Folha de S. Paulo


Venezuelanos malham por todos os lados em Caracas, capital da maromba

Passei muito tempo acreditando que nós, brasileiros, praticamos mais esporte que o resto do mundo. Em outros países me parecia não haver tanta gente empenhada em malhar, caminhar no parque ou jogar bola. Isso era até conhecer a Venezuela.

O país tem compulsão por exercício físico. Como se o esporte fosse um alento vital para oxigenar o inferno cotidiano feito de filas, racionamento e psicose.

É impressionante a quantidade de gente que lota os parques desde os primeiros raios de sol. Apesar da crise econômica, algumas academias vivem tão cheias que até o uso dos aparelhos é racionado –limite de 20 minutos por pessoa na esteira, por exemplo. Nos fins de semana, é comum ver famílias em trajes esportivos irem direto do esporte para o restaurante.

Caracas tem vários clubes onde ricos jogam golfe, squash e tênis. Em bairros carentes, reinam beisebol e basquete. A popularidade do futebol cresce em todos os meios.

O clima ameno, com temperaturas raramente acima de 30ºC e nunca abaixo de 20ºC, ajuda a criar um ambiente propício para a prática esportiva.

Tomas Bravo - 11.abr.2013/Reuters
Nicolás Maduro observa o argentino Diego Maradona jogando durante evento de campanha em 2013
Nicolás Maduro observa o argentino Diego Maradona jogando durante evento de campanha em 2013

EM GRUPO

Um dos meus raros lazeres em Caracas é quando consigo achar tempo para ir aos treinos do E10, um método que mescla preparação física de jogador de futebol profissional com elementos de crossfit, "insanity" e "boot camp". Funciona assim: times de até oito pessoas se revezam em séries quase ininterruptas de exercícios extremos de força e resistência, ao ar livre e com música de balada a todo volume.

É tão intenso e euforizante que quase todo mundo acaba gritando "uhú" e batendo nas mãos uns dos outros. Ao final de cada sessão, os instrutores jogam água de mangueira sobre os participantes. Muitas vezes, saímos dali para almoçar juntos.

O patrão e inventor do E10 é uma celebridade no "jet set" caraquenho. Cinquentão parrudo e bem humorado, ele jura que seu método já ressuscitou até casamento.

Caracas também está cheia de comunidades de ciclismo e, principalmente, de corrida. Muitos saem quando escurece. De minha janela, vejo grupos trotando em paz noite adentro.

São concorridíssimas, ainda, as aulas grátis de ioga às segundas-feiras ao entardecer na pracinha do bairro Los Palos Grandes.

'MAÑANEROS'

Venezuelanos se orgulham de serem "mañaneros" –gostam de acordar cedo. O sinal mais visível desta mania –além dos telefonemas que me tiram da cama– é o pico de frequentação do parque Francisco de Miranda, a leste de Caracas, cujo magnífico paisagismo é obra do brasileiro Burle Marx.

É incrível a quantidade de gente correndo, andando ou se alongando em meio à vegetação exuberante e ao som dos pássaros. O fluxo é tal que às vezes chega a congestionar alamedas do parque. Quase todo mundo usa boné, outra mania venezuelana.

O Francisco de Miranda também tem várias quadras de basquete e futsal. Já vi partidas disputadíssimas às oito da manhã.

A MONTANHA VERDE

O principal marco visual de Caracas é a verdejante cadeia montanhosa El Ávila, que costeia a frente norte da cidade e se estende de leste a oeste. O Ávila forma uma barreira natural entre a cidade e o mar do Caribe e é a grande responsável pelo microclima ameno que encanta moradores e visitantes.

O Ávila também é o epicentro do esporte ao ar livre na capital. Todo dia, a partir do amanhecer, acessos à montanha se enchem de pessoas que sobem por diferentes trilhas feito formiguinhas. Há rotas suaves que levam, após algumas horas de caminhada, a mirantes com vista espetacular sobre a cidade.

Quem está mais em forma pode alcançar o topo do Ávila através de trilhas que, em alguns trechos, se transformam em verdadeiras paredes. É preciso ter força nos braços para se agarrar nas rochas. Convém não olhar para trás.

No topo, a mais de 2.000 metros de altitude, há um parquinho ao qual famílias chegam de teleférico. É um dos únicos passeios onde ricos e pobres se cruzam. Quando as nuvens permitem, é possível enxergar o mar.

SAMY ADGHIRNI, 36, é correspondente da Folha em Caracas.


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