Folha de S. Paulo


Bob Lester e sua trajetória inventada

RESUMO Bob Lester passou décadas construindo para si um passado de sucesso acompanhando a estrela Carmen Miranda. Com a narrativa que não correspondia à realidade, enganou a mídia e conquistou a simpatia de pesquisadores e de gente influente. Além de criar um personagem e sua fama, inventou ainda seu declínio e sua miséria.

Elisa von Randow

No auge, Bob Lester sapateou em shows e filmes ao lado de Carmen Miranda. Fez parte do Bando da Lua, a trupe musical que acompanhou a estrela brasileira nos Estados Unidos. Foi amigo de Frank Sinatra e Doris Day. Aprendeu a dançar com Fred Astaire. Chegou ao topo do "showbiz" mundial entre os anos 1930 e 1940.

O ator e comediante Bob Hope, que despontava em Hollywood naqueles tempos, foi quem o batizou na vida artística. Sugeriu-lhe adotar o pseudônimo Bob Lester em substituição ao prosaico Edgard de Almeida Negrão de Lima, nome que constava em seu RG.

Na juventude, Edgard foi jogador de futebol. Nascido em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, defendeu as redes do Riograndense, um time da região. Disputou partidas decisivas contra equipes internacionais como o Peñarol, do Uruguai. Orgulhava-se de ter sido um paredão intransponível em duelo com Heleno de Freitas, o eterno craque do Botafogo.

Ao trocar a chuteira pelo sapato de dança com chapa de metal na sola, Edgard virou Bob, fez fortuna e amigos como o cantor Roberto Carlos e o playboy Jorginho Guinle. Por muito tempo, morou no Copacabana Palace, o icônico hotel fundado pela família deste último.

Essa rotina de "superstar" seria subitamente interrompida por um acidente de automóvel que matou mulher, filhas e a mãe de Bob Lester. Traumatizado, abandonou os palcos. Meses depois, ao esboçar um retorno, as portas se fecharam. Perdeu tudo. Chegou a morar nas ruas. Passou a se apresentar em calçadas e praças como o largo da Carioca, no centro do Rio.

Essa é a saga de Bob Lester, conforme ele mesmo repetiu incontáveis vezes ao longo da vida, até morrer no último dia 6 de novembro, aos 99 anos.

Por mais de quatro décadas, os altos e baixos dessa dramática trajetória foram relatados em jornais como "Correio da Manhã", "Última Hora", "Jornal do Brasil", "O Globo", "O Estado de S. Paulo" e a Folha, e em revistas como "O Cruzeiro", "Manchete", "Fatos e Fotos", "Contigo" e "Veja".

Só que, nos acervos das publicações citadas, não há uma reportagem, nem uma nota sequer, dedicada especificamente ao período de glória louvado por Bob Lester.

Não há, nem em texto, nem em foto, um único registro de show ou apresentação dele no Bando da Lua. Não há uma imagem que seja, mesmo de arquivo pessoal, ao lado da amiga Carmen Miranda.

Por uma simples razão: Bob Lester nunca fez parte do Bando da Lua, jamais se apresentou, mesmo que por uma noite, com o grupo e tampouco dançou ao lado da Pequena Notável. Seu grande feito foi ter criado uma história que repetiu à exaustão, até que ela adquirisse, por um caminho tortuoso, contornos de verdade.

HOLLYWOOD

Na biografia "Carmen", o jornalista e escritor Ruy Castro deu a dimensão exata do sucesso mundial alcançado pela artista. Ao lado dela, os integrantes do Bando da Lua participaram de um musical na Broadway, fizeram uma temporada de shows no hotel Waldorf Astoria, de Nova York, e foram escalados para filmes em Hollywood.

Em 1939, o grupo que seguiu com Carmen para os EUA tinha seis integrantes. Mas a primeira formação do Bando da Lua somava sete componentes: Aloysio de Oliveira (violão e voz), Helio Jordão Pereira (violão), Ivo Astolfi (banjo), Oswaldo Eboli, o Vadeco (pandeiro), e os irmãos Stenio Ozorio (cavaquinho), Affonso Ozorio (ritmista) e Armando Ozorio (violão).

Eram jovens de classe média, com idades entre 15 e 21 anos, vizinhos no bairro do Catete, zona sul carioca, quando tudo começou, em 1930. Nessa trajetória, por razões diversas e em momentos distintos, alguns optaram por sair.

Danilo Verpa-13.mar.2013/Folhapress
Bob Lester posa em frente a estação Julio Prestes, no centro de São Paulo
Bob Lester posa em frente a estação Julio Prestes, no centro de São Paulo

Armando Ozorio foi o primeiro a deixar a trupe. Temia ver o grupo perder a identidade ao se vincular a Carmen Miranda.

Em decorrência de baixas posteriores, passaram pelo Bando da Lua Garoto (Aníbal Augusto Sardinha), Nestor Amaral, Zezinho (José do Patrocínio de Oliveira), Vadico (Oswaldo Gugliano) e Laurindo de Almeida.

Aloysio de Oliveira –que foi namorado de Carmen– decidiu sair em 1942. A partir daí, o grupo, que ainda mantinha da formação original Affonso e Stenio Ozorio, adotou outro nome –até 1949, quando ressurgiu ao lado de Carmen Miranda, com a volta de Aloysio de Oliveira ao conjunto.

Essa última formação reuniu ainda Lulu (Aluísio Ferreira, violão), Harry Vasco de Almeida (ritmista), Russinho (José Ferreira Soares, pandeiro) e Walter Pinheiro (violão), que teve uma rápida passagem pelo grupo.

O Bando da Lua chegou ao fim definitivamente em 1955, após a morte de Carmen Miranda.

Já Bob Lester surgiu no início da década de 1970, quando foram publicadas na imprensa as primeiras notícias a seu respeito.

INFORTÚNIO

Em 28 de fevereiro de 1970, o jornal "Correio da Manhã", do Rio de Janeiro, apresentou uma reportagem com o título "Vou recomeçar". O texto narrava o infortúnio do amigo de Carmen Miranda que terminou fazendo shows nas areias de Ipanema.

"Só preciso de uma oportunidade", dizia Bob Lester.

A revista "O Cruzeiro" entrou no mesmo tom e publicou, no mês seguinte, a reportagem "Bob Lester, a difícil luta pela volta".

"A má sorte de Bob Lester" foi o título do texto publicado pela Folha em dezembro de 1973. O primeiro parágrafo mencionava "o Bob Lester do Bando da Lua, que ao lado de Carmen Miranda fez muito sucesso nos Estados Unidos".

Entre as dezenas de reportagens que se multiplicaram na imprensa desde então, algumas chegaram a mencionar as contradições e, por vezes, a questionar trechos inverossímeis nos depoimentos de Bob Lester, como as aulas de sapateado que teria tido com Fred Astaire. Mas, ressalvas à parte, a menção "ex-integrante do Bando da Lua" foi se perpetuando. E isso era tudo o que Bob Lester queria.

Passou a andar pela cidade sempre com uma pasta preta de plástico com recortes de jornais debaixo do braço. Ao contar sua história para estranhos, ele apresentava reportagens que validavam, ao menos na referência sobre o Bando da Lua, sua condição de ex-ídolo da música brasileira.

Em 20 de abril de 1978, o jornal "O Globo" publicou uma carta de Hélio Jordão Pereira, violonista da primeira formação do Bando da Lua. No trecho mais contundente, ele afirmava:

"Toquei violão neste conjunto e também fiz parte do coro vocal durante dez anos consecutivos, dos quais três nos Estados Unidos, onde participei de dois espetáculos musicais em Nova York, programas de rádio, discos e três filmes com Carmen Miranda. Durante todo este tempo (sete anos no Brasil e três nos Estados Unidos) nunca vi nem ouvi falar de Bob Lester, que se diz ex-integrante do Bando da Lua."

Elisa Von Randow

Hélio decidiu escrever a carta após ler a reportagem "Ex-integrante do Bando da Lua é hoje um mendigo", publicada no jornal carioca em 7 de março daquele ano.

"O que mais deixava meu pai incomodado era constatar que alguém tentava se apropriar do trabalho dele", diz à Folha Ronald Ribeiro Ozorio, filho de Stenio, cavaquinista do primeiro Bando da Lua, morto em 1993. Ele frisa o desagrado de seu pai mostrando à reportagem uma carta escrita por Stenio, com data de 10 de março de 1978, também em reação ao texto publicado em "O Globo".

Na missiva, Stenio afirmava que Bob Lester "deturpava verdades históricas no campo da música popular", além de "ferir sentimentos alheios". Na conclusão, o músico ressaltava que os componentes do Bando da Lua jamais deixariam um ex-companheiro viver como mendigo nas ruas do Rio.

"Sou o último componente vivo do Bando da Lua. E posso afirmar categoricamente que Bob Lester jamais fez parte do grupo, jamais trabalhou com Carmen Miranda", diz à Folha, por telefone, José Ferreira Soares, 89, o pandeirista Russinho, que fez parte da última formação do Bando da Lua.

Desde a década de 1950, ele mora no México, onde construiu um hotel após deixar a música. De sua casa de frente para o mar na cidade de Ensenada, no Estado de Baja California, ele recorda a descoberta relativamente tardia do parceiro de grupo que nunca teve.

"Soube pela primeira vez de Bob Lester quando ele se apresentou como ex-integrante do Bando da Lua no programa do Jô Soares", lembra o pandeirista.

Depois da entrevista ao "Programa do Jô", transmitida pela TV Globo em 2 de novembro de 2009, Russinho recebeu a ligação do ritmista Harry Vasco de Almeida, seu ex-colega de palco. "Harry também ficou muito irritado com tudo isso. Nós sabemos quem fomos e o que fizemos. Se fosse verdade, não iríamos esquecer um companheiro desta forma", diz Russinho.

No "Programa do Jô", Bob Lester mostrou as fotos do Bando da Lua que costumava carregar na pasta preta de plástico.

A primeira delas era um retrato dos sete componentes da primeira formação do conjunto, todos em fila e vestidos de branco.

Lester identificou-se como o segundo da fila. Era Stenio Ozorio.

Em outra imagem, indicou que ele seria o sujeito de paletó preto, ajoelhado em uma foto do Bando da Lua com Carmen Miranda. Tratava-se de Armando Ozorio.

Também não se intimidou quando Jô exibiu no telão uma cena do filme "Uma Noite no Rio" (1941), na qual Carmen, devidamente paramentada, dançava acompanhada por seus músicos.

"Eu sou o que está tocando afuchê perto da Carmen", disse Bob Lester ao apresentador. Falso novamente. O músico que empunhava o instrumento de origem africana era Affonso Ozorio.

"Nessa entrevista, ele chamou Vadeco de Badeco. Ivo Astolfi ele citou como se fossem duas pessoas diferentes, o Ivo e o Astolfi. Ele não sabia nem identificar os componentes do Bando da Lua", diz Ruy Castro à Folha.

Jô Soares percebeu o desconhecimento de seu entrevistado.

Chegou a fazer piada, quando Lester apontou em uma foto Nanai, músico que jamais fez parte do Bando da Lua: "Mas ele está alto, o Nanai. Nanai não era baixinho?"

Ruy Castro pesquisou mais de 5.000 documentos para escrever "Carmen", que saiu pela Companhia das Letras em 2005. Em nenhum deles encontrou nem indícios da participação de Bob Lester em evento associado à cantora.

"Ele dizia que sapateava no Bando da Lua. Só que esse era um grupo de músicos. Nenhum deles jamais sapateou em volta da Carmen", comenta Ruy Castro.

No dia 9 de novembro passado, poucos dias após a morte do integrante fictício do Bando da Lua, o jornalista resumiu, em sua coluna à página 2 da Folha, o que sabia sobre Lester. Ele havia dado anteriormente, em entrevistas, declarações pontuais sobre o tema.

"Nunca escrevi sobre Bob para não prejudicá-lo. Mas o fato de eu saber a verdade o assustava. Abordou-me no Museu Carmen Miranda: 'Seu Ruy, preciso comer, o que vou fazer?'", contava na coluna.

