Folha de S. Paulo


Mídia e governo insuflam terrorismo no Reino Unido

Primeira pergunta: o que querem os terroristas? Resposta: querem imensa publicidade para todos os seus ultrajes, seguida por histeria, medo e repressão gerados por políticos e outros atores. A resposta britânica ao massacre na Tunísia, de parte de David Cameron, seu governo e da mídia, atendeu a esse desejo. A segunda questão é se atender a esse desejo ainda valeria a pena a fim de garantir uma futura vitória sobre o terrorismo.

Há pouca coisa que uma sociedade aberta possa fazer contra alguém que mata aleatoriamente. Podemos armar pesadamente a polícia. As pessoas importantes podem se deslocar em carros blindados. Podemos instalar muralhas de concreto em torno dos edifícios oficiais. Os viajantes em trens podem ser instruídos, a cada estação, a "reportar à polícia qualquer coisa de suspeito". O Reino Unido pode ser reduzido a uma paranoia insana, e ainda assim o atirador e o detonador de bombas continuarão a atingir seus alvos.

No entanto, sentimo-nos obrigados, como que por um instinto primordial, a "fazer alguma coisa" em resposta a qualquer atentado - em lugar de apenas demonstrarmos dignidade em nosso pesar pelos mortos. Primeiro-ministro, secretário do Interior, redator de manchetes e apresentador de TV - todos eles vasculham de alto a baixo o léxico da abominação. O terrorista não é ruim, mas "malévolo... vil... peçonhento... monstruoso... desumano". Cameron, mestre do clichê hiperbólico, exige uma "resposta de amplo espectro" a uma "luta geracional" contra uma "ameaça à nossa existência". Ele está simplesmente imitando Tony Blair. Será que não consegue ouvir a alegria que sua reação desperta nos apologistas do terrorismo?

Com isso, onde estão as soluções a que essa histeria deveria conduzir? Dizem-nos, repetidamente, que devemos enfrentar o terrorismo em sua fonte, a fim de "livrar o pântano dos crocodilos". As escolas são instruídas uma vez mais a "rebater o extremismo". A polícia de Londres uma vez mais promete "uma unidade em estilo SAS" para enfrentar situações semelhantes às da Tunísia. No 10º aniversário dos ataques ao metrô de Londres, em 7 de julho, eles prometem, de novo, que estarão "prontos para um ataque". Mas todos sabemos que nada é capaz de deter um atirador que resolva atacar em Londres; por que, então, colocar essa ideia em circulação?

Existe um perigo claro em exagerar retoricamente eventos que deveriam, sensatamente, ser vistos pelo que são: crimes aleatórios e individualizados. Fazê-lo confere glamour ao crime e o torna ainda mais atraente para qualquer desajustado e psicopata incipiente alienado por sua família ou comunidade local. Defini-los com a terminologia da segurança nacional só aumenta seu atrativo. É uma resposta que só fomenta a psicose que pretendia suprimir.

Quando a política do medo é usada de maneira gritante a fim de reforçar o arsenal do Estado - como fizeram governos de ambos os partidos -, isso enfraquece ainda mais a supremacia dos valores democráticos. Foi essa psicologia estatista que levou Blair à guerra contra o mundo islâmico, e ela é uma das causas primordiais do recrudescimento do terrorismo que agora enfrentamos.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


Endereço da página: