Folha de S. Paulo


De Nelson à Bíblia grega em Portugal

Já não era sem tempo. Os contos e crônicas de Nelson Rodrigues (1912-80) são publicados pela primeira vez em Portugal, pela mão de Bárbara Bulhosa na Tinta da China.

Esta semana foram para as livrarias "A Vida como Ela É..." (60 dos melhores contos) e "O Homem Fatal" (80 crônicas) com prefácios do acadêmico Abel Barros Baptista e do poeta Pedro Mexia, responsáveis também pela seleção dos textos.

O lançamento dessa coleção, um dos momentos marcantes da "rentrée" literária portuguesa, aconteceu sexta (9) no início da apresentação da nova temporada do Teatro Nacional D. Maria 2ª, em Lisboa. Desde aí até este domingo, o teatro tem entrada livre para espetáculos, leituras, exposições e concertos numa programação integrada no festival Lisboa na Rua, que tem animado a cidade com eventos ao ar livre (lisboanarua.com).

No átrio do teatro, foi montado o espetáculo "Sofá Rodrigues", do diretor artístico Tiago Rodrigues, com leituras encenadas de crônicas do brasileiro. Uma homenagem ao dramaturgo concebida pelo encenador que conseguiu, neste último ano, aumentar o público do Nacional e que tem entre os objetivos fazer entrar ali um novo espectador por dia.

Bulhosa estava a tentar publicar em Portugal toda a obra do pernambucano desde 2008. Mas só agora o conseguiu, graças a Sonia Rodrigues, a filha e organizadora da obra "Nelson Rodrigues por Ele Mesmo".

AVENTURAS IRREPETÍVEIS

A única obra de Nelson Rodrigues disponível em Portugal até aqui era "Teatro Desagradável. Três Peças de Nelson Rodrigues", editado em 2006 pela Cotovia de André Jorge (1945-2016), incluída na coleção "Curso Breve de Literatura Brasileira".

Nessa época, em dois anos, foram editados 14 volumes da coleção. "Uma aventura editorial provavelmente irrepetível nos dias de hoje", como recordou o professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa, que se especializou em literatura brasileira, Abel Barros Baptista, coorganizador da coleção, a 19 de agosto, dia da morte daquele que foi um dos mais importantes editores portugueses, evocado na "Ilustríssima" semana passada por Bernardo Carvalho.

Jorge foi o editor que publicou, em 2002, os romances de Frederico Lourenço –"Pode um Desejo Imenso", "O Curso das Estrelas" e "Beira do Mundo"– e que com o acadêmico lançou as traduções de obras tão fundamentais como a "Odisseia" e a "Ilíada" de Homero. Foi na Cotovia também que este professor da faculdade de letras da Universidade de Coimbra lançou no ano passado "O Livro Aberto: Leituras da Bíblia".

PÂNICO DE MORRER

Outro marco desta "reentrée" é a chegada, neste mês, às livrarias portuguesas, do livro "Bíblia - Volume I - Novo Testamento - Os Quatro Evangelhos", com tradução do grego, apresentação e notas do mesmo Frederico Lourenço. É uma edição da Quetzal, mas caberia perfeitamente no âmbito das aventuras irrepetíveis de André Jorge. A obra contém os evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João e dá início a uma coleção em seis volumes que disponibilizará pela primeira vez em língua portuguesa a tradução integral da Bíblia Grega (Antigo e Novo Testamento).

É também a concretização de um sonho antigo do editor e escritor português Francisco José Viegas (ex-secretário de Estado da Cultura), que, numa altura em que por toda a parte "editar é cada vez mais difícil", assumiu o risco.

Explica-se no prefácio que em grego foram originalmente escritos todos os 27 livros que integram o Novo Testamento, assim como sete livros do Antigo Testamento, e que a presente tradução dará a ler os 27 livros do Novo Testamento e os 53 do Antigo Testamento grego: "Será, assim, a Bíblia mais completa que existe em português".

DE PARATY PARA ÓBIDOS

O lançamento do primeiro volume desta gigantesca empreitada está marcado para a segunda edição do Festival Literário Internacional de Óbidos, que de 22/9 a 2/10 terá como principais convidados Salman Rushdie e V. S. Naipaul. O festival português estabeleceu uma parceria com a Casa Cais na Flip, que resultará na vinda a Portugal de uma embaixada de que fazem parte Luana Carvalho, Alice Sant'Anna e o músico Pedro Sá.

A exposição de Domenico Lancellotti, que esteve exposta em Paraty durante a festa literária, também viajará para Óbidos.

ISABEL COUTINHO, 50, é repórter do jornal português "Público".


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