O pesquisador musical Ricardo Cravo Albin foi mais adiante na manutenção do mito em nome da sobrevivência do homem. Enquanto Bob Lester viveu, por diversas vezes, saiu em defesa dele. Em mais de uma entrevista, disse que ele teria participado do Bando da Lua em apresentações pontuais.

Falando à Folha, Cravo Albin faz a correção no que havia dito até então: "Ele nunca fez parte, em nenhum momento, do Bando da Lua. Sempre soube disso, mas, por comiseração, eu afirmava que ele tinha participado do grupo".

"Sei que um pesquisador não pode agir assim. Mas não me arrependo. Fiz isso para que ele pudesse sobreviver", acrescenta.

Foi na década de 1980 que Bob Lester conheceu Cravo Albin. Contou-lhe sua melancólica história e a partir daí começou a procurá-lo com regularidade. Ao fim de cada visita, o pesquisador sempre contribuía com algum trocado que tivesse na carteira.

"Ele vivia numa corda bamba entre a mentira e a verdade. Acredito que ele se convenceu de que aquela mentira era verdade e isso o alimentou nos últimos anos de vida", avalia Cravo Albin.

O pesquisador parece não ter dúvidas, porém, de que Bob Lester fosse um genuíno artista.

"Ele tinha uma presença cênica impressionante para alguém com cem anos", disse ele, que assistiu a apresentações de Lester no bar Cariocando, no Catete.

"No último show [em fevereiro de 2015], eu estava ao lado do Miele. Nós dois choramos. Foi muito comovente", recorda.

Na programação cultural dos jornais do Rio, Bob Lester raramente aparecia. A única temporada regular de shows registrada nos arquivos do "Jornal do Brasil" ocorreu entre abril e julho de 1973. Nesse período, ele foi uma das atrações contratadas pela churrascaria Rincão Gaúcho da Tijuca, na zona norte carioca.

JET SET

De sua imaginação brotou ainda a amizade com o playboy Jorginho Guinle, milionário que nos anos 1930 e 1940 circulava com desenvoltura pelo jet set internacional.

Em 2010, Bob Lester sugeriu posar para a foto de uma reportagem no terraço do Copacabana Palace, onde dizia ter morado "por anos" com o aval de Jorginho Guinle.

Na época, a direção do hotel não autorizou a produção do ensaio porque constatou que não havia registro algum de que ele tivesse morado por lá. Nem mesmo como hóspede, por uma noite que fosse.

Diversas vezes, no entanto, ele esteve no hotel. Chegava sempre no horário do almoço e procurava por Cláudia Fialho, então relações-públicas do Copa. Ela se comoveu quando ouviu o relato do dançarino pela primeira vez.

"Ele contava histórias do Bando da Lua e da Carmen Miranda. Com o tempo, percebi que ele fantasiava um pouco. Mesmo assim, era uma pessoa encantadora. Sempre que ia me visitar, eu o convidada para almoçar no refeitório dos funcionários", lembra Cláudia.

Curiosamente, Bob Lester jamais falou com a RP do Copa sobre a amizade com Jorginho Guinle.

"Ele era muito inteligente. Sabia que não havia condição de sustentar comigo essa história. Tanto que Jorginho estava sempre pelo hotel na época em que Bob ia me visitar, e ele jamais me pediu para falar com Jorginho", recorda ela, que sempre dava algum dinheiro para o dançarino ao fim de cada visita.

Em outro hotel da praia de Copacabana, o Rio Palace (atual Sofitel), Bob Lester armou uma vigília que durou dias, em 1980, à espera de Frank Sinatra. Chegou com a pasta de recortes de reportagens e começou a contar sua história aos jornalistas de plantão, escalados para acompanhar a rotina de Sinatra na semana que antecedeu o show no estádio do Maracanã.

Seu drama comoveu alguns repórteres a tal ponto que eles fizeram uma vaquinha para comprar um traje adequado para o músico que desejava reencontrar o amigo Sinatra. "Sabe, eu só queria uma chance", repetia Bob Lester.

