Folha de S. Paulo


Feito na Alemanha

Diário de Berlim

Agora envolvida no "escândalo do diesel", a Volkswagen não era apenas o maior fabricante de automóveis da Europa, com 600 mil empregados e uma receita de quase 200 bilhões de euros. Ela era um mito, que cunhou a história da Alemanha no pós-Guerra.

Símbolos de mobilidade e de estilos de vida, alguns de seus modelos marcaram gerações dentro e fora do país e serviram de inspiração a artistas. Em "Se o meu Fusca Falasse" (1968), o diretor Robert Stevenson deu vida a um Fusca chamado Herbie. Na mais famosa cena de "No Decurso do Tempo" (1976), Wim Wenders fez um Fusca disparar para dentro do rio Elba.

A Kombi também tornou-se um cult: marcou a paisagem de Woodstock em 1969 –como mostra o documentário "The Bus" (2012), de Damon Ristau– e é uma das protagonistas de "Pequena Miss Sunshine" (2006), de Jonathan Dayton e Valerie Faris.

Já o Golf, o modelo mais vendido até hoje, não tem tanto carisma, mas virou título de um best-seller do alemão Florian Illies. Ele chamou de "geração Golf" aquela dos anos 1980 na Alemanha, bem mais acomodada do que a anterior.

A VW ("fauvê" é a pronúncia da sigla em alemão) foi símbolo do milagre econômico que o país viveu a partir de 1950. Suas origens, no entanto, remontam à época da ditadura nazista.

Em 1935, Ferdinand Porsche apresentou a Hitler o protótipo do V1 (Versuchswagen ou "carro experimental"), que produzira na garagem de sua casa –o ditador buscava um carro popular para encher as rodovias que vinha construindo. Mas a guerra deu outros rumos à fábrica que começava a ser erguida em Fallersleben, hoje Wolfsburg. Apenas algumas centenas de exemplares do V1 foram produzidas e usadas pela Wehrmacht, Forças Armadas nazistas, durante o conflito.

O veículo caiu nas graças do alemão só anos depois, tornando-se finalmente o Volkswagen, o "carro do povo". Apertada, mas acessível, aquela máquina corcunda ganhou aqui o apelido de "Käfer" (besouro) e conquistou o mundo, ultrapassando a marca dos 20 milhões.

Ao falsificar dados sobre emissões de poluentes, a própria Volkswagen conseguiu derrubar o "mito VW". A questão é se derrubará junto a marca "made in Germany".

DELÍRIO TOTAL

Soldados dopados combatendo no fronte, a elite nazista servindo-se de estimulantes e um Führer chapado. Adolf Hitler, um viciado?

Em parte, responde o jornalista berlinense Noman Ohler em "Der Totale Rausch" (o delírio total), uma pesquisa inédita sobre o consumo de drogas durante a Alemanha nazista. O título ironiza a expressão "guerra total", cunhada por Joseph Goebbels em 1943.

A carreira de drogas de Hitler começou em meados dos anos 1930, com injeções de vitamina. Ao longo do conflito, ele passou a consumir substâncias hormonais, que seu médico particular, Theodor Morell, preparava a partir de órgãos de animais de abate. Mas foi nos últimos meses da guerra que Morell frequentemente ministrou ao "paciente A", como chamava o ditador, o opioide oxicodona, com efeitos semelhantes aos da heroína.

Esgotado nas livrarias, o livro também mostra quão abrangente era o consumo de drogas no front. Já na invasão da Polônia, em setembro de 1939, as tropas alemãs foram abastecidas com metanfetamina, o "crystal meth".

REFUGIADOS

O drama dos refugiados é o tema de um outro best-seller, "Gehen, Ging, Gegangen" (ir, ia, foi), de Jenny Erpenbeck. Ali os personagens são os africanos que acamparam por um ano e meio na Oranienplatz, centro de Berlim, protestando contra a política de asilo da Alemanha e as precárias condições em que viviam.

Na obra –finalista do Prêmio Literário Alemão–, um professor universitário viúvo e recém-aposentado envolve-se com os refugiados, suas histórias individuais e o emaranhado burocrático para legalizar sua situação.

COMEBACK

Doze anos depois de estrear "Adeus, Lênin", o cineasta Wolfgang Becker comemorou, no mês passado, o seu retorno. O filme "Ich und Kaminski" (eu e Kaminski), adaptação do livro homônimo de Daniel Kehlmann, é uma sátira ao meio artístico.

Sebastian Zöllner (interpretado por Daniel Brühl, também estrela do filme anterior de Becker), um crítico de artes frustrado, mas ambicioso, quer escrever uma biografia sensacionalista do pintor Manuel Kaminski (Jesper Christensen), que vive retirado nos Alpes.

Nesta trama cômica e ao mesmo tempo melancólica, o crítico tenta desvendar o mistério da cegueira que teria contribuído para a fama do artista.

SILVIA BITTENCOURT, 50, é jornalista, autora de "A Cozinha Venenosa" (Três Estrelas)


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