Folha de S. Paulo


Conheça o menor jornal do Brasil, que tem o tamanho de uma moeda

RESUMO Publicado pela primeira vez em agosto de 1935, o "Vossa Senhoria" mede 3,5 cm de altura por 2,5 cm de largura e já foi o menor jornal do mundo. Hoje ostenta o título somente no plano nacional. Seu publisher gasta R$ 2.000 para bancar mil exemplares mensais, cujas páginas comportam 250 caracteres cada uma.

Divulgação
Edição de agosto de 2016, que marcou a retomada das atividades do
Edição de agosto de 2016, que marcou a retomada das atividades do "Vossa Senhoria"

Era maio de 2004. À época, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fazia sua primeira visita oficial à China, acompanhado de mais de 400 empresários e de uma caravana política "sui generis". A comitiva que se formou ao redor do petista incluía Eduardo Campos (morto num acidente aéreo em 2014), Dilma Rousseff, Antonio Palocci, Geraldo Alckmin e Aécio Neves.

Nos dez dias de missão diplomática, dois mineiros se conheceram num encontro igualmente singular no museu histórico de Nanquim, capital da província de Jiangsu: a jornalista Leida Reis, repórter de "O Tempo", e o engenheiro Milton Nogueira, consultor ambiental da ONU. O acaso virou amizade e, uma década depois, originou uma aventura jornalística.

Juntos, Reis e Nogueira desengavetaram "Vossa Senhoria", o menor jornal do Brasil, que mede 3,5 cm de altura por 2,5 cm de largura.

"Foi o menor jornal do mundo", afirma Nogueira, 74, lembrando a láurea conferida pelo "Guinness Book" em 2000. Desde 2012, o título pertence ao português "Terra Nostra", que mede 18,27 mm por 25,35 mm e pesa um grama. "Não quis entrar nessa disputa de pequenez, senão amanhã estamos no alfinete. Daqui a pouco, vamos vender lupa, não jornal."

Impresso pela primeira vez em 18 de agosto de 1935, "Vossa Senhoria" rodou em diferentes cidades, seguindo as andanças de seu fundador, o jornalista Leônidas Schwindt (1906-1972), natural de Uberabinha, atual Uberlândia (MG).

O periódico nasceu na antiga capital goiana, Cidade de Goiás, e passou pelos municípios mineiros de Pará de Minas, Abaeté, Pitangui e Divinópolis, além de Belo Horizonte. Schwindt, que era a um só tempo gráfico, jornalista e jornaleiro, mudava-se muito, buscando oportunidades para sua oficina de máquina manual que rodava o "Vossa Senhoria" e o "Diário do Oeste", com os quais sustentou sete filhos.

Milton Nogueira, por sua vez, nasceu em Nova Serrana, cresceu em Divinópolis e estudou em Ouro Preto. Trabalhou na indústria metalúrgica e participou da fundação do Instituto de Desenvolvimento de Minas Gerais nos anos 1970. Passou por Brasília e pelo Rio e, em 1984, tornou-se especialista em sustentabilidade e mudanças climáticas na agência da ONU dedicada ao desenvolvimento industrial.

O engenheiro atuou mais de 17 anos no departamento, percorrendo 62 países. Nas férias, em Divinópolis, visitava a família Schwindt, pegava exemplares de "Vossa Senhoria" e os distribuía pelo mundo.

RISCO FINANCEIRO

Agora Nogueira se divide entre Belo Horizonte e Viena. Desde que se aposentou como consultor ambiental da ONU, há 15 anos, decidiu investir em projetos pessoais, entre eles o minijornal. Seus amigos questionaram a viabilidade da empreitada.

"Isto não é business, é cultura", diz o publisher, que tira R$ 2.000 por mês do bolso para bancar a impressão de mil exemplares e a remuneração dos três membros da Redação (editora, designer e assistente). "Quis resgatar 'Vossa Senhoria' para preservar sua história", afirma. "[O periódico] é um fato jornalístico, um ato cultural. Uma gota de perfume", sintetiza o mecenas.

Na década de 1940, "Vossa Senhoria" tinha 2.500 exemplares e se mantinha com anúncios do elixir de Nogueira para sífilis e do vinho creosotado Silveira para bronquite. Proclamava-se "defensor dos interesses comunitários" e "divulgador do humorismo e do progresso".

"Era um jornal crítico e combativo. Leônidas brigava com o prefeito, o padre e o dono do armazém", afirma Nogueira. Devido à linha editorial, o jornal sofreu censura prévia no estado de sítio, de novembro de 1955 a janeiro de 1956, o que levou a sua suspensão.

