Folha de S. Paulo


O instituto de Moreira Salles que enxerga e financia a ciência como arte

RESUMO O documentarista e editor João Moreira Salles fala sobre o Instituto Serrapilheira, projeto dele e da mulher, Branca. A entidade, com um fundo de R$ 350 milhões, bancará pesquisas em áreas como matemática, física, química e biologia. Ideia é estimular o estudo de grandes temas e aumentar capital simbólico da ciência no país.

Gabriel Centurion
Aquarela de Gabriel Centurion para Ilustríssima
Aquarela de Gabriel Centurion

Ciência não é um assunto que costuma empolgar por aqui. O baixo comparecimento nacional à Marcha pela Ciência, organizada em mais de 600 cidades de 60 países, dá a medida do desprestígio.

Em São Paulo, no sábado (22), cerca de 500 pessoas saíram às ruas em apoio à causa; no Rio, 400. Enquanto isso, em algumas cidades americanas, contavam-se os manifestantes às dezenas de milhares.

Modificar o cenário de pouco entusiasmo dos brasileiros pela ciência e, sobretudo, de financiamento tímido e burocratizado é um dos objetivos de João Moreira Salles, 55, documentarista e publisher da revista "piauí". Há cerca de um mês, ele e a mulher, Branca Vianna, linguista e professora da PUC-Rio, criaram o Instituto Serrapilheira, primeira instituição privada de apoio à pesquisa e à divulgação científica no país.

Para concretizar a empreitada, o casal doou R$ 350 milhões, em caráter irrevogável, a um fundo patrimonial. Os rendimentos, que devem ficar entre R$ 15 milhões e R$ 18 milhões por ano, serão usados para financiar cientistas dispostos a fazer "as grandes perguntas", como Salles explicou à Folha. Estarão aptas a receber verba iniciativas nas áreas de engenharia, matemática, física, química, medicina e biologia.

O percurso até a criação do Serrapilheira –nome dado à camada de folhas, ramos e outras fontes de matéria orgânica que se forma nas florestas e devolve nutrientes ao solo– foi intencionalmente lento. O desejo de fazer algo para ajudar a ciência brasileira, segundo Salles, surgiu em 2010, como uma "ideia sem forma".

A partir de 2014, o casal passou a trabalhar ativamente na elaboração do projeto. Visitou dezenas de fundações, agências de fomento e organizações sociais de toda natureza, no Brasil e no exterior, a fim de entender seu funcionamento e organização.

Em 2015, eles organizaram dois encontros na fazenda de um dos irmãos de Salles em Morungaba, perto de Campinas, para ouvir dos principais pesquisadores do país como uma instituição privada poderia impulsionar os diferentes campos da ciência.

O Serrapilheira surge num contexto de retração do financiamento à ciência no país. O governo federal anunciou recentemente um corte de 45% nos recursos de livre aplicação do Ministério da Ciência e Tecnologia (fundido pela gestão Temer com o das Comunicações). O total despencou neste ano de R$ 6 bilhões para R$ 3,3 bilhões, o menor valor em mais de uma década.

Além disso, fundações estaduais de apoio enfrentam sérios problemas em decorrência da crise fiscal dos Estados. A exceção é a Fapesp, em São Paulo, que mantém orçamento anual na casa de R$ 1 bilhão.

Na entrevista a seguir, Salles reflete sobre o baixo capital simbólico da ciência no Brasil (não há engenheiros ou biólogos em nosso imaginário, lembra ele), fala de seu fascínio pelo ofício do matemático, que compara ao de um artista, e explica como seu instituto pode ajudar a desenvolver a ciência nacional.

*

Folha - Você evidentemente gosta de ciência. De onde vem essa estima? A escola influiu nisso?

João Moreira Salles - Eu sou um curioso da ciência. Sobre a minha educação científica na escola, diria que foi praticamente inútil.
Minha aproximação da ciência se deve única e exclusivamente a mim mesmo. Não houve ninguém no meu percurso escolar e universitário que tenha me orientado ou despertado um gosto pela ciência.

E aí entra uma questão de sorte também. Na trajetória dos grandes cientistas, há quase sempre, em algum momento, um encontro definitivo com um mestre. O Artur [Avila, primeiro brasileiro a receber a medalha Fields, prêmio mais importante da matemática] conta que o destino dele foi traçado pelo encontro com um professor que o orientou para a matemática.

Esses encontros são fortuitos, eles não são necessários. Eles podem acontecer e podem não acontecer. No meu caso, não aconteceu. Acho que, se tivesse cruzado com um grande professor de ciências, é provável que eu tivesse tido a curiosidade de saber se tinha ou não talento para isso.

Há alguma área da ciência que você ache mais fascinante?

A matemática pura é uma área que me interessa muito, embora eu não a compreenda. Interessa-me o processo pelo qual os matemáticos fazem sua pesquisa. A minha intuição é a de que esse é um processo muito semelhante ao de um escritor, de um poeta, de um pintor.

Existe uma bússola que os guia nesse caminho e que é essencialmente de natureza estética. É a busca de um equilíbrio, de uma simetria, de alguma coisa que eles consideram belo. Essa beleza é abstrata, mas, sem dúvida, é o que orienta a busca de qualquer matemático.

Esse processo é algo que eu consigo entender, e isso me interessou. A natureza abstrata da matemática e também uma certa inutilidade, no melhor sentido da palavra. Não ocorreria a ninguém perguntar para que serve um poema. Por que seria diferente em relação a um teorema? A tarefa de expandir os limites da compreensão humana já não é suficiente?

Há algum cientista que você admire em particular?

Na verdade, não, mas é evidente que tenho uma admiração por [Charles] Darwin, [Isaac] Newton, [o matemático alemão Carl Friedrich] Gauss, por exemplo. É a admiração de um curioso, não de alguém que entenda profundamente os trabalhos dele.

Não tenho uma cultura científica profunda. Mas admiro a curiosidade incessante de tentar descobrir como funciona a máquina do mundo, e que é comum a todos esses grandes.

Você acompanha as novidades científicas? Lê livros sobre ciência?

Sou um consumidor um tanto eclético. Eu diria que, de cada três ou quatro livros que leio, um é sobre ciência, principalmente relacionado à matemática.

Sou também um grande consumidor de podcasts de ciência –um em particular é o Radiolab, da Rádio Pública de Nova York, que tem programas fascinantes.

Na imprensa, leio, sobretudo, a cobertura da Folha, do "New York Times", do "Guardian", além da "piauí", por razões óbvias. Mas não me iludo, tenho noção de que é um conhecimento muito superficial.

Que leituras sobre ciência mais te marcaram?

"Em Defesa de um Matemático", de G. H. Hardy, os ensaios de [Henri] Poincaré e o "As Duas Culturas", de C. P. Snow.

O primeiro faz uma defesa intransigente do que o autor chama de matemática inútil. Ninguém escreveu de forma mais eloquente sobre o que significa dedicar a vida a descrever o que é apenas belo, sem uso e sem propósito.

Gosto dessa ideia, que serve de contrapeso à civilização produtivista em que vivemos. Foi lendo Hardy que me dei conta de como o trabalho matemático se assemelha ao do artista, é um ato de criação.

Essa constatação reconfirmou-se com a leitura dos ensaios de Poincaré sobre a pesquisa científica. Ele escreve sobre os diferentes papéis que a intuição e a análise desempenham na descoberta matemática. A análise seria o trabalho penoso de fazer contas e buscar a prova, enquanto a inspiração seria o que vem antes disso: aquela súbita certeza de que sei sem saber como sei.

Por fim, o ensaio de Snow me chamou a atenção para um aspecto que sempre me incomodou, o orgulho quase petulante com que muitas pessoas letradas declaram sua ignorância científica. Snow observa que uma pessoa se envergonha de não ter lido Shakespeare, mas não sente constrangimento em dizer que não faz ideia do que seja a segunda lei da termodinâmica.

Por que uma atitude é permitida, e a outra, não? Por meio de Snow, me dei conta de que não se pode falar propriamente de cultura sem que no balaio que a compõe se inclua também a ciência.

Por esse critério, são bem poucas as pessoas letradas entre nós. Desconfio, inclusive, que boa parte delas esteja no campo das ciências.

