Folha de S. Paulo


Susan Rose-Ackerman e a corrupção como troca econômica

RESUMO Referência no estudo de corrupção, Susan Rose-Ackerman analisa o caso brasileiro e diz que só mudanças estruturais impedirão que escândalos como o petrolão se repitam. A professora de Yale participa, na quinta (11), em São Paulo, de debate em parceria com a FGV Direito, que inaugura a série Seminários Ilustríssima.

Reprodução
A pesquisadora e professora Susan Rose-Ackerman
A pesquisadora e professora Susan Rose-Ackerman

Quando o assunto é corrupção, a pesquisadora americana Susan Rose-Ackerman, 74, é uma das principais referências mundiais. Seu extenso trabalho sobre o assunto, que inclui nove livros e dezenas de artigos, descarta a mera importação de soluções que funcionaram em outros países e destaca a importância da lógica econômica na tomada de decisões que levam a trocas corruptas.

Doutora em economia pela Universidade Yale, nos EUA, Rose-Ackerman é professora nos cursos de ciência política e direito da instituição. Ela participa, em São Paulo, do primeiro dos Seminários Ilustríssima (leia ao lado).

Em entrevista à Folha, por e-mail, Rose-Ackerman afirma que o escândalo da Petrobras é resultado de uma infeliz "tempestade perfeita" entre dois grandes incentivos para pagamentos ilícitos, e pede mudanças estruturais no combate à corrupção: "Se as estratégias enfatizarem apenas o lado da aplicação da lei, elas não oferecerão solução no longo prazo. Uma vez que um grupo de atores corruptos for punido, um novo grupo logo aparecerá".

*

Folha - A senhora argumenta que princípios gerais de economia podem ajudar a guiar reformas anticorrupção. Como eles poderiam ser úteis ao Brasil?

Susan Rose-Ackerman - Para reduzir a corrupção é muito importante descobrir o que está sendo "comprado" em troca de suborno. Subornos e propinas têm dois lados –um que paga e outro que aceita ou exige o pagamento. Incentivos econômicos operam nas duas pontas desse negócio; consequentemente, reformas podem ter como alvo qualquer uma delas ou ambas.

Corrupção pode ser um meio de evitar custos impostos pelo Estado –tributação e pagamentos alfandegários, penas por violação das leis, processos criminais (até mesmo por casos anteriores de corrupção), indenizações devidas em casos civis. Os incentivos econômicos para fazer pagamentos que evitem esses custos são óbvios enquanto o custo for menor que o valor do prejuízo evitado. Além disso, servidores públicos com poder sobre outros podem extorquir pagamentos mesmo daqueles que costumam obedecer à lei, se essas vítimas não tiverem uma forma crível de reclamar.

Embora a melhora nas normas éticas de servidores, indivíduos e negócios privados possa ajudar a reduzir a corrupção, reformas anticorrupção precisam reduzir os incentivos econômicos para o pagamento e aceitação de subornos, senão o problema não será resolvido. Mudança institucional e a reforma de políticas são condição necessária para o progresso.

O que pode ser feito para reduzir as possibilidades de corrupção em grandes escândalos, como o que vemos no caso da Petrobras?

O caso Petrobras parece ter resultado de uma infeliz "tempestade perfeita" entre dois grandes incentivos para pagamentos ilícitos –grandes contratos, exclusivos, prometendo enormes lucros, e a necessidade de recursos para facilitar atividades políticas, tanto eleitorais quanto a aprovação de leis no Congresso.

Mesmo sem envolvimento de políticos, esses contratos teriam o risco de corrupção por conta de seu tamanho e da dificuldade de comparação precisa de seus custos no mercado.

A relação com políticos eleitos que podem usar recursos para promover suas próprias agendas em um sistema com um número excessivo de partidos adicionou incentivos extras.

Uma primeira proposta seria quebrar o elo entre contratos do setor público e políticos pela proibição de seu envolvimento nessas decisões. Isso não será fácil na prática, mas seria um primeiro passo.

No entanto, uma resposta mais forte seria a reforma do sistema partidário brasileiro para tornar o processo legislativo menos dependente da formação de coalizão de uma multitude de partidos a cada lei que se quer aprovar. Uma forma de fazer isso seria elevar a barreira para a admissão de um partido ao Legislativo, encorajando fusões de agremiações.

