Folha de S. Paulo


O curador português que foi do MoMA ao mais novo museu de Lisboa

RESUMO Após ser curador de arquitetura e design no MoMA, português Pedro Gadanho volta a seu país para assumir novo museu de arquitetura, arte e tecnologia em Lisboa. A instituição, cuja sede une um edifício do século 20 a um chamativo novo prédio, pretende fomentar o diálogo sobre as transformações urbanas.

Divulgação/Fundação EDP
A sede do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa
A sede do Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia, em Lisboa

Não deixou de ser uma surpresa quando, em 2012, foi nomeado um português para o cargo de curador do Departamento de Arquitetura e Design do Museu de Arte Moderna de Nova York. Tão ou mais inesperado foi quando, neste ano, o mesmo Pedro Gadanho deixou o MoMA e um dos mais influentes cargos da arquitetura mundial, retornando a sua terra natal para ser o primeiro curador do novíssimo Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia (Maat), em Lisboa.

Antes de sua experiência nova-iorquina, Gadanho (Covilhã, 1968) havia dividido suas atividades entre a prática arquitetônica, a curadoria independente e a docência em diversas instituições, em especial na Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto. Desde 2009, expressa sua crítica no blog Shrapnel Contemporary, escrito em inglês, o que já indicava a busca de interlocutores para além das fronteiras lusitanas.

Nos quatro anos no MoMA, Gadanho foi responsável pela organização do Young Architects Program, o concurso anual destinado a jovens arquitetos para a construção de uma estrutura temporária ao longo do verão para a filial do museu no Queens, o MoMA PS1.

A primeira das exposições realizadas sob sua curadoria, "9+1 Ways of Being Political" (9+1 modos de ser político), diretamente impactada pelo Occupy Wall Street, buscava apontar o que seria uma atitude política ao projetar. Já "Uneven Growth" (crescimento irregular) mostrou pesquisas em grandes metrópoles mundiais, como Nova York, Mumbai, Lagos e Rio de Janeiro. Por sua vez, "Conceptions of Space" (conceitos de espaço) foi uma exibição de projetos realizados num período em que, segundo Gadanho, "o conceito de espaço tinha sido absorvido por outras disciplinas, como a antropologia, sociologia e campos da arte". Ainda em cartaz, sua última mostra segue a tradição curatorial do MoMA: "Japanese Constellation" (constelação japonesa) é uma grande retrospectiva das profícuas últimas três décadas da arquitetura japonesa.

Mesmo estando no epicentro cultural do mundo, Pedro Gadanho decidiu retornar às margens do Tejo para colaborar na fundação de um museu que procura estabelecer um diálogo entre arte e arquitetura, entre o público português e o público internacional.

O Maat terá como sede dois edifícios adjacentes. O primeiro, um antigo prédio industrial que serviu a uma central de energia no inicio do século 20, foi restaurado e adaptado para receber galerias de arte. O outro é um edifício contemporâneo projetado pela arquiteta britânica Amanda Levete, a ser inaugurado em 5/10: uma forma icônica que emerge do rés-do-chão, dando origem a uma grande cobertura sinuosa, sob a qual se abriga um amplo espaço museológico, e que se conecta como rampa ao chão do parque à beira-rio.

Em entrevista concedida na abertura da Bienal de Arquitetura de Veneza deste ano, Gadanho fala sobre o debate que busca estabelecer a partir do novo museu.

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Folha - O que será o Maat?

Pedro Gadanho - Com um programa muito orientado para a contemporaneidade, o enfoque será a relação da arte com a arquitetura urbana e a tecnologia. Portanto, será transdisciplinar. Queremos perceber como os arquitetos respondem aos impactos tecnológicos e às mudanças sociais que estão a acontecer nesse momento.

Será um museu exclusivamente de exposições temporárias? Ou pretendem ter um acervo permanente?

Nós já temos uma coleção de arte contemporânea portuguesa, majoritariamente pós-1968, e continuamos a fazer aquisições de acordo com as mostras. Queremos trazer mais artistas emergentes e decidimos por um modelo de apresentação da coleção baseado em exposições temáticas em regime temporário. Não há mostra permanente. É uma tática curatorial que eu já tinha começado a desenvolver no MoMA: convidamos um curador externo, propomos um tema contemporâneo e ele nos traz um olhar sobre a coleção. Assim, explora-se a possibilidade de criar argumentos a partir da justaposição de obras de arte.

Qual é a primeira exposição feita de acordo com essa estratégia?

A pré-inauguração do edifício da antiga central de energia [em 28 de junho] teve uma exposição intitulada "Segunda Natureza". Aborda exatamente a questão de não haver mais a primeira natureza, a "natureza natural", um espaço virgem não tocado pelo homem. É uma reflexão sobre a passagem ao chamado antropoceno, pela perspectiva de artistas, de como eles foram entendendo a representação da natureza e como foram modificando a sua própria apreciação da natureza. De fato, os artistas foram os primeiros a assumi-la como um material a ser trabalhado, como um artefato cultural para o homem. Por meio de trabalhos de artistas portugueses como Gabriela Albergaria, Alberto Carneiro e Alexandre Estrela que pertencem à coleção mostraremos essa desaparição da primeira natureza desde uma escala muito próxima até uma escala planetária.

O que será apresentado na inauguração oficial do dia 5 de outubro?

Teremos uma grande festa de 12 horas de abertura do museu para a cidade. Coincide com o início da Trienal de Arquitetura de Lisboa, que terá uma das exposições a ocupar parte do Maat. Em paralelo, haverá a mostra "The World of Charles and Ray Eames", organizada pelo Barbican de Londres. E vamos ter uma grande intervenção no novo espaço feita pela Dominique Gonzalez-Foerster, que faz parte da principal exposição inaugural "Utopia/Distopia". Não é só a questão da utopia a partir dos 500 anos do lançamento do livro de Thomas Morus, mas também é preciso focar na distopia, muito mais presente na nossa realidade atual, devido às desigualdades econômica e social, e a tantas coisas estranhas que estão a acontecer no mundo. Traremos a reflexão crítica que os artistas e arquitetos estão habituados a fazer, a fim de que o museu seja uma plataforma de discussão e debate sobre a atualidade.

Um grande desafio para novos museus de arte contemporânea é o espaço arquitetônico, vista a variação de dimensões e características físicas difíceis de abarcar. Soma-se a isso que muitos trabalhos não são feitos para museus, perdendo sua potência crítica quando neles são abrigados. Qual foi a postura institucional e dos arquitetos do Maat?

Ao levarmos um curador famoso para conhecer o espaço do Maat ainda em construção, ele ficou horrorizado, pois não havia uma parede reta. Porém artistas como a Dominique Gonzalez-Foerster adoram o espaço exatamente porque não é um cubo branco. Ou seja, não é a sala típica. O espaço vai originar uma obra diferente do que eles fariam em outro lugar. Esse é o prazer de ter um espaço com uma identidade muito específica.

Mas o Maat também é composto por um edifício existente, certo?

Sim, uma antiga central elétrica remodelada para acolher essas novas exposições. Como na Turbine Hall, da Tate Modern de Londres, foram retiradas as turbinas e pôde-se fazer um grande espaço de pé-direito altíssimo. Ao mesmo tempo, existirá esse novo edifício, que é muito mais orgânico. Serão dois prédios com espaços muito variados, flexíveis e combináveis, nos quais poderemos ter sete ou oito exposições diferentes ao mesmo tempo. Um dos edifícios é bom exemplo da arquitetura do século 20 e o outro será um exemplo da arquitetura do século 21.

De que modo o museu busca estabelecer uma relação com a cidade?

Uma intenção muito clara do projeto é que o interior do museu se estende para fora e aproveita uma zona de lazer muito privilegiada da cidade. No conjunto, o museu é composto por dois polos físicos que, por não estarem ligados interiormente, obrigam o visitante a circular pelo espaço exterior.

Porém, para ativar essa relação, mais importante serão os debates e a participação ativa em um momento de transformação urbana. É preciso aproveitar oportunidades para, se houver um tema polêmico, abrigar no museu a discussão a respeito. Para o museu será mais importante participar por meio do debate que da presença física.

FRANCESCO PERROTTA-BOSCH, 28, é arquiteto e ensaísta.


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