No dia em que Ferreira Gullar morreu, um amigo meu, pesquisador das biomédicas, sentiu vontade de reler de capa a capa o "Poema Sujo". Foi sua homenagem ao poeta falecido. Não consigo pensar em muitos críticos literários que quererão passar os olhos por "A Dupla Hélice" quando anunciarem a morte do [biólogo e geneticista americano] James Watson.

Por que um documentarista consagrado, dono de uma revista, decide se tornar um filantropo da ciência?

Não me sinto muito à vontade com a palavra filantropia. Não estou fazendo benemerência. Faço isso porque realmente me interessa desenvolver a ciência no Brasil.

Uma das coisas que me pus a pensar quando comecei a esboçar o instituto foi: quem são os personagens cientistas da nossa literatura, do nosso cinema? Praticamente inexistem. Os cientistas não têm presença na vida brasileira.

Não há país sólido sem uma comunidade forte; não basta ela existir, ela precisa ter representação, peso simbólico, para que possa fazer valer suas demandas e necessidades. Nesse ponto, a classe artística faz muito bem o seu trabalho. Ela sabe reivindicar, tem presença.

Gostaria que a comunidade científica tivesse a mesma presença. Por exemplo, a moeda simbólica do cinema, eu acho, é desmesuradamente alta se comparada à moeda simbólica da ciência. Não estou dizendo que o cinema não é importante, mas ele não é mais importante do que a ciência.

No entanto, se você mede o peso, a penetração que o cinema tem na imprensa, entre os formadores de opinião, é inegavelmente maior do que a da ciência.

Por que isso acontece?

Não consigo encontrar uma boa razão para isso. Seria melhor para o país que um bom físico e um bom cineasta tivessem o mesmo acesso à imprensa e a mesma capacidade de mobilização de forças em favor da defesa dos seus interesses respectivos. Não é o que acontece por aqui. Isso me fez querer criar o instituto.

Como surgiu esse desejo?

Num primeiro momento, há um desejo que é apenas uma ideia sem forma. Se você resolve agir sem ter clareza do que quer fazer, a chance de essa ação se dispersar e se tornar inócua é muito grande.

Essa consciência, creio, eu e a Branca tivemos desde o início. A coisa sensata que nós fizemos foi não ter pressa. Comecei a pensar no instituto mais ou menos em 2010. A partir do início de 2014, passei a me informar e a trabalhar para concretizar essa ideia. Foram três anos de trabalho para entender o que a gente estava criando.

O instituto tem um nome inusitado. Como se chegou a ele?

Ouvi a palavra pela primeira vez há uns cinco anos. Andava por uma mata no sul da Bahia na companhia de um agrônomo e de um biólogo quando o primeiro disse para o segundo: "Que linda essa serrapilheira". O outro concordou, entusiasmado. Olhei em volta à cata de uma árvore mais frondosa ou de uma borboleta particularmente vistosa, e nada. Foi quando me explicaram do que se tratava. Achei a palavra linda, e ela ficou na minha memória.

O que o Serrapilheira pode fazer pela ciência brasileira?

Sobretudo coisas que o setor público não pode. Podemos dar flexibilidade no uso dos recursos, selecionar apenas alguns poucos pesquisadores de excelência e dar a eles recursos generosos, ter paciência para que a pesquisa chegue a termo sem que o pesquisador precise publicar um artigo por ano.

Além disso, queremos incentivar os cientistas brasileiros a serem ambiciosos. Os matemáticos frequentemente falam em "bom gosto" matemático.

O bom gosto é a capacidade de escolher os bons problemas, aqueles que, se resolvidos, certamente desenvolvem muito o campo.

Já os matemáticos de mau gosto seriam aqueles que resolvem problemas estéreis, sem grande repercussão. Talvez o que a gente possa fazer seja dar aos jovens cientistas brasileiros a oportunidade de desenvolver o seu bom gosto.

Como o Serrapilheira vai se relacionar com o setor público?

Queremos ser complementares ao setor público. Seremos parceiros dele, mas sem reproduzi-lo.

Nós iremos ter uma grande tolerância com o insucesso. Como estamos experimentando, certas coisas não vão dar certo, é do jogo, mas outras vão dar.

