Folha de S. Paulo


Livros mostram a gênese do moderno brasileiro entre mestres e aprendizes

RESUMO As trajetórias de Carlos Leão e Pedro Paulo de Melo Saraiva são conhecidas apenas em círculos especializados. O primeiro iniciou-se na arquitetura com Lucio Costa; o segundo trabalhou com Vilanova Artigas. Dois livros mostram que ambos são fundamentais para compreender nuances de nossa produção moderna.

Carlos Leão
Ilustração de Carlos Leão para a capa da Ilustríssima. DIREITOS DE FERNANDO SERAPIÃO ::: NÃO USAR! ::: ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Desenho de Carlos Leão

"O salão é livre de pilares", avisou o corretor de imóveis, valorizando o escritório de 190 metros quadrados situado no décimo andar de um prédio da avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo. Seu cliente, diretor de uma multinacional holandesa de laticínios, tinha 48 anos. Era início de uma tarde de sábado, no mês passado. Nas semanas anteriores, ele visitara umas duas ou três dezenas de espaços semelhantes àquele na região e alegrou-se com a vista panorâmica e com as divisórias deixadas pelo antigo inquilino.

O endereço integra os anais da boêmia, tanto da geração dele, que dançou na sobreloja, onde ficava o QG, bebendo Keep Cooler e tomando fôlego no terraço, como da de seu pai, que bebeu uísque ao som do piano na filial do bar A Baiuca, no térreo. Mas o candidato a inquilino ignorava que o edifício Capitânia figurasse também nos álbuns de ícones arquitetônicos da cidade: a obra, evidenciada por uma requintada ossatura de concreto aparente de quarenta anos de vida, é assinada por Pedro Paulo de Melo Saraiva.

Se estivesse assessorando a locação, o veterano projetista não resistiria ao cacoete de descrever o sistema estrutural: "A planta é quadrada, com 'core' central. A torre está apoiada em oito pilares com transição no embasamento, distribuindo a carga para oito peças trapezoidais em cada fachada, que assimilam os montantes da caixilharia de tal maneira que, de dentro dos escritórios, apenas as espessuras das esquadrias são visíveis, pois os perfis os tornam imperceptíveis". Ao terminar a narrativa, o Mister M da arquitetura paulistana espiaria o interlocutor de lado, abrindo um sorriso maroto de quem domina truques para desaparecer com esqueletos.

Enquanto descia num dos três elevadores do Capitânia, o diretor da empresa alimentícia calculava a contraproposta que faria ao corretor, ignorando que o arquiteto do prédio estava a menos de 200 metros de distância. Conhecido na cena arquitetônica paulistana pelo nome composto (ou apenas como Papito, para os companheiros de boêmia), Pedro Paulo desfrutava da sombra do terraço numa antiga morada burguesa do Jardim Europa transformada em museu.

Aos 82 anos de idade e vestindo camisa azul com colarinho e punho brancos, ele recebia convidados no Museu da Casa Brasileira para o lançamento do primeiro livro sobre sua trajetória. Escrito por Luis Espallargas, "Pedro Paulo de Melo Saraiva: Arquiteto" [Romano Guerra Editora, 272 págs., R$ 130] trata da produção de edifícios, sua destacada faceta profissional, que inclui ainda a direção de escritórios públicos de planejamento urbano, a liderança de órgãos de classe e atividade letiva em instituições como USP, Universidade de Brasília e Mackenzie.

Reprodução
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Desenho de Pedro Paulo de Melo Saraiva para concurso do edifício Quinta Avenida, na av. Paulista

A PUREZA COM SEXO

Em momento de escassos lançamentos editoriais da disciplina, o livro foi financiado por edital do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo. No Rio de Janeiro, dez dias depois, outra publicação fundamental foi lançada com suporte financeiro do conselho fluminense: "Carlos Leão: Arquitetura" [Bazar do Tempo, 232 págs., R$ 120], organizado por Jorge Czajkowski. A possibilidade de fomento para publicações como essas é uma das vantagens da saída dos arquitetos do Crea, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia.

