Folha de S. Paulo


Em best-seller, alemão relativiza o Holocausto e defende pureza ariana

Fabrizio Bensch/Reuters
Loja de roupas turcas em Kreuzberg, bairro de Berlim conhecido como
Loja de roupas turcas em Kreuzberg, bairro de Berlim conhecido como "pequena Turquia"

Mais um texto da chamada "nova direita", que de tempos em tempos alerta para um eventual declínio da Alemanha diante das ondas imigratórias, vem agitando os intelectuais do país. Trata-se do livro póstumo "Finis Germania" ("teu fim, Alemanha"), do cientista social e político Rolf Peter Sieferle.

Sieferle, que se matou em setembro passado, aos 67 anos, vinha publicando textos pessimistas sobre a questão dos refugiados havia algum tempo. Mas surpreendeu o fato de o autor, considerado um pesquisador sério, socialista na juventude e conhecido sobretudo por seus trabalhos na área da história ambiental, ter operado tal guinada.

O livro traz passagens nitidamente antissemitas e adota expressões típicas da extrema direita. Diz, por exemplo, que a chanceler Angela Merkel promoveria o "Umvolkung" do povo alemão –um conceito do nazismo que significa algo como "etnomorfose". Ele também relativiza o Holocausto, chamando o campo de concentração de Auschwitz de "mito".

Para completar o alvoroço, "Finis Germania" entrou duas semanas atrás para uma renomada lista de livros de não-ficção recomendados por um júri seleto de jornalistas culturais.

Um dos jurados, redator da revista "Der Spiegel", dedicou todos os votos a que tinha direito à obra de Sieferle, levando-a também para o topo dos mais vendidos. Segundo o jornalista, ao escolher um "livro provocador", queria apenas "fomentar o debate".

A lista acabou sendo suspensa, e o jornalista do "Spiegel" retirou-se do júri. Mas "Finis Germania" continua um best-seller.

NOVA ONDA

Devido à perseguição promovida pelo governo contra oposicionistas, a Turquia está vivendo mais uma diáspora, sobretudo em direção a Berlim –uma "new wave", como dizem os recém-chegados, lembrando a primeira onda de imigração turca, nos anos 1960.

Desta vez, porém, não são trabalhadores braçais que vêm se instalando no bairro de Kreuzberg, mas intelectuais e artistas. É o caso do caricaturista Sukan Altunigne e da DJ e produtora Hüma Utku, entre muitos outros que na Turquia estão ameaçados de prisão ou sofrem boicotes de agências de fomento estatais.

Aqui eles se mobilizam. O diretor Mustafa Altioklar, por exemplo, criou em Kreuzberg uma pequena escola de teatro para jovens turcos. O roteirista curdo Önder Çakar colabora num documentário com o cineasta alemão Fatih Akin.

Já os jornalistas turcos participam de portais como a "taz.gazete" –apoiada pelo diário de esquerda alemão "TAZ"–, que acompanha os acontecimentos em seu país e os trabalhos da oposição.

Diferentemente da primeira geração de turcos na Alemanha, porém, a maioria dos novos imigrantes vê sua passagem por aqui como temporária e diz que quer voltar.

KAFKA

O museu Martin-Gropius-Bau está expondo o manuscrito de "O Processo", romance inacabado, mas que se tornou um dos clássicos de Franz Kafka (1883-1924). São 161 páginas dispostas em fileiras duplas, protegidas por vitrines iluminadas. O ambiente sombrio confere uma aura àquilo que o visitante tem à sua frente: uma das mais importantes relíquias da literatura ocidental.

Kafka começou a escrever o livro no verão de 1914, logo depois de a estenotipista Felice Bauer desmanchar o noivado com ele. Testemunharam o episódio fatídico a irmã e uma amiga dela –o que Kafka chamaria mais tarde de "tribunal".

A mostra traz retratos do escritor (inclusive sua célebre foto de passaporte) e imagens de Praga e Berlim nos tempos de Kafka, assim como a história do manuscrito. Este foi salvo pelo amigo Max Brod e circulou por vários países, até ser adquirido pelo Arquivo Literário de Marbach, no sul da Alemanha.

Kafka tinha instruído Brod a queimá-lo depois de sua morte.

BEIJO

Um pequeno gesto, uma grande inspiração. Este é o lema da bela exposição "Beijo - De Rodin a Bob Dylan", que acontece no Museu de Art Nouveau Bröhan, relativamente desconhecido do grande público, no bairro de Charlottenburg.

São mais de cem obras sobre o beijo, produzidas entre o final do século 19 e hoje. Ali, o ósculo nem sempre é um gesto romântico ou erótico, como no bronze de Rodin. Pode também ser obsceno (como nos trabalhos do alemão George Grosz) ou mesmo político.

É o caso de "Era of Mercy" (era da misericórdia), fotografia da dupla russa Blue Noses, que traz dois soldados russos se beijando no meio de uma floresta nevada. A obra chegou a ser proibida na Rússia.

SILVIA BITTENCOURT, 52, jornalista, é autora de "A Cozinha Venenosa" (Três Estrelas).


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