Folha de S. Paulo


No ritmo do LSD: Dois livros viajam pelo som da cultura psicodélica

RESUMO Dois autores, um britânico e outro americano, publicam livros sobre a história das bandas de rock que foram influenciadas e cultivaram a cultura lisérgica. Rob Chapman, inglês e biógrafo de Syd Barrett, desenha um painel mais amplo, enquanto Ben Graham destaca a psicodelia que se desenvolveu no Texas.

Editoria de Arte/Folhapress

Em 1943, o químico suíço Albert Hofmann (1906-2008) retomou as pesquisas que iniciara cinco anos antes ao sintetizar o ácido lisérgico a partir de um fungo encontrado no centeio. Trabalhando para a farmacêutica Sandoz, ele buscava uma substância que impedisse o sangramento após o parto.

Aí entra em cena o acaso. Em sua 25ª tentativa, Hofmann adicionou a dietilamina, sintetizando a Dietilamida do Ácido Lisérgico, mais conhecida como LSD-25, e se contaminou, descobrindo acidentalmente as propriedades psicodélicas do que viria a chamar de seu "filho problemático", no livro escrito em 1979 sobre as suas primeiras experiências lisérgicas.

Quatro anos depois de sua descoberta, a Sandoz lança no mercado o LSD-25 como Delysid. Até ser proibido em 1966, o fármaco foi objeto de numerosos estudos clínicos, principalmente no campo da psicoterapia, para o tratamento de alcoolismo e disfunções sexuais, mas também como arma química. A CIA, por exemplo, pesquisava seu uso para o controle da mente no auge da Guerra Fria.

A realidade é que, conforme a comunidade de primeiros exploradores das viagens lisérgicas crescia, o Delysid ganhava concorrentes no mercado negro, sendo distribuído em papel, cubos de açúcar e misturado com o suco Kool-Aid para uma geração que buscava romper as amarras da tradição por meio da iluminação, da integração com a natureza e da liberdade criativa.

Essa viagem química não era só de bênção e de contato profundo com a natureza física e metafísica. O ácido tinha o poder de desencadear doenças mentais e as famosas "bad trips", com suas visões aterrorizantes. Justamente por estar no fio de navalha entre o céu e o inferno, a experiência lisérgica é fundamental para a criação de uma subcultura que usa a abertura das portas da percepção para transformar radicalmente a arte, o cinema, a literatura e, sobretudo, a música nos anos 1960.

É interessante que agora, no momento em que as pesquisas com LSD voltam a ser liberadas na Inglaterra e nos EUA depois de quase 40 anos de obscurantismo patrocinado pela guerra às drogas, dois livros recém-lançados recontem a história do uso do LSD como catalisador criativo para toda uma geração de músicos de perspectivas diferentes e complementares.

O primeiro é "Psychedelia and Other Colours" [Faber & Faber, 656 págs., R$ 100, R$ 45 em e-book, na Amazon.com.br], de Rob Chapman, e o segundo, "A Gathering of Promises: The Battle for Texas's Psychedelic Music, From the 13th Floor Elevators to the Black Angels and Beyond" [Zero Books, 390 págs., R$ 53,42 em e-book na Amazon.com.br], de Ben Graham.

PAINEL

Chapman, biógrafo inglês do líder do Pink Floyd Syd Barrett, um dos principais símbolos da criatividade lisérgica e da tragédia que pode estar associada a ela, traz um painel mais amplo da psicodelia nos Estados Unidos e no Reino Unido. Conta de forma didática toda a história do LSD, de seus principais advogados (Aldous Huxley, Ken Kesey, Alan Watts e Thimothy Leary) para então mergulhar na música.

Partindo de uma pesquisa gigantesca, o catatau de Chapman descarta uma série de bandas menores para contar com mais detalhes a história dos principais protagonistas. Vai das bandas que nasceram embebidas em ácido nas festas The Electric Kool-Aid Acid Test, em San Francisco, como Jefferson Airplane, Country Joe and the Fish e Grateful Dead, às que se converteram à nova moda, como The Byrds, The Mamas and the Papas e Beach Boys, além de artistas e grupos que surgem a partir da sedimentação da cultura lisérgica, como Doors, Love, Jimi Hendrix e Funkadelic.

Fundamental na narrativa é o papel dos Beatles em canalizar a revolução na Inglaterra. "Revolver" e depois "Sgt. Pepper's" são discos que amplificam e disseminam a cultura psicodélica e abrem espaço para uma série de novas bandas, como Pink Floyd e The Soft Machine, e para a reciclagem criativa de grupos já estabelecidos, de gigantes como The Who, Small Faces e Rolling Stones, às mais marginais, como The Zombies, The Troggs e The Pretty Things.

Do ponto de vista crítico, Chapman mostra as principais diferenças da música produzida nos EUA e no Reino Unido. O arco evolutivo das bandas americanas do período vai do folk ao rock psicodélico –e daí para o country rock. Já no Reino Unido, os grupos partem do R&B para o pop psicodélico e a seguir decolam para o progressivo.

Mesmo sendo tão ambicioso, o livro de Chapman passa muito lateralmente pela história que é contada por Graham em sua batalha texana. O inglês dedica mais tempo à banda de San Francisco Big Brother and the Holding Company do que a sua líder, a texana Janis Joplin –e os 13th Floor Elevators, centrais para o livro de Graham, mal são citados por Chapman.

A tese de Graham é mais charmosa. Ao centrar-se na mutação psicodélica que nasce no Texas e em especial na figura quase xamânica dos 13th Floor Elevators e seus parceiros no crime (The Red Caryola, Lost and Found, The Golden Dawn), o autor traz um retrato quase atemporal da contracultura de fronteira.

Para Graham, a principal diferença é que a psicodelia do Texas se desenvolve a partir de uma cultura verdadeiramente gnóstica, que nasce do contato pessoal com o ácido e com o peiote em vez de ser filtrada pela mídia e pela moda, como em San Francisco.

Ninguém incorpora melhor esse espírito do que os 13th Floors Elevators e a figura mítica do vocalista Roky Erickson, um visionário que buscava trazer para a arte o que descobria em suas viagens por outros planos de consciência. Como aconteceu com Syd Barrett, arrebanhou uma série de espíritos afins até que as viagens causaram danos permanentes e o impediram de seguir com a banda.

Essa primeira onda psicodélica terminou soterrada pelo rock bubblegum, mas até hoje há toda uma linhagem texana de música psicodélica que exige respeito e vai de bandas que nascem no pós-punk, como Butthole Surfers e Charalambides, até os contemporâneos...And You Will Know Us By The Trail of Dead e The Mars Volta.

Ao reconhecer esse contínuo psicodélico, mesmo sem se aprofundar nele, é que o livro de Graham suplanta o de Chapman.

Enquanto o inglês se contenta em limitar sua bíblia ao período que vai da metade dos anos 60 ao início dos anos 70 e dá por encerrada a missão de entender a psicodelia, Graham sabe que só escreveu o primeiro capítulo da história. E que, uma vez abertas as portas da percepção, a cultura irá sempre recorrer com mais ou menos força aos paraísos artificiais.

Isso aconteceu no pós-punk, na acid-house e em toda a cultura das raves. E volta hoje, tanto por meio das bandas que seguem a onda do retrô quanto das que tentam encontrar formas mais heterodoxas para expressar as manifestações de suas mentes.

GUILHERME WERNECK, 43, é jornalista, garimpeiro de música e sócio da agência de comunicação Latitude Zero.


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