Folha de S. Paulo


Aprendendo técnicas de gravura na casa de Samico

Olinda, 2010

Depois de nos perdermos por encantadoras ruelas tortas, finalmente [a artista] Stela Barbieri e eu descemos uma rua larga pisando pedra a pedra até uma enorme porta azul.

O imponente sobrado colonial de três andares tinha uma cumeeira de telhas vermelhas que contrastavam com o céu azul escuro naquela fresca manhã de Olinda. A porta se abriu lentamente antes de batermos, e a esposa de Samico, com um sorriso gentil, conduziu-nos a uma grande sala com dois sofás e duas cadeiras. Pediu que aguardássemos.

As quatro paredes daquele recinto estavam repletas de grandes xilogravuras (todas do mesmo formato, vertical), equidistantes. Cada imagem –geométrica e com poucas cores– era uma janela aberta para um dos fantásticos mundos narrativos criados por Samico. Fomos capturados por elas e nos perdemos pelo espaço infinito sem conseguir sentar. Até que ouvimos uma voz baixa: "Bom dia".

Apertamos sua mão forte e delicada e nos sentamos em frente a ele. O homem magro, alto, de olhar sereno cruzou sua longa perna. Para romper o silêncio, comentamos do amigo em comum, atrasado para aquele encontro. Falei da admiração pelo seu trabalho, do prazer em conhecê-lo e lhe ofereci uma gravura e um livro meus.

Ele olhou o trabalho com atenção. Enquanto folheava o livro, observando calmamente as imagens, levantou a cabeça, fitou-me duas vezes e disse: "Você gosta de bagunça, rapaz! Aqui tem movimento. Como você fez isso?".

acervo pessoal
Gilvan Samico e Fernando Vilela em Olinda
Gilvan Samico e Fernando Vilela em Olinda

Expliquei que entalhava matrizes de borracha com facas e goivas e as imprimia com tinta de carimbo pois me dava mais mobilidade. Estava curioso para conhecer seu ateliê e processos. "E você, Samico, onde trabalha?". Percebendo a segunda intenção da minha pergunta, ele demorou um pouco a responder, mas logo se levantou, decidido. "Venham cá."

Seguindo seus passos, subimos três lances de escada até o último andar do sobrado, um lugar silencioso, pouco iluminado e cheirando a madeira. Passamos por um corredor onde uma dezena de matrizes descansavam lado a lado.

Samico abriu para nós algumas gavetas de uma mapoteca que continham gravuras impressas (numeradas de 1 a 120). Em cada gaveta cabia exatamente uma gravura, sua tiragem completa. Na última, uma resma perfeitamente arrumada de papéis japoneses cortados no exato formato de suas matrizes –portanto, prontos para uso.

"Há dez anos trabalho num só formato: faço uma gravura por ano. Poupo trabalho", olhou-me de lado Samico. "É que já estou velho", brincou.

Caminhamos até o centro do ateliê, onde, numa bancada de madeira, uma matriz deitada, travada numa estrutura de ferro, aguardava para receber tinta. Ele nos mostrou que, para cada gravura, fazia duas matrizes –uma para o preto, outra para as cores. Não pude me conter e perguntei a ele como aplicava tinta e imprimia a segunda matriz, a da cor, com tantos detalhes e tantos tons separados na mesma prancha.

"Vou te mostrar uma coisa", respondeu. Tirou de dentro do armário uma caixa de papelão cheia de rolhas de vinho sintéticas. "Pegue uma! Quando chegar em casa, esquente um ferro de passar, deixe-o esfriar um pouco e deslize esta rolha na superfície lentamente, até que ela se transforme em um cilindro perfeito como esta outra aqui."

Depois, adotando-me como assistente, Samico vazou o centro da rolha com um pino de metal e montou uma estrutura de arame com um cabo de madeira, fazendo do objeto prosaico um rolinho de impressão perfeito.

"Aí está. Uso este rolinho tanto para entintar quanto para imprimir as xilogravuras. Agora você sabe o meu segredo." E sorriu.

FERNANDO VILELA, 43, artista plástico, está com a exposição "Paisagens Gráficas", com Stela Barbieri, em cartaz no Espaço Cultural Porto Seguro, em São Paulo, até domingo (4).


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