Mais um texto da chamada "nova direita", que de tempos em tempos alerta para um eventual declínio da Alemanha diante das ondas imigratórias, vem agitando os intelectuais do país. Trata-se do livro póstumo "Finis Germania" ("teu fim, Alemanha"), do cientista social e político Rolf Peter Sieferle.
Sieferle, que se matou em setembro passado, aos 67 anos, vinha publicando textos pessimistas sobre a questão dos refugiados havia algum tempo. Mas surpreendeu o fato de o autor, considerado um pesquisador sério, socialista na juventude e conhecido sobretudo por seus trabalhos na área da história ambiental, ter operado tal guinada.
O livro traz passagens nitidamente antissemitas e adota expressões típicas da extrema direita. Diz, por exemplo, que a chanceler Angela Merkel promoveria o "Umvolkung" do povo alemão –um conceito do nazismo que significa algo como "etnomorfose". Ele também relativiza o Holocausto, chamando o campo de concentração de Auschwitz de "mito".
Para completar o alvoroço, "Finis Germania" entrou duas semanas atrás para uma renomada lista de livros de não-ficção recomendados por um júri seleto de jornalistas culturais.
Um dos jurados, redator da revista "Der Spiegel", dedicou todos os votos a que tinha direito à obra de Sieferle, levando-a também para o topo dos mais vendidos. Segundo o jornalista, ao escolher um "livro provocador", queria apenas "fomentar o debate".
A lista acabou sendo suspensa, e o jornalista do "Spiegel" retirou-se do júri. Mas "Finis Germania" continua um best-seller.
NOVA ONDA
Devido à perseguição promovida pelo governo contra oposicionistas, a Turquia está vivendo mais uma diáspora, sobretudo em direção a Berlim –uma "new wave", como dizem os recém-chegados, lembrando a primeira onda de imigração turca, nos anos 1960.
Desta vez, porém, não são trabalhadores braçais que vêm se instalando no bairro de Kreuzberg, mas intelectuais e artistas. É o caso do caricaturista Sukan Altunigne e da DJ e produtora Hüma Utku, entre muitos outros que na Turquia estão ameaçados de prisão ou sofrem boicotes de agências de fomento estatais.
Aqui eles se mobilizam. O diretor Mustafa Altioklar, por exemplo, criou em Kreuzberg uma pequena escola de teatro para jovens turcos. O roteirista curdo Önder Çakar colabora num documentário com o cineasta alemão Fatih Akin.
Já os jornalistas turcos participam de portais como a "taz.gazete" –apoiada pelo diário de esquerda alemão "TAZ"–, que acompanha os acontecimentos em seu país e os trabalhos da oposição.
Diferentemente da primeira geração de turcos na Alemanha, porém, a maioria dos novos imigrantes vê sua passagem por aqui como temporária e diz que quer voltar.
KAFKA
O museu Martin-Gropius-Bau está expondo o manuscrito de "O Processo", romance inacabado, mas que se tornou um dos clássicos de Franz Kafka (1883-1924). São 161 páginas dispostas em fileiras duplas, protegidas por vitrines iluminadas. O ambiente sombrio confere uma aura àquilo que o visitante tem à sua frente: uma das mais importantes relíquias da literatura ocidental.
Kafka começou a escrever o livro no verão de 1914, logo depois de a estenotipista Felice Bauer desmanchar o noivado com ele. Testemunharam o episódio fatídico a irmã e uma amiga dela –o que Kafka chamaria mais tarde de "tribunal".
A mostra traz retratos do escritor (inclusive sua célebre foto de passaporte) e imagens de Praga e Berlim nos tempos de Kafka, assim como a história do manuscrito. Este foi salvo pelo amigo Max Brod e circulou por vários países, até ser adquirido pelo Arquivo Literário de Marbach, no sul da Alemanha.
Kafka tinha instruído Brod a queimá-lo depois de sua morte.
BEIJO
Um pequeno gesto, uma grande inspiração. Este é o lema da bela exposição "Beijo - De Rodin a Bob Dylan", que acontece no Museu de Art Nouveau Bröhan, relativamente desconhecido do grande público, no bairro de Charlottenburg.
São mais de cem obras sobre o beijo, produzidas entre o final do século 19 e hoje. Ali, o ósculo nem sempre é um gesto romântico ou erótico, como no bronze de Rodin. Pode também ser obsceno (como nos trabalhos do alemão George Grosz) ou mesmo político.
É o caso de "Era of Mercy" (era da misericórdia), fotografia da dupla russa Blue Noses, que traz dois soldados russos se beijando no meio de uma floresta nevada. A obra chegou a ser proibida na Rússia.
SILVIA BITTENCOURT, 52, jornalista, é autora de "A Cozinha Venenosa" (Três Estrelas).