Essas que eventualmente deem certo podem se tornar modelo de como financiar um determinado tipo de pesquisador, um determinado tipo de campo, o qual, eventualmente, pode ser incorporado pelas agências públicas.

Você e a Branca vão ocupar algum cargo no instituto?

Vamos participar do Conselho de Administração, mas nossa atuação será a menor possível no dia a dia do instituto. Apesar de ser o órgão supremo, o conselho recebe e referenda as decisões tomadas pelo Conselho Científico.

Mas se eu disser que não quero passar no instituto algumas vezes por semana, estarei mentindo. Adoro o convívio com cientistas. As conversas são boas; o tipo de gente que você descobre, trabalhando às vezes na semiclandestinidade, isso dá um certo gosto pelo país.

A ciência é uma área que tende a dar boas notícias, num país em que as notícias são usualmente tão ruins.

Não há risco de o instituto contribuir para o aumento da desigualdade no financiamento à ciência ao mirar pesquisadores de excelência, talvez ligados a grupos já capitalizados?

Temos de estar atentos para o problema. Haverá sempre uma tensão entre o apoio à ciência de impacto e o desejo de revelar cientistas de grande talento.

E há ainda outro aspecto a ser levado em conta nessa questão das desigualdades. Refiro-me a São Paulo, que, por causa da Fapesp [Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo], é um país diferente no que diz respeito ao apoio à ciência.

O resto do Brasil vive uma realidade bem mais dura. Teremos uma política de diversidade regional? É outra pergunta importante.

Nosso critério é muito claro: queremos apoiar aqueles que fazem as grandes perguntas. Mas e se, por hipótese extrema, todas as grandes perguntas vierem de São Paulo? Deveríamos então, por coerência programática, apoiar só a ciência de São Paulo? Caberá ao Conselho Científico e ao Conselho de Administração debater esses pontos.

De minha parte –e quero ressaltar que esta é apenas a minha opinião, não a política do instituto–, acredito que diversidade regional é um critério importante, a ponto de, por vezes, poder se impor ao primado da excelência.

Gabriel Centurion
Aquarela de Gabriel Centurion para Ilustríssima
Aquarela de Gabriel Centurion

Por que excluir as ciências humanas do rol de áreas contempladas pelo instituto?

Em primeiro lugar, eu e meus irmãos já temos uma ação, o Instituto Moreira Salles, cuja dotação é bem maior do que a do Serrapilheira e que trabalha com as humanidades em geral. Há também o Instituto Unibanco, que trabalha com ciência social, essencialmente com o tema da educação no Brasil.

Nós buscamos agir onde ninguém atua no Brasil. Um dos institutos que visitei durante a gestação do Serrapilheira foi o Gife (Grupo de Institutos e Fundações Empresariais), uma espécie de "think tank" de institutos e fundações no Brasil. Lá é possível saber quem apoia esporte, educação, ambiente, minorias... Tente encontrar ciência. Não tem.

O que não quer dizer que não existam institutos privados que apoiem ciência e que façam ciência, mas eles são voltados para áreas específicas. Um instituto de fomento, que busque apoiar ciência básica, seja lá onde ela estiver e o que ela for, isso não existe.

Você demonstra preocupação não só com a qualidade da pesquisa no país mas também com o capital simbólico da ciência, com a divulgação dela. Como o Serrapilheira atuará nessa área?

De todas as áreas em que pretendemos atuar, acho que a divulgação é aquela para a qual estamos menos preparados no momento. Talvez seja a área mais difícil para nós.

Embora existam esforços bacanas de divulgação científica no Brasil, ainda não há uma cultura sólida nessa área. A gente precisa entender como fazer da melhor maneira, e com que público.

Faremos só com crianças? Vamos focar a garotada que está na bica de escolher uma carreira e que se quer seduzir para a [carreira] científica? Não nos fizemos essas perguntas ainda.

Não temos um Carl Sagan (1934-96) brasileiro, um intelectual público que fale sobre a origem da vida, do mundo, do Universo.

É importante que um brasileiro ganhe um Nobel nas áreas de ciência?

É importante que um brasileiro ganhe um Oscar? Esse tipo de coisa tem um valor simbólico.