Os volumes resgatam personagens-chave dos dois movimentos fundamentais da arquitetura moderna brasileira – a Escola Carioca e a Escola Paulista –, difundindo ainda a produção de autores como Espallargas, compenetrado na relação entre vanguarda e mercado, e Czajkowski (morto em 2010), atento pesquisador do modernismo carioca e obcecado por Leão.

"Boêmio e artista por temperamento, culto, sensível, irreverente, adorado por seus amigos, Caloca [apelido de Carlos Leão] pertenceu a uma geração de intelectuais cariocas que marcou o rumo da cultura nacional", escreveu o autor, que começou a pesquisa com uma dúzia de residências e acabou localizando 120 projetos. Seu personagem destacou-se desde os bancos da Escola Nacional de Belas Artes, onde foi assistente de Lucio Costa. Carlos Leão, o Caloca, foi o mais prodigioso desenhista do país, na avaliação de Candido Portinari. Ele criava nus femininos que ilustram livros de poesia de Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Morais –que definiu seus nanquins aquarelados como "a pureza com sexo".

Arquiteto, ele é lembrado como coadjuvante da equipe que desenvolveu o projeto do Ministério da Educação e Saúde, marco inaugural da Escola Carioca, corrente arquitetônica nativa que combinou tradição e modernidade. Sua trajetória profissional começou aos 26 anos, recém-formado, dando expediente no vigésimo andar do histórico edifício A Noite.

Ali ficava o escritório de Lucio Costa e Gregori Warchavchik, ucraniano que vivia em São Paulo e que introduziu a arquitetura moderna no Brasil. Leão era um ano mais velho que o outro aprendiz do estúdio, Oscar Niemeyer, que estava na metade do curso de arquitetura.

A sociedade durou dois anos e Warchavchik imprimiu tom progressista ao repertório tradicional de Costa, que tinha liderado o neocolonial, movimento eclético nacionalista. Com a direção do estrangeiro, a dupla projetou menos de dez obras alinhadas à vanguarda europeia.

Quando a aliança terminou, Leão tornou-se sócio de Costa. Sem trabalho, mestre e aprendiz exercitavam-se criando projetos imaginários e participando de concursos, como o da sede do Ministério da Educação e Saúde. A disputa foi vencida por proposta em estilo marajoara mas, após controvérsia, o ministro Gustavo Capanema anulou o certame: ele queria materializar algo modernizador, alinhado a suas ambições para o Brasil, e convocou Costa para o desafio.

Discreto e erudito, o arquiteto tinha 36 anos e propôs liderar uma equipe imberbe conectada com a vanguarda. Percebeu a oportunidade de contratar Le Corbusier como consultor e convenceu Getúlio Vargas, que lhe disse: "Pode trazer o homem". Na cota de sócio do comandante, Leão entrou na tripulação. Foram ainda convocados outros dois jovens participantes do concurso: Eduardo Affonso Reidy e Jorge Moreira Machado, que incluiu seu sócio Ernani Vasconcellos. Por insistência, Oscar Niemeyer foi o último a colocar o pé na nau moderna.

PUPILO

Nos 33 dias que permaneceu no Rio de Janeiro, Le Corbusier foi auxiliado por Niemeyer, que era o mais inexperiente e, por ter o traço alinhado, foi encarregado de redesenhar as perspectivas do europeu, que caiu de amores por Leão, seduzido por seu humor e sua destreza. Ao contrário de Niemeyer, tímido e inseguro, Caloca era expansivo e havia absorvido os ensinamentos de Costa. Misturando modernidade e tradição, criou seu primeiro projeto: a casa de sua mãe, numa encosta de Laranjeiras, elogiada por Corbusier.

"Como está o Leão?", Corbusier sempre perguntava quando se encontrava com Costa. Mas três meses após deixar o Rio, ele incluiu Niemeyer no P.S. de uma carta ao líder da equipe: "O que é feito daquele valoroso Oscar e suas belas perspectivas?". E Lucio respondeu: "Seu P.S. deixou Oscar 'emocionado' –ele está fazendo coisas lindas no momento. Sua visita abriu novos horizontes para ele".

