Folha de S. Paulo


Cássia Eller e outros amigos da música no Carnaval da Bahia

Salvador, 2000

Que a minha carne é de Carnaval muita gente sabe, mas meu coração sempre foi bem plural. O que mais me provou isso foram exatamente os meus três anos de trio elétrico à frente de uma banda só de temperos carnavalescos.

Foram muitos palcos, países, públicos diversos e muito aprendizado e diversão. Uma delícia. E foi exatamente ali que entendi que a mistura musical cutuca minha alma e que, para ser feliz, preciso ser diversa.

Nasci embalada pela trilha sonora da MPB. Meu pai, músico amador, era fã de Vinicius, Tom, Caymmi... Na vitrolinha vermelha lá de casa, bombavam os Doces Bárbaros e outros sons flamejantes de um fim dos anos 70 tropicaliente. Dancei o "Pirlimpimpim" da Gretchen, pulei a "Festa do Interior" da Gal, gritei o refrão do "Lança Perfume" da Rita –tudo dos quatro para os cinco anos.

Fui uma adolescente mergulhada no rock e me tornei, aos 15 anos, cantora de trio elétrico de uma banda baile carnavalesca que me fez sentir o imenso prazer de puxar o caminhão e escolher a próxima música que faria o povo tirar o pé do chão.

Tudo divino e maravilhoso, diante de uma música baiana nascente, embalada por Luiz Caldas, Gerônimo e toda a força dos batuques afros do Olodum, que, misturados ao pop, fizeram brotar Daniela e o boom do axé maravilha.

Acervo pessoal
Davi Moraes, Moreno Veloso, Cássia Eller, Márcio Mello, Emanuelle Araújo e Lan Lan no Carnaval de 2000
Davi Moraes, Moreno Veloso, Cássia Eller, Márcio Mello, Emanuelle Araújo e Lan Lan no Carnaval de 2000

Aos 20 anos, resolvi ser solo. Fiz um show em que a MPB que pulsava na memória e coração se misturava a todos os batuques que experimentava pelos trios. Depois dele, recebi o convite para ser cantora da Banda Eva, que eu tanto admirava, pela mistura do samba reggae com os metais jazzísticos do maestro Paulinho Andrade. Me joguei e foi massa.

Mas como artista vinda do teatro e com toda a inquietude que me cabia, tentei botar ali o que pulsava em meu coração. No meu primeiro Carnaval com o Eva, convidei artistas que admirava e fariam parte comigo daquela loucura que a festa baiana proporciona. Na terça-feira da festa, resolvi homenagear os novos artistas da MPB que achava que compartilhavam da minha língua. Convidei Lan Lan (na época minha amiga recente), Moreno Veloso e Davi Moraes.

Uma terça linda de Carnaval do ano 2000, o ano do futuro, eu vestida de Barbarella (sonho de ser Jane Fonda no filme futurista de Roger Vadim dos anos 60) com esses três garotos potentes no meu trio.

Quando nos aprontávamos para começar a festa, a Lan chega com um presente: sua amiga e colega de banda Cássia Eller estava hospedada na sua casa e resolveu ir junto. Tombei de amor e alegria ao ouvir "é claaaaro, gata!" quando me arrisquei a convidá-la a cantar.

Rufaram os tambores, e atacamos! Ao virarmos a esquina dos holofotes carnavalescos, Moreno, Davi e Lan iniciaram os trabalhos com toda graça e sedução, e eu me sentei para assistir emocionada, com a sensação de estar no caminho certo. Ao final da apresentação deles, gritei "Cássia Eller!", e entoamos um pop rock do momento que só me fez entender a magia daquele encontro.

Meu coração explodiu quando Márcio Mello, amigo do rock baiano, parceiro antigo da Lan, subiu no trio e engrossou o coro. A avenida tremia. Descíamos no percurso Campo Grande, e Márcio anunciava o "bi bi" do "Carro Velho" (hit do Eva) no seio desnudo de Cássia, já entregue ao desbunde daquele momento. Delírio absoluto!

Logo depois, Cássia se foi. Minha cabeça virou. A atriz berrava dentro de mim. A necessidade de novos sons e de abrir espaço para uma melancolia toda minha, além da festa. E então decidi que a veia do Carnaval tão forte em minha alma não iria se perder se eu fosse respirar novos ares. Saí da folia, apesar de ela não sair de mim. Mudei-me para o Rio de Janeiro.

Montei com a Lan Lan e o Toni Costa uma banda misturando tudo isso com tudo aquilo que é o caldeirão de samba, rock, afoxé romântico. Agora nasce meu primeiro álbum solo, e a melancolia tem seu lugar junto à poesia dos meus afetos: "O Problema É a Velocidade". E ainda agradeço ao Carnaval e a seus encontros por me fazer entender o meu lugar. Axé!

EMANUELLE ARAÚJO, 40, é cantora e atriz.


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