Foi muito importante, por exemplo, o Artur ter ganhado a medalha Fields. Infelizmente, houve uma tragédia nacional 12 horas depois [o acidente que matou Eduardo Campos, então candidato à Presidência pelo PSB] que ofuscou inteiramente a conquista dele.

Queremos tornar possível que determinados cientistas se tornem figuras públicas e participem do debate público. É evidente que, se você tem um Prêmio Nobel, conquista naturalmente esse direito. Então, por uma questão estratégica, seria extraordinário o Brasil ter um Nobel.

O baixo capital simbólico da ciência explica a apatia da sociedade em relação aos cortes no orçamento da rubrica e ao sucateamento das fundações de apoio à pesquisa?

Sem dúvida. Basta pensar nos projetos sociais nas periferias do país. As empresas, as ONGs levam para esses lugares essencialmente artes e humanidades, e me parece espantoso que você leve teatro, cinema, capoeira, dança, mas não um microscópio, um telescópio.

Não seria possível cativar uma porção de garotos mostrando como as estrelas se mexem? Isso acontece porque não passa pela cabeça de um diretor de marketing de empresas e ONGs que a ciência possa seduzir e mudar a vida dessas pessoas.

É evidência de como a ciência penetra pouco nas instâncias decisórias desse país e acaba gerando desmobilização.

Os próprios dirigentes do país, além disso, são vítimas do desconhecimento do que a ciência representa. Para o [Michel] Temer, o Ministério da Cultura provavelmente deve ser mais importante do que o da Ciência e Tecnologia.

Você tem também uma figura como o [Geraldo] Alckmin dizendo que a Fapesp financia pesquisas sem utilidade prática.

Um efeito da crise da ciência brasileira é a fuga de cérebros, como a neurocientista Suzana Herculano-Houzel. O Serrapilheira evitará que outras 'Suzanas' deixem o país?

Em ciência, a fila anda. António Coutinho, que durante anos dirigiu o Instituto Gulbenkian de Ciência [em Portugal], afirma que um par de anos sem apoio financeiro pode significar a diferença entre a vida e a morte científica de um pesquisador.

Não se financia ciência velha. Tempo perdido significa que a fronteira se afastou e que agora você está mais distante dela. Nesse contexto, a sobrevivência científica do pesquisador terminará por passar pela emigração. A pessoa deixa o país para não se tornar irrelevante.

Tomara que o Serrapilheira consiga ter algum impacto na retenção de cientistas, embora, visto o nosso tamanho, qualquer efeito será sempre muito modesto.

Outra questão a ser pensada é a da repatriação dos que já foram. Nos últimos anos, conversei com muitos cientistas brasileiros expatriados com vontade de retornar. Talvez pelo fato de muitos terem se formado em universidades públicas, há um prevalente sentido de missão, uma vontade de avançar a pesquisa brasileira.

O Serrapilheira pode atuar abrindo chamadas para quem queira voltar.

Você dirigiu documentários sobre a eleição do Lula, sobre o Nelson Freire e até sobre o seu antigo mordomo. Não pensou em filmar um cientista?

Acho que nem tudo se presta a um documentário. Quando eu resolvi lidar com ciência, achei muito mais fácil escrever sobre ela.

Não sei o que poderia ser um documentário sobre um matemático, já que todo o processo é mental e você não filma processos mentais.

É por isso que não há um grande filme sobre um escritor. Nunca achei que houvesse uma diferença muito grande entre o meu trabalho como documentarista e o meu trabalho na "piauí", já que essencialmente se trata de escolher o melhor instrumento para o objeto que você escolheu descrever.

No caso dos perfis do Artur e do [matemático Fernando] Codá [publicados na revista], não saberia o que fazer se você me desse uma câmera. O que eu filmo? Esses caras parecem não fazer nada, eles ficam na cama o dia inteiro olhando pro teto.

Não deve ser outra a razão pela qual não há um único filme sobre matemáticos que seja bom, já que eles são tentativas de representar o irrepresentável. Nesse caso, é melhor escrever.

FERNANDO TADEU MORAES, 32, é jornalista da Folha

GABRIEL CENTURION, 38, é ilustrador


Endereço da página:

Links no texto: