Folha de S. Paulo


Buenos Aires tem livrarias secretas que só atendem com hora marcada

Reuters
Policial escala tumba de Perón no cemitério de Chacarita depois do roubo de suas mãos
Policial escala tumba de Perón no cemitério de Chacarita depois do roubo de suas mãos

A pessoa chega à esquina das ruas Santos Dumont e Charlone, no bairro de Colegiales. Vê um muro de tijolos de um laranja esmaecido e uma porta preta fechada. Ao lado, uma placa discreta: Falena. É preciso tocar a campainha. Logo, alguém atende e introduz o visitante ao ambiente caseiro, cheio de estantes com livros novos, três sofás, um jardim com banquinhos e um balcão para pedir café, chá ou uma taça de vinho.

A Falena é uma das livrarias secretas, uma nova onda da cidade. É das mais acessíveis, pois não pede ao visitante que marque hora para aparecer. Nos últimos tempos, abriram outras, mas cuja visita não pode ser tão casual. Há que acertar um horário com antecedência, pela internet ou por telefone.

Entre elas estão Mi Casa Librería Atípica, em Villa Crespo, especializada em poesia e nova ficção, Gould, com foco em livros de música e artes, no mesmo bairro, e Los Libros del Vendaval, em Colegiales.

Esse circuito alternativo tem como característica apresentar uma seleção escolhida pelo livreiro. Não há best-sellers, tampouco muitas edições de uma mesma obra, e são privilegiadas editoras pequenas e independentes.

EM BUSCA DE FORO

A Argentina vive tempos pré-eleitorais, pois renova parte de seu Congresso em outubro. Aqui, como no Brasil, não são só os postos no Parlamento para servir à pátria que certos políticos buscam. Muitos estão de olho mesmo é em conseguir o tal foro privilegiado.

Um dos exemplos mais evidentes é o de Cristina Kirchner. Apesar de também ter pretensões de disputar de novo a Presidência em 2019, por ora sua preocupação é mais a de fugir dos processos em que é acusada de enriquecimento ilícito, especulações com o dólar com informação privilegiada e outros crimes.

Mas o caso que mais chamou a atenção foi o de outro ex-presidente: Carlos Menem, que governou de 1989 a 1999. Do alto de seus 86 anos, o caudilho de La Rioja se apresentou novamente como candidato a senador por sua província e feudo eleitoral.

Se vencer, manterá o foro privilegiado que já possui por ser senador e não terá de pagar a pena que lhe foi conferida pela Justiça –de sete anos de prisão, por praticar contrabando de armas e desvio de fundos públicos durante o mandato.

AS MÃOS DE PERÓN

Não é o título de um filme, mas poderia ser. Na última semana, os argentinos lembraram o aniversário de 30 anos do "roubo das mãos de Perón". O assunto repercutiu na imprensa e nas conversas.

Trata-se de um dos vários crimes políticos que fazem parte de um lúgubre folclore nacional, composto ainda pela queda do helicóptero que matou o filho de Menem (1995) e pelos assassinatos do promotor Alberto Nisman (2015) e do influente empresário Alfredo Yabrán (1998), este peça-chave na construção de obras públicas e em esquemas de lavagem de dinheiro da corrupção.

Todos esses casos têm ainda em comum o fato de jamais terem sido elucidados pela Justiça. Além disso, houve roubo ou destruição de evidências em todos eles –e até, em alguns, testemunhas mortas de causas não naturais e bastante suspeitas. Ou seja: farto material para o imaginário nacional.

O guarda que vigiava o cemitério de Chacarita (onde Perón estava enterrado) e uma mulher que havia reportado a presença de homens perto do túmulo próximo à hora da profanação apareceram mortos –as causas não foram divulgadas pelas autoridades.

Depois, o próprio juiz que investigava o caso foi vítima de um acidente fatal de carro. O veículo caiu de um penhasco numa curva de uma estrada no sul da Argentina.

PROFANAÇÃO

Uma nova edição do livro "La Profanación", do jornalista Claudio Negrete, acaba de ser lançada, com evidências mais recentes. Se não elucida de todo o mistério, ao menos elimina as hipóteses mais esotéricas –defendidas então pela viúva do general, Isabelita Perón, que hoje vive reclusa em Madri. Outras caducaram ao longo da nova investigação, aberta em 1994.

Segundo o autor do livro e especialistas no caso, a causa mais provável para o roubo das mãos seria política. Teria sido uma forma de intimidar os peronistas, que, durante o governo de Raúl Alfonsín (1927-2009), do partido rival (União Cívica Radical), reorganizavam-se para voltar ao poder.

Mas o que alimenta o imaginário popular a cada aniversário do evento é menos a razão do crime do que os detalhes de sua execução e as perguntas que ficaram no ar. Quem se atreveu a profanar a sepultura de Perón? Como realizaram os cortes em seu corpo? Por que levar justamente as mãos? E, afinal, o que foi feito delas?

SYLVIA COLOMBO, 45, é correspondente da Folha em Buenos Aires.


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