Folha de S. Paulo


O mar não está para camarão nem para poesia em Paraty

Numa madrugada de junho, sob um frio de 12 graus, Francisco Rosa Correia, o Frank, entrou em sua traineira, a Corisco do Mar, e partiu para um dia de pesca de camarão na baía de Paraty.

Frank precisava de sorte. O frio havia espantado os camarões, e os resultados dos últimos dias de pesca não tinham sido nada bons. Desde a abertura da temporada de camarão, em 1º de junho, os pescadores da região vêm penando para fechar as contas. "A cada ano piora a pesca", diz Frank, 60 anos de idade e mais de 40 como pescador profissional. Ele culpa a poluição das águas e o aumento da competição pesqueira, principalmente de barcos de fora, que chegam à baía de Paraty com equipamentos ultramodernos e imensas redes de arrasto. "É difícil para uma traineira que nem a minha competir com os barcos que eu vejo por aqui."

Para piorar a situação, Frank não havia recebido dois dos três meses de seguro-defeso devidos pela Prefeitura de Paraty. O defeso é um período de três meses (março a maio) em que a pesca fica proibida na região para garantir a reprodução do camarão.

Dez horas depois de partir, Frank havia pescado um total de três quilos de camarão cinza. No mercado de peixe, os pescadores vendem o quilo do camarão cinza entre R$ 22 e 25. "Tirando o gasto com diesel e gelo, não sobra quase nada", diz. Para complementar o orçamento, Frank faz passeios com turistas. "Agora vem a Flip, vamos torcer para que a cidade encha, porque, se depender da pesca, estou lascado."

ANA QUEM?

"Quem é Ana Cristina Cesar?". A frase foi ouvida algumas vezes pela telefonista da Pousada Villas de Paraty. Aparentemente, alguns turistas que têm procurado informações sobre a Flip não estão familiarizados com a obra da poeta, homenageada neste ano pelo festival, que começa na quarta (29). "Tenho dois clientes que vêm todo ano e cancelaram porque não estavam muito contentes com a programação", diz Murilo Monticeli, gerente geral da pousada.

A Secretaria de Turismo de Paraty ainda não tem números sobre o percentual de ocupação de hotéis para a Flip, mas uma rodada de ligações para pousadas demonstra que a expectativa não é das melhores. Quase todas ainda têm vagas. "A maioria dos hoteleiros diz que a crise financeira e politica do país pode ter ajudado, mas que os moldes e programação deste ano foram os pivôs dessa baixa ocupação turística", diz Monticeli.

PARATY-CUNHA

Cinco mil reais por dia. Essa é a multa que o Estado do Rio de Janeiro vem recebendo desde o início de maio por descumprir o acordo feito com o Parque Nacional da Serra da Bocaina para a abertura da estrada Paraty-Cunha, que corta o parque. A estrada está pronta e é de uma beleza exuberante, mas o governo não cumpriu uma parte fundamental do contrato, que previa a instalação de estruturas de controle de acesso, fiscalização de velocidade e o fechamento da estrada entre 17h30 e 7h30.

O fechamento noturno foi uma exigência do parque para evitar a caça e a exploração ilegal de palmito, além de diminuir muito o risco de atropelamento de animais.

"O fluxo de mamíferos e animais de médio porte ocorre principalmente no crepúsculo e à noite", diz Francisco Livino, chefe do parque.

Segundo Livino, o governo estadual prometeu a instalação emergencial de controles eletrônicos de acesso e velocidade, com câmeras e "pardais", mas isso não resolveria o problema. "Certamente as câmeras e as consequentes multas a quem entrar no parque à noite vão diminuir o fluxo de carros, mas isso não impede as motos sem placa que vêm à noite para caçar ou extrair palmito."

OUTRA FESTA

Uma mudança no calendário turístico permitirá que os turistas que vierem à Flip conheçam uma das mais interessantes –e certamente a mais saborosa– festas populares da cidade. O Festival do Camarão da Ilha do Araújo, que acontece todo ano no fim do defeso, no início de junho, foi transferido para o fim de semana de 2 e 3 de julho, coincidindo com a Flip.

Haverá shows à tarde, com grupos de samba e ciranda caiçara, e o tradicional forró na noite de sábado, além de inúmeras barracas vendendo pratos de camarão. A Ilha do Araújo é uma comunidade pesqueira em frente à Praia Grande, uma vila a 10 km de Paraty. Do cais da Praia Grande, traineiras fazem a travessia de 10 minutos para a Ilha do Araújo.

ANDRÉ BARCINSKI, 48, é jornalista, crítico da Folha e colunista da revista "sãopaulo".


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