Folha de S. Paulo


Diário de Nova York - Embates imobiliários

Falar de imóveis fascina os nova-iorquinos. E este ano, por ser jubileu da Comissão para a Preservação de Monumentos de Nova York, as histórias se multiplicam. Não só pela cultura preservacionista que define a cidade, mas pela sua própria geografia.

Em Manhattan, por exemplo, a população não cresce há décadas, mantendo-se em torno de 1,5 milhão desde os anos 70.

Para piorar, ou refrescar, 27,7% dos imóveis em Manhattan são considerados históricos, segundo estudo de 2013 do REBNY (Real State Board of New York), o que os torna praticamente intocáveis para os empresários da construção, que têm priorizado investir em imóveis para a elite. Esses 11.837 edifícios tombados tornam a ilha mais cobiçada, mas também acentuam o paradoxo da falta de oferta imobiliária e o custo de vida alto.

Brendan McDermid - 23.jun.2015/Reuters
O Stonewall Inn em Greenwich Village em Nova York
O Stonewall Inn em Greenwich Village em Nova York

Em paralelo a essas questões, a comissão, que surgiu em 1965 à sombra da demolição da estação Penn, ao oeste da ilha, construída nos moldes da parisiense Orsay, tornou-se um órgão ativo para a conservação da história da cidade. Opera não só a favor da arquitetura mas protege também o social e o político, como é o caso do bar Stonewall Inn, tombado nesta terça (23) por ser considerado o marco inicial da luta contra a homofobia e a livre expressão sexual.

Há exatamente 46 anos, na madrugada do dia 28 de junho de 1969, o bar gay que fica no bairro do Greenwich Village foi palco de um embate sangrento entre a polícia e seus frequentadores.

O reconhecimento histórico por parte da cidade do Stonewall Inn, que ainda mantém a fachada de tijolinhos e o neon vermelho na janela é uma conquista não apenas para a diversidade sexual mas contra a arrogância da força.

POWER LUNCH

Mais ao norte da ilha, na rua 52, a preservação do restaurante Four Seasons, que fica no edifício Seagram, é motivo de disputa acirrada entre a Comissão para a Preservação de Monumentos de Nova York e o proprietário, o magnata imobiliário Aby Rosen, que também é presidente do Conselho de Artes do Estado de Nova York.

Apesar do "não" eloquente da Comissão no mês passado diante da reforma proposta por ele para revigorar o interior criado em 1958 por Mies van der Rohe e Phillip Johnson, Rose, dono do Lever House e Gramercy Hotel, diz que não vai desistir. Uma de suas ideias era substituir a fabulosa adega por banheiros.

Mesmo que o conselho sirva de escudo contra as melhorias que descaracterizariam o Four Seasons, a cidade assiste à morte lenta de um dos ícones da sociedade nova-iorquina. Niccolini e Von Bidder, donos do restaurante, buscam novo espaço porque Rosen não vai renovar o contrato que vence em 2016. Para os que ficam, eis uma pérola de Rosen: "Às vezes, algo grande tem que partir".

STORYTELLER

Um aplicativo lançado pela organização StoryCorps, radicada no Brooklyn, coleciona histórias comuns de americanos. Em sua existência de 15 anos, a organização, segundo o seu fundador, o produtor radiofônico David Isay, traz a maior coleção de vozes humanas da história, com mais de 100 mil entrevistas e 50 mil participantes.

A organização traz novo fôlego à arte de narrar. Seja pelo tom intimista das inúmeras entrevistas, seja pelo esforço na tradição humanista da recuperação das experiências individuais e coletivas, por meio de histórias que se contam com a voz, algo que, para Walter Benjamin, tinha chegado a um fim (storycorps.me).

CASA & JARDIM

A retrospectiva do grande artista alemão Albert Oehlen no New Museum já começa com um gracejo no próprio título da mostra. "Home & Garden" sugere uma cena perfeitamente burguesa, ou simplesmente tinta fresca e tesoura, elementos fundamentais na sua produção, que envolve pintura e colagem, de cerca de 40 anos.

Se por um lado sua arte transgressora está fincada em uma cultura de excessos, seu lado B seria justamente um mundo cáustico em que essa materialidade se dissolve no esquecimento. Essa grande exposição, que vai até dia 13 de setembro, trata disso. "No memory" (sem memória), como diria o próprio Oehlen em tantas ocasiões, com seu sorriso ingênuo e clarividente.

LUCRECIA ZAPPI, 43, jornalista e escritora, é uma das curadoras da exposição de escultura brasileira "Empty House Casa Vazia", que fica em cartaz na Luhring Augustine, em Nova York, até 28/8.


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