Pouco a pouco, o "valoroso Oscar" assumiu a liderança do projeto, propondo mudanças fundamentais, como a altura dos pilotis e a posição dos volumes. Percebendo seu crescimento, Costa se afastou para dedicar-se à criação do departamento de patrimônio histórico. Em menos de dez anos, Niemeyer pulou de estagiário para o mais afamado arquiteto brasileiro, posto que ocupou por 70 anos, até sua morte. Um dos passos decisivos desta trajetória ímpar foi o projeto do Pavilhão do Brasil, em Nova York, cujo concurso foi vencido por Costa, que sugeriu um novo desenho em parceria com Niemeyer, o segundo colocado.

Quando estavam em Nova York, em 1938, o Patrimônio Histórico foi incumbido de desenhar um hotel em Ouro Preto. Assim como Costa e Niemeyer, Leão também era funcionário do Patrimônio e assumiu o trabalho. Sua proposta seguiu a linha das construções do entorno, "com o mínimo de contraste e o máximo de integração" (como escreveu Lauro Cavalcanti).

Contudo, aos olhos de Costa, a solução de Caloca era um retrocesso ao neocolonial e ele articulou uma alternativa com desenho de Niemeyer. Resumindo o episódio: o projeto de Leão foi arquivado e o hotel de Niemeyer, construído, abrindo-lhe a porta de Minas Gerais, caminho que levou à Pampulha e depois, à Brasília; Caloca demitiu-se do Patrimônio, afastou-se do time moderno e viveu como burocrata do Instituto dos Bancários fazendo sua obra arquitetônica desaparecer do radar.

No texto que escreveu para a apresentação do livro de Leão, no qual esse episódio não é mencionado, Costa afirma: "Aparência sempre sóbria e discreta encobriam, porém, um temperamento ultrassensível que não só explodia em bruscos rompantes de demolidora irreverência crítica, como extravasava num extremado sensualismo". Comentando sua aptidão para os desenhos de nus, Costa terminou seu texto afirmando que "no confronto desigual deste trato amoroso, com o correr do tempo, como é natural, a arquitetura perdeu", citando o ostracismo profissional.

Nas "casas brasileiras", como as qualifica o autor, o esforço de Leão "se concentra em tentar criar uma atmosfera solicitada pelos clientes com um mínimo de referências formais à arquitetura do passado". Trata-se de um trabalho empírico, que analisa terreno, programa, topografia etc., mas que apresenta resultados surpreendentes. Dependendo do momento, seu pêndulo balança para a tradição ou a modernidade, como nas encomendas de Homero Souza e Silva, sócio de Walther Moreira Salles.

Seus telhados, treliças e azulejos são o extremo do nativismo moderno nacional, levando ao limite a manemolência do estereótipo carioca, do país tropical, alegre e lírico. Carlos Leão morreu em 1983, aos 76 anos, amargurado com seu reconhecimento. Em sua última entrevista, ele desabafou que "fazer projetos é uma chatura. Prefiro os desenhos, nos quais faço o que quero".

Carlos Leão
Ilustração de Carlos Leão para a Ilustríssima. ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
Projeto de Carlos Leão para casa de Homero Souza e Silva, construída no Rio

ESCOLA PARALELA

Leão foi o assunto mais comentado no lançamento de Pedro Paulo, incendiando a fila de autógrafos no Museu da Casa Brasileira como se fosse um rastro de pólvora. Mas ao invés de Caloca, as rodas falavam sobre o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza para Paulo Mendes da Rocha, anunciado na semana anterior. Entre as mais de 200 dedicatórias que Pedro Paulo escreveu, um momento singular foi justamente o abraço em Mendes da Rocha, aos 87 anos, que aguardou o momento por quase uma hora.

Os dois se conheceram em São Paulo no começo dos anos de 1950 cursando arquitetura no castelinho de tijolos do Mackenzie. Ambos nasceram no litoral –Mendes da Rocha ao norte de São Paulo, em Vitória, e Pedro Paulo ao sul, em Florianópolis. Amazonense, o pai de Pedro Paulo era representante comercial de tecidos, vendia caxemira, enquanto sua mãe cuidava dos três filhos.

