Folha de S. Paulo


Anish Kapoor: o escultor superastro que gosta de provocar um escândalo

Como alguma megabanda de rock em uma turnê mundial gigantesca com patrocínio corporativo, existe um tipo de artista internacional cujas instalações em escala épica são eventos imperdíveis em muitas grandes cidades. Um superastro visual desse tipo é o escultor britânico nascido na Índia Anish Kapoor, cujos projetos grandiosos tendem a ser comentados em termos de suas dimensões: altura, comprimento, tonelagem.

Suas grandes esculturas mais conhecidas já foram vistas em Nova York, Londres, Chicago, Istambul, Jerusalém e Déli, entre outros lugares. Seu trabalho mais recente começa a ser exposto no Palácio de Versalhes, nos arredores de Paris.

Trezentos anos já se passaram desde a morte de Luís 14, cujo estilo opulento e barroco foi imitado –mas nunca igualado– por muitos, de Nicolae Ceausescu a Liberace. O maior legado do Rei Sol é Versalhes, um triunfo dourado de arquitetura régia e jardins formais.

Etienne Laurent - 9.jun.2015/Efe
A obra
A obra "Dirty Corner" (esquina suja), de Anish Kapoor

É nesses jardins imaculados que Kapoor instalou "Dirty Corner", imenso funil de aço com pernas de pedra quebrada que o artista descreveu em uma publicação francesa como "a vagina da rainha que assume o poder".

A visão destoante da vulva de aço e das pedras espalhadas em meio ao esplendor ornato de um dos tesouros arquitetônicos mais estimados da França não agrada a todos.

"É difícil entender por que tanto dinheiro está sendo gasto para impor esta provocação às pessoas que pagaram por uma visita normal ao parque", escreveu no "Figaro" o ensaísta Christian Combaz, acusando Kapoor de empregar o pano de fundo fartamente fotografado para produzir "um selfie de 10 milhões de euros".

Também foram ouvidos resmungos desaprovadores de nacionalistas e monarquistas, para quem a intervenção de Kapoor é tão pouco bem-vinda quanto o gigantesco plugue anal verde que decorou a Place Vendôme no ano passado sob a forma da escultura "Tree", de Paul McCarthy. O termo "provocação" foi usado naquela ocasião e está sendo dito novamente, agora em relação a Kapoor. Mas os franceses, que receberam os infláveis kitsch de Jeff Koons em Versalhes, sempre gostaram de gestos de provocação. Mais que isso: eles gostam de Anish Kapoor.

Foi no Grand Palais de Paris, em 2011, que Kapoor expôs "Leviathan", sua elogiada instalação com as dimensões de um zepelim que ele dedicou ao artista Ai Weiwei, na época detido pelo governo chinês sem acusação criminal. Aquele inflável vasto foi comparado a um útero, e fica claro que a anatomia reprodutiva feminina exerce papel vital na formação dos projetos sensualmente dramáticos de Kapoor. Um crítico notou a influência de Freud e declarou simplesmente: "Anish Kapoor adora vaginas". O escultor respondeu: "Como posso explicar? Sou infinitamente obcecado com a questão do interior. Passei 20 anos fazendo psicanálise, então algumas destas questões vieram à tona".

Kapoor começou a fazer análise com 20 e poucos anos, numa fase em que seu senso de identidade estava sob ataque. Nascido em Mumbai, filho de pai punjabi hindu e mãe iraquiana judia, ele estudou na escola de elite Doon, conhecida como a Eton da Índia. Ele "odiou" seus tempos na escola. Seus pais, "fantasticamente modernos", queriam que seus filhos viajassem. Assim, em 1970, com 16 anos, Kapoor se mudou para Israel com um de seus irmãos, vivendo primeiro em um kibutz e então estudando engenharia elétrica na universidade. Mas, aparentemente desencorajado pela matemática, desistiu da faculdade e resolveu, em vez disso, que queria ser artista.

Em 1973 ele foi viver na Inglaterra para estudar no Hornsey College of Art e depois na Chelsea School of Art and Design. Kapoor descreveu esse período como sendo de "libertação total", entre outras coisas de sua ansiedade psicológica constante.
Nessa etapa inicial de sua vida, ele se descrevia como artista indiano judeu, ex-aluno de colégio particular, kibbutznik, ex-estudante de engenharia, vivendo em Londres. Para alguém tão jovem, era muito para assimilar. "Eu estava seriamente na pior", ele recordaria mais tarde, "com um conflito interno que não sabia resolver".

Os trabalhos que ele fez na faculdade de arte foram, em sua própria avaliação, "muito simbólicos" e "bastante sexuais", descrições que podem ser aplicadas a boa parte de sua produção posterior. A arte parecia oferecer um meio vital de expressão ao angustiado Kapoor, mas, nos anos 1970, não conseguia lhe garantir um meio de subsistência.

Ele ganhava dinheiro fabricando móveis para o decorador de interiores Nicky Haslam, que tinha ótimos contatos. Também lecionou por algum tempo na Wolverhampton Polytechnic, algo que provavelmente não tinha sido seu sonho quando decidiu ser artista.

Mas foi em uma viagem de volta à Índia que Kapoor viveu um momento de revelação. Percebeu de repente que o que encontrava na arte era um clima ritual, uma aplicação quase devocional do ofício artístico, de modo que o próprio ato de fazer a arte era uma espécie de performance artística.