Tal reforma precisaria ser combinada com melhora na apresentação de relatórios de financiamento de legisladores e partidos e, talvez, outras estruturas institucionais para facilitar a negociação entre Executivo e Legislativo sem pagamentos corruptos. Essa negociação é uma característica inerente aos sistemas presidenciais, como se vê nos EUA e em outros países da América Latina, mas pode ocorrer sem pagamentos se a organização do Congresso for mais clara e menos complexa.

Quais são as falhas da estratégia de combate à corrupção relacionada à aplicação da lei, tema muito discutido no Brasil?

Você está correto ao dizer que eu tentei enfatizar a importância de reformas estruturais para acabar com a corrupção. Reconheço, no entanto, a importância da aplicação da lei como um substituto, e dediquei um capítulo da nova edição de meu livro "Corruption and Government" [Cambridge University Press, Corrupção e governo, sem edição no Brasil] a esse tema.

Eu só acredito que, se estratégias anticorrupção enfatizarem apenas o lado da aplicação da lei, elas não oferecerão solução no longo prazo. Uma vez que um grupo de atores corruptos for punido, um novo grupo logo aparecerá.

Feita essa ressalva, contudo, a aplicação da lei na maioria dos Estados pode ser mais efetiva do que atualmente é. No Brasil parece que há problemas, particularmente, com a facilidade de atrasar processos e com a forma como prazos relativamente curtos de prescrição interagem com adiamentos promovidos pelos réus. Não tenho detalhes da lei brasileira, mas parece que reformas são necessárias para simplificar e acelerar processos, sem sacrificar os direitos dos acusados.

As próximas eleições municipais serão as primeiras do país sob novas regras, que proíbem a contribuição financeira de pessoas jurídicas. A sra. acredita que isso pode mudar a relação entre o setor público e o privado, especialmente com as empresas que costumavam fazer vultosas doações de campanha até então?

Uma mudança pode certamente ocorrer, mas apenas se o Brasil tiver um sistema efetivo de monitoramento, para se certificar de que recursos não estão sendo fornecidos por debaixo dos panos.

Tenho a preocupação de que proibições absolutas a doações corporativas vão simplesmente produzir um aumento em pagamentos que serão corruptos. O Brasil precisa ter certeza de que haverá fontes de recursos legais suficientes para que esse risco seja minimizado.

A pequena corrupção é muito frequente na interação da sociedade com o setor público no país. Esse é um problema que precisa ser combatido para ter melhores resultados na luta contra os grandes escândalos, ou são fenômenos com respostas diferentes?

A "pequena corrupção" não é trivial para os lares e pequenos negócios sujeitos a demandas corruptas, ou para quem consegue se safar das leis existentes por meio de pagamentos. Portanto, a questão não é apenas a relação com os grandes escândalos mas também o incômodo e a injustiça diários com exigências corruptas.

Reformadores poderiam tentar identificar onde a pequena corrupção causa maiores transtornos e é mais custosa tanto para cidadãos quanto para o Estado, e começar as reformas por esses pontos.

Seu trabalho reconhece, até certo ponto, que algumas entidades públicas estão tão impregnadas pela corrupção que não há reformadores capazes de iniciar uma mudança. Essa opinião é muito comum no Brasil. Há espaço para visão mais otimista das instituições do país?

A visão otimista é que o Brasil está na liderança da América Latina no combate real e punição da corrupção nos altos escalões. O país tem diversas forças institucionais que faltam a outros, como seu respeitado corpo de procuradores públicos, seu competente Tribunal de Contas e seu Supremo Tribunal Federal. Esses órgãos têm sido agressivos e efetivos no confronto com a corrupção e na busca de pôr as contas públicas nacionais em ordem.

Tenho duas preocupações daqui para frente. Primeiro, reformadores precisam ir além dos processos de casos individuais e passar a usar tais casos como um marco, um trampolim para reformas estruturais –tanto em aplicação da lei quanto, principalmente, na forma como bens e serviços públicos são fornecidos.

Segundo, indivíduos fortes, com princípios, precisam ver uma razão para entrar na política e fazer parte do serviço público. Há uma nova geração de líderes ingressando tanto no setor público quanto no setor privado? Eu espero que sim, mas essa transição é necessária e dependerá de uma disposição geral de adotar reformas governamentais, não apenas para condenar aqueles culpados por crimes passados.

RODRIGO RUSSO, 30, é jornalista da Folha.


Endereço da página:

Links no texto: