Folha de S. Paulo


Com internet, cada vez mais jovens sofrem de depressão e ansiedade

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De 200 estudantes universitários, 59% receberam o diagnóstico de algum transtorno psicológico
De 200 estudantes universitários, 59% receberam o diagnóstico de algum transtorno psicológico

Minha aluna Julie e eu fizemos um estudo recentemente sobre os resultados de saúde mental associados a estar separado da família durante os anos da universidade (como quando o estudante faz faculdade em outro Estado, algo que é muito comum, é claro). As conclusões foram complexas, e não vou entediá-los com nuances. Mas vou citar um dado que chamou minha atenção: na amostra de mais de 200 estudantes universitários que estudamos, 59% relataram ter recebido o diagnóstico de algum transtorno psicológico em algum momento. Veja bem, não foram 59% dos entrevistados que relataram ter ficado ansiosos ou deprimidos em algum momento. A pergunta era, muito explicitamente, se eles tinham recebido um diagnóstico de transtorno.

Pense nisso.

Trabalho em um ambiente universitário, ajudando jovens a se desenvolverem no tempo que passam sob nossa monitoria. O êxito deles é o nosso êxito –acredito realmente nisso–, e eu presto atenção nos meus alunos. Não há dúvida alguma de que ao longo do tempo temos visto um aumento de todos os tipos de transtornos psicológicos entre nossos estudantes. A cada ano, mais e mais estudantes relatam ter tido problemas com ansiedade ou depressão, além de outros problemas. Nosso centro de assistência psicológica no campus está totalmente saturado o tempo todo, como estão outros centros semelhantes pelo país afora.

A CIFRA

Essa cifra de 59% é representativa? Talvez. Em um artigo sobre esse tema publicado em 2014 também no site Psychology Today, Gregg Henriques apresentou algumas estatísticas, mostrando que entre um quarto e um terço dos estudantes universitários satisfaz os critérios de um diagnóstico de ansiedade ou depressão. Embora essa parcela seja inferior à que Julie e eu encontramos em nosso estudo, é possível que o índice tenha subido tanto assim durante esse tempo. Pelo que eu vejo, parece que essa é a verdade. É uma parcela altíssima.

INTERNET E SAÚDE MENTAL

Numa conversa que tive recentemente com um cientista comportamental mundialmente renomado, Jonathan Haidt, ele chamou minha atenção para o trabalho de Jean Twenge, cujo livro ainda inédito "iGen: Why Today's Super-Connected Kids Are Growing Up Less Rebellious, More Tolerant, Less Happy–and Completely Unprepared for Adulthood–and What That Means for the Rest of Us" (A geração da internet: por que os jovens hiperconectados de hoje estão crescendo menos rebeldes, mais tolerantes, menos felizes –e totalmente despreparados para a idade adulta– e o que isso significa para o resto de nós) se aprofunda nos efeitos psicológicos de ser membro da geração da internet.

Como é o caso de qualquer avanço tecnológico, a tecnologia da internet (incluindo mensagens de texto, e-mails, Snapchat, Instagram etc.) foi criada para melhorar a condição humana. E é claro que o fez, sob muitos aspectos. Por exemplo, hoje, na maioria dos casos, ninguém no mundo precisa possuir uma enciclopédia, uma lista telefônica ou um dicionário.

Se você conhece bem o meu trabalho, deve saber que frequentemente aplico uma lente evolutiva na análise de questões comportamentais ("Evolutionary Psychology 101", Springer Publishing Company). Ao fazê-lo, muitas vezes pergunto se os problemas modernos são pelo menos parcialmente resultantes de uma assimetria evolutiva –que existe quando algum aspecto de nosso ambiente moderno destoa das condições ancestrais que eram típicas do mundo de nossos antepassados durante a parte mais longa da evolução humana.

Pense na geração da internet (também descrita frequentemente como a geração Z). Esses jovens nasceram mais ou menos entre 1995 e 2005. As tecnologias da internet existem desde que eles nasceram. Eles cresceram cercados por essas coisas. Possuem celulares e, em sua maioria, são completamente dependentes deles. Usam mídias sociais, como o Snapchat, incessantemente. É verdade que eles sabem procurar informações, descobrir fatos sobre tópicos de todo tipo e organizar suas vidas de maneiras que os jovens de épocas anteriores nunca puderam. Mas não existe almoço grátis, é claro, e tudo tem seu custo.

Jonathan Haidt me fez ver que o acesso constante à internet desfrutado pelos jovens dessa geração pode muito bem desempenhar um papel importante na crise moderna de saúde mental que afeta os jovens de nosso mundo hoje.

A seguir, veja três maneiras pelas quais os smartphones (e as tecnologias relacionadas) podem estar contribuindo para a crise atual de saúde mental.

1. A comunicação não individualizada frequentemente é cruel e mesquinha

Uma constatação comum na literatura de psicologia social é que as pessoas agem de maneira relativamente antissocial quando sua identidade é oculta –quando agem anonimamente. Pense em como as pessoas são desindividualizadas na internet. Existem sites de todos os tipos em que as pessoas podem deixar feedback anônimo sobre empresas, médicos, professores universitários, professores de escolas e outros.

Jovens da geração da internet constantemente interagem remotamente com pessoas de todo lugar, literalmente, de tal modo que, mesmo quando estão interagindo com uma pessoa que conhecem, essa pessoa está atrás de uma tela. Sob condições ancestrais, nossos antepassados só se comunicavam cara a cara, em contextos em que não havia desindividualização. Em suma, hoje é muito mais fácil os jovens serem mesquinhos e cruéis uns com os outros do que foi em qualquer momento passado da história humana, graças à internet. E resultados sociais que geram sofrimento podem, sem dúvida alguma, exercer consequências graves sobre a saúde mental.

2. O telefone celular gera dependência real

Praticamente todos os desejos que os humanos desenvolveram graças à evolução podem ser realizados por meio de nosso celular. Interações sociais, aprovação social, sexo, emoções vibrantes, relacionamentos –qualquer coisa. Não surpreende que uma pesquisa recente da CNN tenha constatado que 50% dos teens são viciados no uso de seus celulares. Sabe-se que esse tipo de dependência afeta o sono, as interações sociais e todos os outros aspectos fundamentais do cotidiano.

Além disso, é importante notar que uma dependência é uma dependência. Pesquisas sobre a natureza das dependências revelam que os circuitos cerebrais associados a adições de qualquer espécie geralmente são mais ou menos os mesmos, independentemente do teor daquelas. A dependência do telefone celular não difere da dependência de qualquer outra coisa –e está provocando estragos na vida mental de nossos jovens.

3. As tecnologias da internet estão afastando os jovens da natureza

A evolução levou o homem a passar boa parte do tempo ao ar livre –simples assim. Pesquisas sobre diversos aspectos da psicologia humana mostram que sentimos amor natural pelos diversos tipos de ambientes externos e que se pode teorizar que os humanos evoluíram com "biofilia" –ou amor pelo mundo vivo. Sair na natureza é importante para nós. Os hominídeos ancestrais eram cercados por natureza todos os dias de suas vidas.

Não há dúvida alguma de que as tecnologias da internet afastam os adolescentes e jovens da natureza. Você já tentou levar seus filhos adolescentes para uma caminhada nas montanhas ultimamente? Às vezes parece que seria mais fácil levá-los ao dentista. É uma pena, porque estar ao ar livre tem efeitos benéficos diversos para as pessoas.

SOFRIMENTO

O mundo anda confuso; não é fácil identificar quais são os problemas mais urgentes de nosso tempo. Pessoalmente, diria que existem argumentos fortes para dizer que uma candidata é a crise de saúde mental da geração da internet. Nossos jovens estão sofrendo. Esses são nossos filhos. E, igualmente importante, estes são os líderes da próxima geração. Em última análise, precisamos que eles tenham a melhor saúde possível, de todas as maneiras.

A dependência das tecnologias da internet é onipresente em sua geração, e isso tem consequências adversas não pretendidas de todo tipo que provavelmente terão efeitos sociais e pessoais de longo prazo e em escala maciça. É hora de tomarmos medidas sistemáticas para lidar com os problemas associados ao uso das tecnologias da internet por nossos jovens. Precisamos fazê-lo por nossos filhos e por nosso futuro compartilhado.

Obrigado a Jonathan Haidt pelas reflexões instigantes sobre esse tópico que inspiraram este post.

GLENN GEHER é professor e diretor de psicologia na State University of New York, em New Paltz. O texto original pode ser lido aqui

Tradução de CLARA ALLAIN


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