Seus trabalhos com pigmentos e com calcário, granito e mármore foram elogiados, e, para sua própria surpresa, a partir de 1983 ele conseguiu começar a viver de sua arte. Daquele momento em diante sua trajetória foi rápida e conspicuamente ascendente. Alguns de seus momentos chaves foram o prêmio de melhor artista jovem na Bienal de Veneza de 1990 e o prêmio Turner no ano seguinte.

Em 1995 Kapoor se casou com a historiadora de arte Susanne Spicalle, nascida na Alemanha. Eles têm dois filhos, mas teriam se separado dois anos atrás, mais ou menos na época em que Kapoor começou a ser fotografado com sua antiga assistente, Sophie Walker, então com 27 anos. Kapoor nunca gostou de divulgar detalhes sobre sua vida privada. O fato de esta história pessoal ter chegado à imprensa se deveu a seu perfil destacado. E esse destaque se deveu em muito à sua instalação "Marsyas", uma estrutura de aço que cobriu o imenso salão Turbine da Tate Modern em 2002. Foi esse trabalho que marcou seu grande avanço, em termos de reconhecimento pelo grande público.

Como que para confirmar sua popularidade, cerca de 280 mil pessoas foram ver sua retrospectiva na Royal Academy em 2009, um número recorde para uma exposição de esculturas em Londres. O nome de Kapoor já tinha virado marca, e seus trabalhos já eram vendidos por milhões. Ele emprega uma equipe de 25 pessoas em sua base em Camberwell, Londres, outras 30 em outros pontos do mundo, e sua fortuna é estimada em 100 milhões de libras (cerca de R$ 487 milhões). Dois anos atrás ele foi condecorado por serviços prestados às artes visuais, recebendo o título de "sir".

Kapoor é franco quando fala sobre as dimensões de seu sucesso. "Os bons artistas ganham dinheiro, e não vou fingir que isso não seja verdade", comentou. "A operação que tenho que financiar é grande. A escultura não é como a pintura–leva meses, às vezes quase um ano. É um trabalho que requer muito tempo. Tenho grande sorte porque há pessoas dispostas a comprar o que eu faço. Tenho uma relação muito sofisticada com o dinheiro."

Mesmo assim, com riqueza e status do tipo que ele possui, Kapoor poderia facilmente ter sido devorado pelo processo industrial da grande arte declaratória, convertendo-se em simples e complacente figura de proa que dá seu nome a obras públicas pouco inspiradas, mas caras e procuradas.

De fato, as críticas atraídas por sua torre olímpica londrina "ArcelorMittal Orbit", de 115 metros, foram movidas sem dúvida pela ideia de que Kapoor seria rico em dinheiro (ele não foi pago pelo Orbit) mas pobre em ideias.

"Acho que Kapoor se deixa levar pelo exibicionismo visual, o que pode ser uma fraqueza", diz o crítico de arte Matthew Collings. "A torre olímpica é feia. Às vezes ele carrega demais as insinuações de conteúdo profundo, e isso também pode ser irritante. Mas, de modo geral, ele equilibra delicadeza com impacto. Kapoor é um grande talento e um artista genuíno. Eu classifico seus objetos esculpidos por sua delícia sensual."

Resta saber se a delícia sensual de seu trabalho é apreciada pelas pessoas que visitam Versalhes. Como disse Catherine Pégard, que encomendou o trabalho de Kapoor para o palácio real, "a maior dificuldade em trabalhar em Versalhes é a própria Versalhes. O trabalho de Anish Kapoor entra em uma espécie de diálogo e confronto com este lugar e esta história." Exatamente qual tipo de diálogo é esse foi algo que Kapoor pôde entreouvir quando duas turistas americanas passaram por ele diante de "Dirty Coner". "O que é esse negócio bloqueando a vista?" uma perguntou à outra.

Kapoor aprova totalmente a reação de ultraje. "No final, fazer arte não significa trabalhar com valores bonitinhos e conhecidos", explicou. "Qual seria o sentido de mais uma coisa bonitinha em um lugar agradável? Eu não preciso de outro lugar agradável no qual expor, e Versalhes com certeza não precisa de mais coisas bonitinhas. Queremos olhar para uma coisa e perguntar: 'O que diabos é isso? Por que está aqui?'"

Parece certo que, no mínimo, haverá muitos visitantes no suntuoso palácio de Luís 14 neste verão europeu que vão levantar exatamente essas perguntas artísticas fundamentais.

ANISH KAPOOR
Nascimento 12 de março de 1954 em Mumbai (então Bombaim). Seu pai era hidrógrafo da Marinha indiana e sua mãe era de uma família judaica iraquiana.

Melhores momentos Houve muitos, mas a retrospectiva de 2009 na Royal Academy, que quebrou recordes de visitantes, se destaca por ter confirmado o papel preeminente de Kapoor na arte contemporânea britânica.

Piores momentos O final da adolescência e o início da casa dos 20 anos foram um período de grande turbulência interior que impeliu Kapoor para quase duas décadas de psicanálise. Em termos de sua arte, a torre olímpica se destaca pela ferocidade das críticas que gerou.

O que ele diz "Acho que enlouquecemos completamente em termos de escultura pública. Escultura pública... a própria frase me cansa."

O que outros dizem "As pessoas daqui reagiram mal a certas declarações que ele deu, dizendo que não é um artista indiano, mas um artista britânico. Mas acho que hoje houve uma mudança, porque Kapoor já aceita que pertence a todo lugar e a lugar nenhum" Roobina Karode, diretora do museu de arte Kiran Nadar, no norte da Índia.

Tradução de CLARA ALLAIN


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