Folha de S. Paulo


Antiquários em apuros, juventude niilista e a música dos bichos

Um clima de tensão pairava no ar durante a abertura, na semana passada, da 28ª edição da Bienal dos Antiquários. Ofuscada nos últimos anos pela concorrência –a TEFAF, em Maastricht, e a Masterpiece, em Londres– a Bienal arregaçou as mangas neste ano com uma série de mudanças.

Órgão que comanda a feira parisiense, o Sindicato Nacional de Antiquários anunciou que, a partir de 2017, o evento passa a funcionar anualmente, ótima notícia para os parisienses amantes de objetos excepcionais. Nesta edição, um raríssimo Modigliani estava à venda no stand da Landau Fine Art.

Philippe Lopez - 9.set.16/AFP
Homem olha vitrine na Bienal dos Antiquários, em Paris
Homem olha vitrine na Bienal dos Antiquários, em Paris

Os galeristas também tinham motivos para sorrir largamente. O número de expositores pulou de 88 para 124, com um aumento significativo de antiquários internacionais. Sob influência de Henri Loyrette, presidente da Bienal e antigo diretor do Louvre, duas exposições importantes, oriundas de coleções de peso (a do Mobilier National e a do Hermitage) davam mais prestígio à feira.

As boas novas ficaram, no entanto, à sombra da nuvem de ansiedade que tomou conta do meio dos marchands nos últimos meses, depois que dois tradicionais antiquários entraram nos noticiários policiais por envolvimento em vendas de obras falsificadas. Retiradas de última hora da feira, as galerias Kraemer e Aaron teriam enganado o Louvre e o Palácio de Versalhes.

No Grand Palais, as etiquetas coladas ao lado de cada obra, relatando dados de proveniência, nunca foram tão extensas. Dizem que a comissão de especialistas independentes deixou de fora muitos objetos verdadeiros. Melhor prevenir do que remediar.

REBELDES SEM CAUSA?

No filme "Nocturama", a câmera segue um grupo de jovens de 20 e poucos anos orquestrando uma série de atentados em Paris.

As garotas e rapazes de diversas origens e classes sociais não reivindicam nenhuma causa precisa: marcados mais pelo niilismo do que pela raiva terrorista, eles incendeiam uma mistura de emblemas capitalistas e nacionalistas, entre eles uma estátua dourada de Joana d'Arc, sempre posicionando as bombas em lugares sem concentração de pessoas.

Qualquer semelhança com a realidade francesa no último ano e meio é, de certa forma, mera coincidência: além de não ter nenhuma referência ao islamismo radical, o roteiro de Bertrand Bonello data de seis anos atrás.

O cineasta só mudou o título inicial do projeto, antes "Paris é uma Festa", clássico de Hemingway que voltou à lista de mais vendidos no pós-13 de novembro.

A estreia menos de dois meses depois da tragédia em Nice e a estetização dos atentados transformaram o filme numa batata quente. Além de ter sido esnobado pelo Festival de Cannes, "Nocturama" teve uma distribuição limitada nas salas de cinema da capital e dividiu a crítica.

BICHARADA

Famosa por sua programação atípica, a Fundação Cartier dedica uma exposição ao mundo animal até janeiro. A mostra começa silenciosa, numa imersão visual através de obras contemporâneas.

Logo na entrada, a atenção é roubada por "White Tone", um desenho monumental de Cai Guo-Qiang com ares de pintura rupestre. O chinês, conhecido por usar pólvora, a explodiu no papel definindo o traçado de animais reunidos em torno de um poço.

Diante dos vídeos científicos de exuberantes aves-do-paraíso, realizados pelo Laboratório de Ornitologia da Universidade Cornell, uma dúvida paira no ar. Qual é a expressão mais impressionante: a dos animais ou a dos humanos?

ORQUESTRA ANIMAL

No subsolo do museu, a resposta parece evidente. Dentro de uma sala escura, o público deita no chão, arrebatado pela instalação "A Grande Orquestra Animal", na qual se escutam as paisagens sonoras de Bernie Krause. A obra não só inspirou como deu nome à mostra da Fundação Cartier.

O músico e engenheiro de som começou sua carreira trabalhando com The Doors, Brian Eno, Van Morrison e George Harrison. Nos anos 80, o americano passou a gravar exclusivamente com baleias, lobos, pica-paus e outras 15.000 espécies de animais.

Em trechos em antes e depois, gravados no mesmo lugar em períodos diferentes, Krause faz os visitantes escutarem o impacto do homem na orquestra gloriosa. É de engolir seco o silêncio tenebroso resultante de desflorestamentos, destruições de barreiras de corais e do aquecimento.

ISABEL JUNQUEIRA, 32, é jornalista.


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