Folha de S. Paulo


Processos e polêmicas marcam a carreira de Michel Houellebecq

Michel Houellebecq irrompeu na cena literária francesa em 1994 com o romance "Extensão do Domínio da Luta" (Sulina), sobre um homem na casa dos 30 anos, programador de computadores, que não tem sucesso com mulheres. Ali, conceitos de economia são transportados para as relações homem-mulher, e a sexualidade é descrita como sistema de hierarquia social.

Três anos antes, o autor publicara, por uma pequena editora, um ensaio sobre H. P. Lovecraft, que ganhou prefácio de Stephen King na edição em inglês, de 2004.

Zé Otavio

Em 2008, finalmente recebeu o prêmio Goncourt, o mais prestigioso da língua francesa, por "O Mapa e o Território" (Record), seu quinto e menos polêmico romance. Ele era cotado para a distinção havia pelo menos dez anos. Pessimista, o livro tem como personagem um artista plástico, além do escritor ele mesmo, o que possibilita que ele narre sua própria morte, sangrenta, com decapitação e corpo cortado em pedaços.

QUERELAS

É em 1998 que Houellebecq ganha projeção nacional e internacional, com o romance "Partículas Elementares" (Sulina), que conta a história de dois irmãos que cresceram separados e se reencontram já adultos. A história traz toques de autobiografia. Os filhos são abandonados pela mãe, de origem argelina, descrita como "velha puta" e "burguesa liberada e cheia de dinheiro", para viverem com os avós, a fim de que ela possa seguir uma vida "hippie".

O escritor, hoje com 60 anos, foi criado pela avó paterna, de quem empresta o sobrenome, após ser abandonado por sua mãe, médica que cresceu na Argélia. Lucie Ceccaldi, a progenitora, publicou um livro em 2008, "L'Innocente" (Scali), no qual acusa seu filho de ser um impostor. O escritor havia declarado anos antes a uma revista francesa que sua mãe estava morta.

Não foi a única contenda pública de Houellebecq. Seus embates frequentes na mídia com o filósofo Bernard-Henri Lévy acabaram por virar um livro, "Ennemis Publics" [inimigos públicos] (Flammarion/Grasset), que reúne seis meses de trocas de farpas, ou melhor, de cartas entre eles.

Em 2001, ele foi processado por incitação ao ódio e injúria após afirmar, numa entrevista, que o islã é a religião mais idiota de todas. Saiu inocentado do julgamento.

Em setembro deste ano, porém, Houellebecq perdeu um processo. Aqui, o antagonista era o jornal "Le Monde", que publicou em 2015 uma série de reportagens em que figurava um recado que ele havia passado a seu advogado durante o julgamento citado acima.

O diário há tempos queria tecer um longo perfil do autor, que se recusava a dar entrevistas e pediu que todos a seu redor fizessem o mesmo. O advogado do periódico declarou: "O que estava em jogo era a liberdade de um jornal publicar o retrato de um escritor que lhe recusava qualquer entrevista".

Logo após a divulgação das seis reportagens, assinadas por Ariane Chemin, em agosto de 2015, Houellebecq declarou que os textos, ao revelar seus hábitos, colocavam-no em perigo –e também à força policial encarregada de protegê-lo desde os ataques ao "Charlie Hebdo", que ocorreram no dia do lançamento de "Submissão".

Mais do que islamofóbico, porém, seu livro mais recente foi acusado de ser machista. Ali, com a ascensão da Fraternidade Muçulmana ao poder, as mulheres são obrigadas a se retirar do mercado de trabalho. No "Figaro", a escritora iraniana radicada na França Chahdortt Djavann declarou: "É pela misoginia que ele subjuga todas as mulheres, sem lhes atribuir o menor desejo de resistência ao véu, à poligamia e à expulsão do espaço público".

Pelo menos desde seu primeiro romance, Houellebecq é acusado de misoginia, seja em suas declarações, seja pelas ações e palavras de seus personagens. Em 1996, em entrevista para a revista "20 Ans", fez jus à fama: "Sempre considerei amáveis idiotas as feministas".

Submissão
Michel Houellebecq
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Em "A Possibilidade de uma Ilha" (Record), de 2005, descreve sua heroína, Isabelle, inspirada em Isabelle Chazot, editora da "20 Ans" e antiga amiga do escritor, como uma "especialista em felação que termina seus dias em calça de moletom, gorda, deprimida, viciada em morfina e toda enrugada". Ali também, um dos personagens, humorista, faz a seguinte piada: "Sabe como se chama a gordura em volta da vagina? Mulher".

ÚRSULA PASSOS, 29, é repórter da "Ilustríssima".

ZÉ OTAVIO, 32, é ilustrador.


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