Folha de S. Paulo


ponto crítico

Duas mostras celebram os 50 anos da paradigmática "Opinião 65"

Paralelamente à construção de Brasília, os ventos do moderno –progressistas, mas, por outro lado, excludentes, já que nem todos tiveram acesso às suas benesses, visto os próprios candangos– incentivaram o surgimento de novas propostas estéticas para as artes brasileiras, que se refletiram em vários campos: arquitetura, design, cinema novo, poesia concreta, neoconcretismo, bossa nova, Teatro Oficina etc. Esse ambiente sofreu um duro revés com a ditadura imposta a partir de 1964.

No Rio, acontecem duas mostras em comemoração aos 50 anos da paradigmática exposição "Opinião 65", ocorrida logo após o golpe militar. No Museu de Arte Moderna (até 28/2), com curadoria de Luiz Camillo Osorio, concentram-se obras dos participantes brasileiros. E na Pinakotheke, com organização de Max Perlingeiro (até 28/11), são exibidos trabalhos tanto dos artistas nacionais quanto dos estrangeiros convidados para aquela exposição histórica. A maior parte das obras não foi exibida em 1965, mas o conjunto ajuda a construir o contexto da época.

Organizada por Ceres Franco e Jean Boghici, a mostra original, realizada no MAM-Rio, reuniu jovens artistas europeus e brasileiros influenciados, segundo o texto do catálogo, pela arte pop, nova figuração e pelo novo realismo –e que tinham em comum, além das linguagens, "um papel novo na sociedade", rejeitando o "tributo de uma tradição plástica caduca". A jovem pintura, diziam os organizadores, pretendia "ser independente, polêmica, inventiva, denunciadora, crítica, social, moral."

A exposição apresentava trabalhos de, entre outros artistas, Adriano de Aquino, Alain Jacquet, Antonio Berni, Antonio Dias, Carlos Vergara, Hélio Oiticica, Manuel Calvo, Rubens Gerchman e Wesley Duke Lee.

Nas obras de Dias percebemos arquétipos ligados ao corpo, sexo, violência e morte. A impossibilidade da fala e de se manifestar livremente o levam a dilacerar o corpo: um sujeito recortado, falos e cortes, manchas de sangue, o fim.

Reprodução
"Nota sobre a Morte Imprevista" (1965), de Antonio Dias

Os artistas usam a metáfora e a alegoria como formas de discurso frente ao autoritarismo, que se tornaria ainda mais ferrenho três anos depois. Era o tempo dos "alienados" versus os "engajados".

Nas obras de Vergara e Roberto Magalhães, percebemos a figura da autoridade e do poder instituído contra pela força. São recorrentes nos trabalhos desses artistas as imagens de generais, soldados ou, no caso de uma obra em especial de Magalhães, intitulada "Autorretrato Falando" (1965), o desenho de um homem, em traços econômicos, com a boca cerrada. É o grito emudecido diante do absurdo da intransigência. Chama também a atenção a produção tachista, com influências de Tàpies e Dubuffet, de Vilma Pasqualini, artista pouco comentada na historiografia.

"Opinião 65" foi conhecida também por um episódio sintomático da transição do moderno ao contemporâneo nas artes visuais brasileiras. Oiticica, com passistas e ritmistas da Mangueira, vestidos com os parangolés, tentaram entrar no MAM, mas foram proibidos, pois "o barulho era intenso", segundo relataram jornais da época.

Como refletir e exibir arte pós-moderna (conceito usado por Mário Pedrosa no mesmo ano) se o lugar em que ela deveria ser apresentada abre suas portas, mas, ao mesmo tempo, a exclui?

As exposições comemorativas também apresentam farta documentação da época e, no MAM, um conjunto de cartazes de filmes não nos deixa esquecer aquele rico momento de criação cultural no Brasil –um momento em que dilemas sociais, culturais e políticos muitas vezes se confundiram com o próprio mérito artístico das obras.

FELIPE SCOVINO, 37, é professor da Escola de Belas Artes da UFRJ e crítico de arte.


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