Folha de S. Paulo


Leia o poema "O Cinturão", de Edward Lear, o pai do nonsense

SOBRE O TEXTO Este poema, que fala de um monstro que devora donzelas, foi escrito em 1874 durante uma temporada do autor inglês na Índia. Um dos pais do nonsense, Lear muda o sentido das palavras que utiliza. O título original, "Cummerbund", se refere à faixa usada pelos indianos na cintura, e "dobie", por exemplo, "lavadeiro", aqui aparece como almofada ou cadeira. Em nota introdutória a "Conversando com Varejeiras Azuis", que reúne outros poemas e textos em prosa de Lear e sai neste mês pela Iluminuras, a tradutora esclarece que manteve as palavras indianas para reproduzir o "estranhamento buscado por Lear".

Rodrigo Visca

I

Sentada na sua Dobie,

Via a estrela vespertina,

E todos os Punkahs que passavam

Gritavam: "Oh! Que linda menina!".

Ao redor de sua tenda as folhas se agitavam,

O grande Kamsamah crescia,

E Kitmutgar, qual cortina selvagem

Dos Tchokis azuis, descia.

II

Sob sua casa o rio passava,

Com somrosa e suave melodia,

E o Chuprassie dourado nadava,

Em incontáveis círculos se ia.

Em cima, nas árvores mais altas e distantes,

Pousavam verdes aias solitárias,

E o Mussak gemia como antes

Suas mais melancólicas árias.

III

E onde os Nullahs púrpuras lançavam

Seus ramos vastos e grandiosos,

E Goreewallahs prateados voavam,

Lado a lado, silenciosos,

Os pequenos Bheesties gritavam

Elevando-se no ar ardente,

E o Jampan raivoso bradava

No seu covil profundamente.

IV

Sentada na sua Dobie,

Ouvia o Nimmak ecoar,

Quando um grito soou longe:

"O Cinturão vai chegar!".

Em vão fugiu: com a boca aberta

O furioso Monstro a seguiu,

E assim (antes que a ajuda viesse)

Ele a bela dama engoliu.

V

Procuraram pelo menos um osso

Para o enterrar respeitosamente;

Disseram: "Mas que triste destino!".

(E o Eco respondeu: "Certamente".)

Pregaram sua Dobie na parede,

Onde sua última forma fora vista,

E sob ela algumas palavras escreveram,

Em amarelo, azul e vermelho:

"Cuidado, menina! Menina, cuidado!

Não se deve tarde da noite lá fora sentar,

Pois os Cinturões por aí têm andado,

E de uma vez só vão te destroçar."

EDWARD LEAR (1812-88), poeta e pintor inglês.

DIRCE WALTRICK DO AMARANTE, 47, é tradutora, professora de artes cênicas na UFSC e autora de "Para Ler Finnegans Wake de James Joyce" (Iluminuras).

RODRIGO VISCA, 35, é artista plástico.


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