O futuro arquiteto cresceu fascinado pelo mar e "construía barcos de madeira, com um tabuado no chão, com madeiras do lado e o banco travando a estrutura", ele explicou, semanas depois do lançamento. A família Melo Saraiva se mudou para São Paulo quando seu irmão mais velho entrou no curso de medicina e Pedro Paulo foi afastado do mar aos 15 anos. Ele terminou o colégio no Rio Branco sonhando estudar arquitetura naval –"como o Paulinho", completou, citando o ilustre colega. Ele não entrou na Escola Naval. Ingressou na arquitetura do Mackenzie, aproveitando para matar a saudade dos barcos remando no rio Tietê em campeonatos universitários. "Não ganhávamos nada!".

Quando Pedro Paulo cursava o Mackenzie, o prestígio internacional da arquitetura moderna brasileira completava uma década. Se no Rio de Janeiro o moderno foi anabolizado por encomendas públicas, o dinheiro privado financiava a cena paulistana, com obras de Rino Levi, Oswaldo Bratke e os europeus imigrados no pós-guerra, com Franz Heep e Giancarlo Palanti.

Conservador, o diretor do Mackenzie excluía a vanguarda do currículo acadêmico que, em contrapartida, tinha um corpo técnico excepcional, com professores como o calculista Roberto Zuccolo. Pedro Paulo integrou uma espécie de "escola paralela", na definição da historiadora Mônica Junqueira de Camargo, composta por alunos interessados que absorviam novidades devorando publicações especializadas e, trocando informações com veteranos, ensinavam calouros. Assim floresceu a mais notável geração do Mackenzie que, grosso modo, foi influenciada pela produção norte-americana, com os mais velhos wrightianos (como Miguel Forte e Jacob Ruchti) e os mais novos adeptos da rigidez de Mies van der Rohe (como Salvador Candia, Plínio Croce e Roberto Aflalo).

BRUTALISMO PAULISTA

Com êxito profissional imediato, Pedro Paulo venceu o concurso para a nova sede da Assembleia Legislativa de Santa Catarina em parceria com Mendes da Rocha. A dupla não teve sucesso ao juntar forças em outras quatro disputas mas, separados, ganharam outros certames. Na disputa pelo desenho do ginásio do Clube Paulistano, por exemplo, Mendes da Rocha ficou com o primeiro lugar. Ele tinha 30 anos e trabalhou em parceria com João Eduardo de Gennaro, enquanto Pedro Paulo, com 25 anos, recebeu a segunda colocação junto com Júlio Neves.

De maneira prematura, os desenhos anteciparam caraterísticas das trajetórias de ambos. Paulinho propôs uma cobertura leve, apoiada em tirantes e pilares expressivos, solução engenhosa e personalista que revelou sua criatividade estrutural; já Papito imaginou uma enorme cobertura, "com 150 por 45 metros apoiada em cinco arcos de cada lado", que organizaria o programa em volumes menores, revelando seu talento para criar tipologias, buscando a essência entre estrutura e uso.

No mesmo ano do Paulistano, em 1958, Pedro Paulo venceu (com Miguel Juliano) o concurso para o Edifício 5ª Avenida, um prédio de escritórios na Paulista. Novamente, o projeto criou uma solução genérica, para a ocupação de uma terreno no meio de uma quadra, com térreos sobrepostos multiplicando o valor comercial em dois andares. O edifício em si, por sua vez, apresenta um avanço estrutural na lâmina moderna (leia-se Ministério da Educação e Saúde), com fachadas maiores envidraçadas e as menores sem aberturas. De essência mackenzista, o pragmatismo de Pedro Paulo apoiou o edifício em duas linhas de pilares, ao invés de três, sendo precursor no uso de estrutura protendida (tecnologia que aumenta a resistência do concreto, usada, por exemplo, no Masp e em muitas pontes) nesse tipo de edifício. "A laje tem quatro centímetros", ele revela, com sorriso maroto.

As ideias de Pedro Paulo tornaram-se hits e a solução do Paulistano foi adotada por diversos autores nos mais variados tipos de edifícios horizontais, de casas à escolas, mas a primazia da materialização é de Vilanova Artigas, pela construção de uma escola pública em Itanhaém, no litoral paulista, considerada uma das obras inaugurais da Escola Paulista, o brutalismo local.