Três décadas depois, Dolores Schwindt (1943-2007), filha de Leônidas, retomou o minijornal –desta vez, impresso no linotipo, mensal e nas medidas que lhe renderam referência no livro dos recordes. Publicado de 1985 a 2007 em Divinópolis, "Vossa Senhoria" tinha 5.000 assinantes, dos quais cem fora do Brasil. Devido ao interesse internacional, incorporou quatro páginas extras em inglês.

Após a morte de Dolores, sua irmã Dulce (1949-2013) assumiu o jornal, mas lançou poucas e esporádicas edições até 2010. Depois que Dulce morreu, a última irmã, Leonice, não quis tocar o negócio. Aí surgiu o convite para Nogueira assumir os direitos da publicação.

O engenheiro, porém, precisava de um editor. Vasculhando sua caderneta de contatos, voltou-lhe à memória a missão diplomática à China –e a jornalista Leida Reis, 51.

Nascida em Patrocínio, Reis foi editora do diário "Hoje em Dia" e colunista política de "O Tempo", passou pelas Redações do "Diário do Comércio", do "Estado de Minas" e da Rádio América e escreveu o romance "A Invenção do Crime" (Record, 2010). Perto dos 50, decidiu montar a editora Páginas, que publica livros infantis.

A convite de Milton, incluiu o jornalzinho no portfólio da editora, que se resume a um escritório no seu apartamento, decorado com estantes abarrotadas de livros e fitas cassetes, uma máquina Olivetti Tropical, um rádio Teem estilo retrô e uma poltrona com estampa de papel jornal. Ali, o acervo do pequeno periódico se limita a uma caixa de sapatos e três caixas de papelão pardo de 25 cm por 17 cm.

O RETORNO

"Vossa Senhoria" foi relançado na Festa Literária de Divinópolis, no dia 20 de agosto de 2016. A manchete, em inglês, dizia: "Ele voltou! Reedição do microjornal criado em 1935 por Leônidas Schwindt é saudada em Divinópolis e no exterior".

Atualmente, o jornal publica pílulas de notícias de cultura, economia e política, com duas correspondentes internacionais voluntárias, charges e crônicas de autores convidados. Também traz entrevistas (às vezes exclusivas, como a de Ramos Horta, ex-presidente do Timor Leste e Nobel da Paz), uma página para receitas e uma coluna de Milton Nogueira, "Pequena Utopia".

Todos se esforçam no quebra-cabeças que é sintetizar ideias em apenas 250 caracteres por lauda, pouco mais que um tuíte.

A manchete de junho acompanhou a pauta de Brasília: "Que presidente tem o Brasil?", com reportagem sobre a crise política e o destino incerto de Michel Temer.

Leida Reis contratou um jovem jornalista para escrever matérias e diagramar as minúsculas laudas no InDesign com fonte Times New Roman, corpo 5,2. Impresso em papel reciclado, o periódico conta 26 páginas em português e 4 em inglês. É um origami de uma folha A4 cortada na guilhotina.

Quem monta os exemplares, artesanalmente, é Patrícia Guimarães Lima, 39, que também organiza informações do site e dos assinantes. São poucos: 60, espalhados por cidades como Recife, Rio, Brasília, Pelotas, além do interior da Bahia e de Minas.

Prestes a comemorar mais um aniversário, em agosto, "Vossa Senhoria" precisa de novos leitores. "Esta nova edição é um recomeço, do zero. Tem pouquíssimos assinantes e enfrenta dificuldades como a imprensa toda, independentemente do tamanho", diz Reis.

A Invenção do Crime
Leida Reis
l
Comprar

"Vossa Senhoria" é visto como um souvenir pelo formato pitoresco, a um preço de R$ 5. "Mas também é um documento histórico", frisa Reis, lembrando que o arquivo dessa imprensa nanica está na Biblioteca de Divinópolis e já foi exposto na Biblioteca Nacional, no Rio, e na Bienal de São Paulo.

A editora quer contratar um estudante de biblioteconomia para documentar a história de "Vossa Senhoria". Também pretende lançar números especiais e convidar escritores famosos, lembrando as tradições do folheto que, noutros tempos, publicou poemas de Adélia Prado, natural de Divinópolis.

Embora traga na primeira página a referência a Divinópolis, a nova edição é feita em Belo Horizonte. Milton Nogueira, no entanto, quis manter o expediente para marcar o vínculo histórico e sentimental: "A 'New Yorker' é internacional. Publica histórias de diversos cantos do mundo, mas assina de Nova York. O 'Los Angeles Times' não é só sobre Los Angeles. 'Vossa Senhoria' é de Divinópolis, mas é pro mundo". É o "Times" de Divinópolis.

JULIANA SAYURI, 31, jornalista e historiadora, é autora de "Diplô: Paris - Porto Alegre" (Com-Arte).


Endereço da página:

Links no texto: