Folha de S. Paulo


Selfies, sexo e autoimagem: a revolução nos livros para garotas

A ideia para seu primeiro livro ocorreu a Louise O'Neill em um café em Nova York, em uma fria manhã de janeiro de 2011. Louise O'Neill tinha 26 anos e estava trabalhando na revista "Elle", em Manhattan, e pouco tempo antes tinha voltado a sofrer da anorexia que havia começado a afligi-la quando tinha 14 anos.

"Eu estava muito, muito magra, àquela altura", ela diz. "O clima estava péssimo, e eu estava sentada em uma Starbucks lendo uma revista horrível, 'In Style' ou uma dessas. A revista mostrava todas aquelas fotos de celebridades em férias de inverno em St Barts, todas elas de biquíni, e círculos vermelhos nas fotos mostravam gordurinhas e celulites; e olhei para a mesa ao lado e uma menina estava comendo um muffin".

"Fiquei sentada lá, tomando meu chá verde, observando fascinada porque ela comia de um jeito tão casual. Eu não conseguia entender –comer um doce não causava crise existencial para ela? Foi naquele momento que tive uma visão de uma menina adolescente, parada de biquíni diante de uma sala de aula repleta de garotas, enquanto uma freira desenhava círculos em seu corpo e as demais alunas socavam suas carteiras e gritavam 'gorda, gorda, gorda!' Foi muito vívido, e por isso tirei meu caderninho da bolsa e comecei a escrever. Em 90 minutos, tinha enchido o caderno".

O resultado daquele momento de inspiração, "Only Ever Yours", um exame sombrio dos conceitos de beleza feminina passado em um futuro no qual garotas são fabricadas, e não nascidas, se tornou um dos romances para "young adults" [jovens adultos] mais elogiados pela crítica nos últimos anos, e atraiu comparações com "O Conto da Aia", de Margaret Atwood, e elogios de todo mundo, de Jeanette Winterson a Marian Keyes.

O romance esteve no short list do prêmio de literatura infantil Waterstone e do Prêmio Irlandês de Literatura Infantil, este ano, e conquistou o prêmio de literatura Young Adult em sua primeira edição; O'Neill foi escolhida como revelação do ano nos Irish Book Awards. Nos Estados Unidos, o livro teve sua primeira tiragem esgotada antes de chegar às lojas, e uma reimpressão foi encomendada antes do lançamento, em maio. Pouco admira que a Quercus, a editora de O'Neill, convencida do potencial do romance, tenha decidido lançar uma edição adulta em 2 de julho, honra antes concedida apenas a autoras de best-sellers como J. K. Rowling e Suzanne Collins, autora de "Jogos Vorazes".

"Estou tentando não me deixar arrastar por tudo isso", diz O'Neill. "Fico realmente grata por as pessoas compreenderem o livro e a mensagem que tento passar, porque acredito apaixonadamente que temos de conversar sobre a maneira pela qual vemos os corpos das mulheres. Passamos nossas vidas contemplando a imagem de modelos da Victoria's Secret com 1,83 metro de altura e nossa autoestima e autoimagem começam a sofrer".

"Eu diria que, entre as mulheres que conheço, apenas três ou quatro não se deixam afetar de alguma maneira pela ideia de que deveriam ter uma determinada aparência. Muitas mulheres fazem uma correlação entre seu valor moral e seu peso, e eu queria realmente tratar disso. Não pretendia escrever um romance para jovens adultos quando escrevi 'Only Ever Yours', mas de alguma forma estava escrevendo para mim mesma quanto eu tinha 16 anos".

A disposição de encarar temas sombrios e difíceis –o segundo romance de O'Neill, o brilhante e chocante "Asking for It", que sai em 3 de setembro, se passa na Irlanda atual (O'Neill é da pequena cidade de Clonakilty, no condado de Cork), e trata de um estupro em uma festa– colocou O'Neill na primeira fileira da revolução editorial no mercado de livros para jovens adultos. Pois não só os livros para jovens adultos estão entre os mais populares gêneros literários (lidos por adolescentes e adultos de ambos os sexos) como eles cada vez mais tratam de questões importantes, com humor, honestidade e uma precisão férrea que muitas vezes faltam a outros romances supostamente mais sérios.

Assim, "Simon vs the Homo Sapiens Agenda", de Becky Albertalli, é um relato sutil e comovente sobre os primeiros passos de um jovem adolescente gay para sair do armário; "The Art of Being Normal", de Lisa Williamson, conta a comovente história de um jovem adolescente transgênero; "The Star Side of Bird Hill", de Naomi Jackson, trata de ideias de raça e identidade quando duas irmãs se mudam do Brooklyn para Barbados; e "Real Friends", série de Keris Stainton, retrata amizades entre meninas adolescentes que parecem modernas e completamente verdadeiras.

"Existe uma clara diferença na maneira pela qual a literatura para jovens adultos está retratando mulheres", diz O'Neill. "São relatos que giram em torno de aspirações, apresentando um reflexo daquilo a que uma menina adolescente pode aspirar, dizendo que eis uma relação saudável e positiva, é assim que funciona, essa é a maneira saudável e positiva de ser uma garota".

Não que o gênero evite histórias sombrias. "Não, meu Deus, claro que não", diz O'Neill. "Decidi escrever 'Asking for It' porque queria falar sobre a ideia de que estupro não é só ser arrastada para um beco por um desconhecido, e que há muitos níveis. Todas as minhas amigas têm histórias sobre agressão sexual, sobre experiências sexuais que não deram certo. Dizem que coisas assim aconteceram a elas quando tinham 17 anos e o terrível é que isso não me surpreende. Não me surpreende que tenham sido sexualmente agredidas, ou estupradas, que suas bebidas tenham sido adulteradas ou que elas estivessem embriagadas demais para consentir. Precisamos falar sobre a ideia de que sexo não é algo que homens forçam mulheres a fazer. Dizemos às meninas que elas precisam tomar cuidado para não serem estupradas, quando na verdade deveríamos estar dizendo aos meninos que não estuprem".

Os livros dela também tratam com a mesma franqueza a vida na era da mídia social. "A mídia social é uma espada de dois gumes", diz O'Neill, usuária entusiástica do Twitter. "Há elementos muito poderosos nela, especialmente a maneira pela qual facilita a conexão e a criação de comunidades. Mesmo os selfies podem ser positivos –acho que há algo de corajoso e admirável em adolescentes postarem fotos delas mesmas dizendo que 'sou assim e sou bonita', mas também é verdade que a mídia social pode exacerbar o sentimento de que uma pessoa não é boa o bastante. Há tanta competitividade venenosa, quando você é uma menina adolescente, tanto questionamento sobre beleza, sobre se suas coxas são grossas o bastante, sobre os garotos gostarem ou não de você. A mídia social reforça essa pressão, e a sociedade diz às jovens que elas precisam ser bonitas e agir de um jeito sexy, mas que não podem se comportar como seres sexuais".

Comentários como esses ajudam a explicar por que os livros de O'Neill são tão lidos pelas mães ansiosas de garotas adolescentes quanto pelas meninas. "A chave é ser honesta", ela diz, quando peço seu conselho aos pais de adolescentes. "Espero que as mães que leiam meus livros compreendam as pressões que as filhas sofrem e por que agem como agem. É preciso tentar encorajar a comunicação honesta, ser aberta e interessada, tentar compreender".

E o que ela diria aos adolescentes, de ambos os sexos, que devoraram "Only Ever Yours"? O'Neill ri. "O mais importante é se incomodar menos com o que outras pessoas pensam sobre você e se concentrar mais em você, seus valores e sistemas éticos, e viver de acordo com eles", ela diz.

"Parece que estou repetindo o chavão de que você precisa ser fiel aos seus princípios, mas essa é a única maneira de viver. Quando escrevi 'Only Ever Yours', eu estava cansada de sentir vergonha por causa do meu corpo, cansada de lutar contra o fato de que as mulheres de muitas maneiras são vistas como inferiores. Queria expressar a maneira pela qual elas se sentiam. Por anos nos disseram que nossas histórias eram menos importantes, que as preocupações que Marian Keyes expressa importam menos que as de Nick Hornby. Eu queria dizer às meninas adolescentes que suas histórias não são triviais. Suas vozes merecem ser ouvidas. Eu queria dizer que elas devem se pronunciar, não devem se silenciar".

Cinco dos melhores romances na categoria jovens adultos

"Shadowshaper", de Daniel José Older
O aclamado autor de fantasia Older faz sua estreia no gênero jovens adultos com uma maravilhosa história sobre Sierra Santiago, uma adolescente do Brooklyn cujo verão é interrompido por magia e fantasmas.

"Am I Normal Yet", de Holly Bourne
Uma observação envolvente do feminismo, amizade e os segredos que ocultamos até daqueles que nos conhecem melhor.

"More Happy than Not", de Adam Silvera
Uma história devastadora sobre raça e sexualidade, que se passa no Bronx, em Nova York, no futuro próximo.

"For Holly", de Tanya Byrne
O mais recente trabalho de uma das estrelas em ascensão no gênero, o romance é um drama familiar repleto de suspense, com uma adolescente gloriosamente raivosa no papel central.

"Suicide Notes from Beautiful Girls", de Lynn Weingarten
Depois que sua melhor amiga se mata, June tenta descobrir a verdade nesse thriller sombrio descrito como mistura entre "Garota Exemplar" e "Os Treze Porquês".

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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