Não chegou nem perto do astro americano. Mas, segundo reportagens de "O Estado de S. Paulo" e da revista "Veja" publicadas à época, ele foi reconhecido por Shepard Coleman, baixista de Sinatra. O músico se aproximou e deu um abraço apertado em Bob Lester. Depois saiu rápido, sem travar qualquer diálogo sobre o passado.

A reportagem do "Estado" descreveu a reação do brasileiro após o encontro: "Calças presas na cintura por um barbante, descalço, rasgado, sujo, Lester sentou-se numa mesa de botequim e chorou".

HERANÇA

Em um armário da Socinpro (Sociedade Brasileira de Administração e Proteção dos Direitos Intelectuais), no centro do Rio, está toda a herança de Bob Lester: um relógio, um par de óculos escuros, documentos em nome de Edgard de Almeida Negrão de Lima e a pasta de plástico preta com fotos e recortes de jornais.

Nos registros do passado, não há uma só foto da prole, da mulher ou da mãe, as vítimas do acidente fatal de automóvel.

Ele sempre apresentou versões contraditórias sobre sua tragédia pessoal. Em uma entrevista, dizia ter perdido duas filhas no acidente. Na seguinte, lamentava a morte de três filhas, além da mulher. Em outra, revelava que perdera duas filhas, a mulher e a mãe.

A história de Edgard, assim como a de Bob Lester, também é repleta de interrogações. A começar pela origem dele em Santa Maria.

"Ele não tinha o menor sotaque gaúcho. Cheguei a perguntar se ele nasceu mesmo no Rio Grande do Sul, mas ele se irritou. Disse que eu estava desconfiando dele", conta à Folha o músico carioca Luiz Henrique, 43, que conviveu com Bob Lester a partir de 2005.

A última versão da pasta preta era um compilado de recortes de revistas a respeito de personalidades como Frank Sinatra, Pixinguinha, Carmen Miranda e até mesmo Lady Di e o príncipe Charles. Cabe ressaltar que ele não aparecia em nenhuma das imagens citadas.

Havia ainda uma foto com a seguinte identificação, escrita a mão: "Minha casa em Realengo".

O imóvel em questão é uma residência modesta situada no subúrbio carioca, na zona oeste da cidade. Por lá, mora a família de Laurentina Ramos Martins.

"O Bob era irmão da minha avó", diz Alessandra Martins, 34, neta de Laurentina. "Mas aqui em casa todo mundo sempre chamou ele de Nilton. Ninguém sabe de onde saiu esse nome, Edgard."

Nilton é filho de Maria do Carmo Ferreira, que não morreu em acidente de carro, mas de causas naturais, em 1988, aos 91 anos.

Ele teve dois irmãos: Valdemar, já morto, e Laurentina. Com a saúde debilitada, ela ainda não soube que Nilton morreu.

A família sempre viveu na região de Realengo. À exceção de Nilton, que desapareceu por anos, durante período que coincide com o apogeu e a queda de Bob Lester.

"Ele dizia ter perdido mulher e duas filhas num acidente. Mas a gente nunca acreditou nessa história. Até porque ele nunca falava nada sobre elas", acrescenta Alessandra Martins.

Ela conta que gostava de conversar com Bob ou Nilton, os dois nomes que costumava usar. Descreve o tio-avô como um sujeito brincalhão, sempre de bom humor.

Diz que gostaria de buscar a pasta preta com as recordações de Bob Lester, mas explica que não tem como provar que é parente dele: "Todos os documentos estão em nome de Edgard. Não há nada em nome de Nilton".

Nos últimos anos, o contato entre eles passou a ser mais esporádico, porque Nilton preferia morar em pensões no centro do Rio e ficar mais próximo das praças e ruas onde se apresentava.

"Ele amava dançar. Quando estava aqui, sapateava no meio da sala. Nem tudo é mentira", pondera Alessandra.

Na sua percepção, Bob Lester assumiu um "tamanho muito grande" para si próprio. Pela convivência, ela disse ter uma noção um pouco mais precisa de quem ele foi realmente. "E, mesmo assim, era difícil saber o que era mentira ou verdade. A vida dele foi uma meia verdade."

FABIO BRISOLLA, 41, é jornalista da Folha no Rio.

ELISA VON RANDOW, 41, é ilustradora.


Endereço da página: