Folha de S. Paulo


Os sons do trânsito de São Paulo transformados em literatura

SOBRE O TEXTO "Traffic", o livro que originou "Trânsito", foi escrito pelo poeta norte-americano fundador da "escrita não criativa" a partir da transcrição de 24 horas de uma rádio de trânsito em Nova York, em um final de semana prolongado. Marília Garcia e Leonardo Gandolfi fizeram uma "versão compacta e dublada": "Trânsito" reproduz, de forma abreviada, o procedimento do original, a partir de escuta de três horas de uma rádio paulistana de informação viária, na sexta-feira antes do feriado de 12 de outubro de 2015. O livro sai em março pela Luna Parque . Ouça mais sobre o poeta e o livro abaixo.

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Daniel Bueno

16:05
O caminho da Marquês de São Vicente é pesado, principalmente no trecho da Lapa, da praça dr. Pedro Corazza até a região da Barra Funda, esse pedaço é ruim, depois melhora. Quem vai para a Castelo pela Tietê, você pensa, ah, pela Tietê o caminho é livre. Não, não é, não é livre. Tá difícil, tá pra lá de meia hora o caminho no sentido da Castelo também. Quem está usando a Pinheiros no sentido da Castelo também tem muita dificuldade. O motorista já vem desde antes da ponte do Morumbi com caminho extremamente difícil, quem puder evitar deve evitar. Começa quase na altura da Alexandre Dumas essa lentidão e vai vai vai vai até a altura da ponte Cidade Universitária, um pouquinho à frente tem até um acidente pela pista expressa. Quem tá pegando a Pinheiros no sentido da rodovia Castelo Branco, uma hora e dezesseis minutos de percurso. Buscando caminhos para você, eu sou Ronald Gimenez, vou contigo até seis da tarde aqui no estúdio com Alessandra Ferreira. Felipe Bueno está conosco. Tudo bem, Felipe? Olá, Ronald Gimenez, tudo bem, e com você? Beleza, você falou com uma voz meio de abertura de desenho animado. É? Só faltou falar: olá, amiguinhos. Olá, amiguinhos.

16:35
E a Bandeirantes, como é que está? Quarenta minutos para subir a Bandeirantes. Imigrantes, um calvário, é o Clayton quem diz. Valeu, Clayton, muito obrigado, meu querido. Quando for para Ibiúna, vou procurar balas de coco e trazer para toda equipe, ele diz. Aí, sim, temos um vencedor! Muito bem, parabéns. Meu nome é Reginaldo e sou viciado na bala 7Belo. Realmente é difícil parar, né, realmente. O Yakult não mudou de gosto. Na verdade, o Yakult mudou de preço. E muito. Tem o dia do Yakult ainda? Tem sim, eu lembro que minha mãe falava, e eu não sei se ela falava porque fazia mal mesmo ou porque era caro e não dava pra comprar toda hora. Ela falava: um só por dia. E é um só por dia mesmo. Eu também aprendi assim. Acho que é verdade, se não me engano acho que, no máximo, dois por dia, por causa dos lactobacilos vivos. Exato, é isso mesmo, teve até uma vez que falaram: tombou um caminhão de Yakult e havia mais de dois milhões de lactobacilos mortos no dia desse tombamento. E doce de banana no copinho? Adoro.

16:45
Esse pirocóptero eu não lembro, o pirulito pirocóptero. Sim, tinha uma hélicezinha no pauzinho do pirulito. Ah, tá. Já o sorvete de massa é o melhor, principalmente se for daquele de maquininha com os vidros coloridos e tal, mas todos têm o mesmo sabor. Senão, flocos resolve o problema, né? Flocos resolve porque flocos é um sorvete honestíssimo, ele combina com tudo: quer misturar cobertura de chocolate? Flocos. Misturar mel? Flocos. Leite Ninho? Flocos. Chocolate Nescau ou Toddy ou qualquer chocolate em pó? Joga flocos em cima, flocos serve. Impressionante, é um sorvete universal. Diga, Alessandra Ferreira, que eu vou ali fora pegar um sorvete de: flocos. Flocos é tipo a carne moída dos sorvetes, é versátil, funciona em tudo, né? Pode ser, pode ser. Bom, na Tamoios, direção do litoral, motorista encontra um trânsito bem carregado, bem complicado, mas já tem Operação Descida implantada também, faixa reversível no trecho de serra, na direção do litoral a partir do km 77. Nas demais estradas, tudo tranquilo para o motorista. Sobrou alguma? Sobrou. Duas ou três? Isso, duas ou três.

KENNETH GOLDSMITH, 54, artista e poeta americano, é professor na Universidade da Pensilvânia.

LEONARDO GANDOLFI, 34, poeta e professor de literatura portuguesa da Unifesp, autor, entre outros, de "Escala Richter" (7Letras).

MARÍLIA GARCIA, 36, poeta e tradutora, autora, entre outros, de "Um Teste de Resistores" (7Letras).

DANIEL BUENO, 41, é artista gráfico.


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