Folha de S. Paulo


Dois poemas de Júlia de Carvalho Hansen

Manadas abrem com fogo os caminhos.
Vão matar aquele que proferiu
a palavra animada. Vai morrer
aquele que falou.

Há séculos árvores se matam
pelas impressões dos que dizem.
Há séculos morrem pelos verbos.

Carregado entre as tochas
vem aquele que só teve ouvidos
O silêncio
entre assobios de pássaros
é um dos nossos profetas:
e, como um astrólogo,
entre os ritmos dos astros
entre as rochas, falou:

sois gastos como os troncos na rua
meio podres. As chuvadas
vão levar abaixo
os cabos elétricos!
abaixo os vizinhos!
abaixo os jornais!
abaixo os compartilhadores!
abaixo!
os que mantêm vivas
as informações proliferando!

E quando diria:
abaixo os instrumentos!
Veio a palavra, o enredou:
estava humano:
teve compaixão. E matou.

Julia Debasse

Tenho sido entregue
às mais escuras
das noites mudas.
Que posso eu?
No entre desses espinhos?
Ando tão baixo
quanto as formigas
mas se arbusto não sou
por que tenho vivido
eu coberta de espinhos?
Da queda fez-se um ninho
maceradas folhas de sombra
abrigam o meu corpo.
É o esquecimento da terra.
Mas por que, por que
vesti-me de espinhos?
Si soy el temblor, o lugar
onde o trovão diz
EU é o meu peito
alargado.

JÚLIA DE CARVALHO HANSEN, 31, é poeta brasileira, autora de "Alforria Blues ou Poemas do Destino do Mar" (Chão da Feira).

JULIA DEBASSE, 29, é artista plástica.


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