APRENDIZES

Pedro Paulo desconfia que Artigas o convidou para ser seu assistente na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP alguns anos depois por causa da proposta do Paulistano (o mesmo teria ocorrido com Mendes da Rocha). "Ele era um sujeito casmurro e com corte de cabelo militar; tínhamos pouco contato com ele. Artigas nunca nos falou nada a respeito, mas acho que ele queria demonstrar independência e romper com certa 'cupincharia' na nomeação de assistentes na USP. E nos convocou pois percebeu que tínhamos o ímpeto de fazer as coisas, estávamos engajados na profissão." Pedro Paulo acredita que o contato com Artigas foi transformador para ambos. "Éramos pouco, para não dizer bastante, sem compromisso com história e com arquitetura internacional. Éramos franco-atiradores: muito dedicados a profissão mas sem a consciência que tinham os arquitetos da nossa geração saídos da FAU."

A dupla acompanhava o mestre nas aulas de projeto do 5º ano, que ocorria às terças e quintas pela manhã. Os alunos recordam a hierarquia entre mestre e discípulos e os temas eram provocativos, dos "domínios da natureza", como dizia Artigas, para portos e barragens, muitas vezes propostos por Mendes da Rocha. Invariavelmente, o trio almoçava no Roma, uma cantina nas redondezas.

O discurso social de Artigas, expoente do Partido Comunista, foi absorvido por ambos, sem que o mestre cobrasse os discípulos, que nunca tiveram filiação partidária. "Éramos braços auxiliares do PCB, simpatizantes."

Com a polarização dos anos de 1960, houve um racha no IAB paulista que antecipou o golpe de 1964, com a direita no poder, e dividiu os arquitetos locais. A eleição foi vencida por mackenzistas próximos a Pedro Paulo.

Em 1968, ele foi convidado para coordenar o curso na UnB e chegou ao Distrito Federal poucos dias antes do AI-5 –"foi uma recepção péssima, com a universidade ocupada", lembra. Simultaneamente, em São Paulo, Artigas foi cassado com Mendes da Rocha e Jon Maitrejean, que assumira temporariamente o lugar de Pedro Paulo.

Nos anos de 1970, ele voltou sozinho para a USP, num clima de caça às bruxas. Deixou a universidade, fez projetos grandes que repercutiam o Brasil Grande e assumiu a diretoria técnica da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização). Na ocasião, contratou projetos dos dois amigos cassados. "Estávamos preocupados com Artigas. Sugeri a contratação dele e um militar, que dava expediente na Emurb, autorizou, dizendo: 'Foi meu preso, mas é um patriota! Pode contratar."

Em 1985, Artigas morreu e Mendes da Rocha, de volta à USP, assumiu a liderança entre os jovens. Se equilibrando no delicado fio entre direita e esquerda, Pedro Paulo é uma espécie de síntese entre os polos que rivalizaram na arquitetura paulista: de um lado, mais do que discípulo, ele ajudou a moldar a Escola Paulista, identificada pela figura central de Artigas –e da USP; do outro, ele é o mais pragmático dos integrantes do movimento, denotando sua alma mackenzista.

Ao receber o Pritzker, há dez anos, Mendes da Rocha enfatizou que era uma espécie de representante da arquitetura paulista, dando a entender que havia mais gente que formou aquele caldo. Em relação a Pedro Paulo, enfatiza constantemente seu nome e por vezes procura iluminar o colega deslocando um pouco o foco que o ilumina. Mas as bruxas ainda estão soltas: após o nome de Pedro Paulo ser sugerido para um prêmio, ouvi um argumento de um crítico que calou os demais presentes, como se fosse um pecado original a fazer água em toda sua excepcional produção: "Ele trabalhou com Júlio Neves [amigo de Paulo Maluf, arquiteto responsável pelo projeto da Nova Faria Lima]".

Alheio ao debate arquitetônico presente nas colunas e vigas de concreto, o diretor da empresa de laticínios alugou o espaço do Capitânia e mudou-se na semana passada.

FERNANDO SERAPIÃO, 44, crítico de arquitetura, é editor da revista "Monolito" e autor de "A Arquitetura de Croce, Aflalo e Gasperini" (Paralaxe)


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