de Lia, no Barco de Rosa)" [com Edu Lobo, 1987/88] - Que atire a primeira pedra (no barco, na ilha ou na água) quem alguma vez já foi um ser por inteiro. E o lirismo, ah, o lirismo

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REGINA ZAPPA
Autora de "Chico Buarque para Todos" (Ímã Editorial) e "Chico Buarque - Cidade Submersa" (Casa da Palavra), entre outros

[1] "Construção" - Uma das grandes, com alternância dos versos, melodia repetitiva de praticamente dois acordes e repetição das palavras no fim das frases que mostra poeticamente a dureza da vida de um trabalhador condenado a repetir seu cotidiano até a morte

[2] "Joana Francesa" - Mistura palavras em francês e português de forma que um idioma escorrega para dentro do outro naturalmente, com palavras que podem fazer sentido nas duas línguas e melodia encantadora

[3] "O Meu Guri" - Reveladora de um sentimento materno tão doloroso que esconde a realidade brutal da vida na favela

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RICARDO CALIL
Jornalista e codiretor do documentário "Uma Noite em 67", que mostra o Festival de MPB em que Chico apresentou "Roda Viva" com o MPB 4

[1] "Construção" - No pós-tropicália, Chico mostra que também pode ser explicitamente moderno, brilhantemente construtivista

[2] "Olhos nos Olhos" - A canção definitiva do "eu lírico feminino" de Chico e da felicidade como instrumento de vingança

[3] "Cotidiano" (1971) - Em contraponto aos clichês do amor romântico, Chico oferece uma visão comezinha do nobre sentimento: amor é hortelã, café, feijão

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SYLVIA CYNTRÃO
Professora da UnB e autora de "Chico Buarque, Sinal Aberto!" (7Letras)

[1] "O Que Será" - Retoma com uma pergunta retórica (para a qual todos sabemos a resposta: os contraditórios do amor-paixão) o melhor poema sobre o tema desde o "Amor é fogo que arde sem se ver" de Camões

[2] "Roda Viva" - Chico representa tanto a condição humana diante do destino quanto o esforço do indivíduo de se afirmar diante do mundo

[3] "Sem Fantasia" (1967) - Dá voz ao duplo do amor em uma só estrutura poético-musical. São dois olhares (o feminino e o masculino), dois pontos de vista que se cruzam e explodem em som

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TADEU JUNGLE
Roteirista e diretor de episódio da série "Amor em Quatro Atos"

[1] "Geni e o Zepelim" (1977/78) -
Com um misto de rudeza e carinho, além de uma estrutura poética original, dá ênfase à travesti discriminada e inscreve esse personagem no vocabulário popular

[2] "Sem Açúcar" (1975) - Admiro o retrato de uma realidade impossível em canções do nosso politicamente correto de hoje, revelando o amor incontrolável de uma mulher subjugada com violência pelo amante

[3] "Todo o Sentimento" - Gosto da fina delicadeza com que ele trata a solidão e de como ele faz uma reverência ao tempo, materializando uma clássica declaração de amor

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VIVIAN FREITAS
Fundadora e vocalista do bloco Mulheres de Chico, dedicado à obra buarquiana

[1] "O Que Será (À Flor da Terra)" - Ouço essa música desde criança. Eu me emocionava mesmo sem entender direito o que a letra queria dizer

[2] "Roda Viva" - Adoro um trecho da primeira estrofe ("A gente estancou de repente/ ou foi o mundo então que cresceu").

[3] "Geni e o Zepelim" - Fala sobre abuso de poder e preconceito de uma forma original

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WALTER CARVALHO
Cineasta e fotógrafo, diretor de "Budapeste" (2009), baseado no livro homônimo de Chico

[1] "A Banda" - A canção pegou na veia de todos da minha geração

[2] "Apesar de Você" - Por continuar atual. Fala de temas aziagos de uma forma singular e poética, que transcende o tempo e permanece no imaginário de todos

[3] "Feijoada Completa" (1977)- No filme "Budapeste", um "ghost writer" recém-desembarcado de Budapeste ouve "Feijoada Completa" numa roda de samba em Ipanema. A canção chega a seus ouvidos traduzida, cantada em húngaro. Escolhi essa música para ser entoada na "única língua que o diabo respeita" por causa de sua letra muito brasileira

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ZÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA
Diretor da montagem original de "Roda Viva" (1967)

[1] "Sem Fantasia"- Chico a compôs para o musical "Roda Viva", que eu dirigi. Quando li o verso "Vem, meu menino vadio", pedi que ele criasse um contraponto. Ele compôs então o "Ah, eu quero te dizer". Eu, maluco, interpreto como se Chico tivesse feito para minha pessoa

[2] "O Meu Amor" - Chico a criou para a "Ópera do Malandro", que meu irmão Luís Antônio dirigiu

[3] "Tua Cantiga" - É deste disco novo. Música linda e terna, que tem provocado uma celeuma "politicamente correta" estúpida

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ZIZI POSSI
Intérprete de "Pedaço de Mim", está montando show dedicado às parcerias de Chico com Edu Lobo

[1] "Cantiga de Acordar" (com Edu Lobo, 2001)

[2] "Beatriz"

[3] "O Circo Místico" (com Edu Lobo, 1982)

LUCAS NEVES, 33, é editor-adjunto da "Ilustríssima".

MARCO AURÉLIO CANÔNICO, 39, é colunista e repórter associado da Folha no Rio.


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